Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXII
Que trata das saudades dos tupinambás, e como choram e
cantam.
Costumam os tupinambás que vindo qualquer deles de fora, em entrando pela porta, se vai logo deitar na sua rede, ao qual se vai logo uma velha ou
velhas, e põem-se em cócoras diante dele a chorá-lo em altas vozes; no qual pranto lhe dizem as saudades que dele tinham, com sua ausência, os
trabalhos que uns e outros passaram; a que os machos lhes respondem chorando em altas vozes, e sem pronunciarem nada, até que se enfadam, e mandam
às velhas que se calem, ao que estas obedecem; e se o chorado vem de longe, o vêm chorar desta maneira todas as fêmeas mulheres daquela casa, e as
parentas que vivem nas outras, e como acabam de chorar, lhe dão as boas-vindas e trazem-lhe de comer, em um alguidar, peixe, carne e farinha, tudo
junto posto no chão, o que ele assim deitado come; e como acaba de comer lhe vêm dar as boas-vindas todos os da aldeia um e um, e lhe perguntam como
lhe foi pelas partes por onde andou; e quando algum principal vem de fora, ainda que seja da sua roça, o vêm chorar todas as mulheres de sua casa,
uma e uma, ou duas em duas, e lhe trazem presentes para comer, fazendo-lhe as cerimônias acima ditas.
Quando morre algum índio, a mulher, mãe e parentas o choram com um tom mui lastimoso, o que fazem muitos dias; no qual choro dizem muitas
lástimas, e magoam a quem as entende bem; mas os machos não choram, nem se costuma entre eles chorar por ninguém que lhes morra.
Os tupinambás se prezam de grandes músicos, e, ao seu modo, cantam com sofrível tom, os quais têm boas vozes; mas todos cantam por um tom, e os
músicos fazem motes de improviso, e suas voltas, que acabam no consoante do mote; um só diz a cantiga, e os outros respondem com o fim do mote, os
quais cantam e bailam juntamente numa roda, na qual um tange um tamboril, em que não dobra as pancadas; outros trazem um maracá na mão, que é um
cabaço, com umas pedrinhas dentro, com seu cabo por onde pegam; e nos seus bailes não fazem mais mudanças, nem mais continências que bater no chão
com um só pé ao som do tamboril; e assim andam todos juntos à roda, e entram pelas casas uns dos outros; onde têm prestes vinho, com que os
convidar; e às vezes anda um par de moças cantando entre eles, entre as quais há também mui grandes músicas, e por isso mui estimadas.
Entre este gentio são os músicos mui estimados, e por onde quer que vão, são bem agasalhados, e muitos atravessaram já o sertão por entre seus
contrários, sem lhes fazerem mal. |