Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 6 — Das
árvores medicinais
Capítulo
LX
Que trata da árvore da almécega, e de outras árvores de
virtude.
Há outras árvores de muita estima, a que os índios chamam ubiracica; tem honesta grandura, de cuja madeira se não aproveitam, mas valem-se
de sua resina, de que lança grande quantidade, e quando a deita é muito mole e pegajosa; a qual é maravilhosa almécega, que faz muita vantagem à que
se vende nas boticas, e para uma árvore lançar muito picam-na ao longo da casca com muitos piques, e logo começa a lançar por eles almécega, que lhe
os índios vão apanhando com umas folhas, aonde a vão ajuntando e fazem em pães.
Esta almécega é muito quente por natureza, da qual fazem emplastos para defensivo da frialdade, e para soldar carne quebrada, e para fazer vir a
furo postemas, os quais faz arrebentar por si, e lhes chupa de dentro os carnegões, e derretida é boa para escaldar feridas frescas, e faz muita
vantagem à terebintina de bétula; com a qual almécega se fazem muitos ungüentos e emplastos para quebraduras de perna, à qual os índios chamam
icica.
Corneíba é uma árvore que na folha, na flor, na baga e no cheiro é a aroeira da Espanha, e tem a mesma virtude para os dentes, e é
diferente na grandura das árvores, que são tamanhas como oliveira, de cuja madeira se faz boa cinza para decoada nos
engenhos.
Naturalmente se dão estas árvores em terra de areia, debaixo de cujas raízes se acha muita anime
[resina aromática] que é, no cheiro, na vista e na virtude como a de Guiné, pelo que se entende que o destila de si, pelo baixo do tronco da árvore, porque se não
acha junto de outras árvores.
Em algumas partes do sertão da Bahia se acham árvores de canafístula, a que o gentio chama geneúnia, mas de agrestes dão a canafístula muito
grossa e comprida; e tem a côdea áspera, mas quebrada, e da mesma feição, assim nas pevides que tem como no preto; que se come e tem o mesmo saibo,
da qual não usa o gentio, porque não sabe o para que ela presta. Em algumas fazendas há algumas árvores de canafístula, que nasceram das que foram
de São Tomé que dão o fruto mui perfeito como o das Índia.
Cuipeúna é uma árvore pontualmente como a murta de Portugal, e não tem outra diferença que fazer maior árvore e ter a folha maior no viço
da terra, a qual se dá pelos campos da Bahia, cuja flor e o cheiro dela é da murta, mas não dá murtinhos; da qual murta se usa na Misericórdia para
cura dos penitentes e para todos os lavatórios, para que ela serve, porque tem a mesma virtude dessecativa.
Ao longo do mar da Bahia nascem umas árvores que têm o pé como parras, as quais trepam por outras árvores grandes, por onde lançam muitos ramos
como vides, as quais se chamam mucunás, cujo fruto são umas favas redondas e aleonadas na cor, e do tamanho de um tostão, as quais têm um
círculo preto, e na cabeça um olho branco. Estas favas para comer são peçonhentas, mas têm grande virtude para curar com elas feridas velhas desta
maneira: depois de serem estas favas bem secas, hão-se de pisar muito bem, e cobrir as chagas com os pós delas, as quais comem todo o câncer e carne
podre.
Criam-se nesta terra outras árvores semelhantes às de cima, que trepam por outras maiores, que se chamam o cipó das feridas, as quais são umas
favas aleonadas pequenas, da feição das de Portugal, cuja folha pisada e posta nas feridas, sem outros ungüentos as cura muito bem.
Há uns mangues, ao longo do mar, a que o gentio chama apareíba, que têm a madeira vermelha e rija, de que se faz carvão; cuja casca é muito
áspera, e tem tal virtude que serve aos curtidos para curtir toda a sorte de peles, em lugar de sumagre, com o que fazem tão bom curtume como com
ele. Estes mangues fazem as árvores muito direitas, dão umas candeias verdes compridas, que têm dentro uma semente como lentilhas, de que elas
nascem. |