Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 18 —
Informações etnográficas acerca de outras nações vizinhas da Bahia, como tupinaés, aimorés, amoipiras, ubirajaras etc.
Capítulo
CLXXXVI
Em que se declaram alguns costumes dos tapuias destas
partes.
Estes tapuias que vivem nesta comarca são muito músicos, e cantam pela maneira dos primeiros; trazem os beiços debaixo furados, e neles umas
pedras verdes roliças e compridas, que lavram devagar, roçando-as com outras pedras tanto até que as aperfeiçoam à sua vontade.
Não pescam estes índios nos rios à linha, porque não têm anzóis; mas, para matarem peixe, colhem uns ramos de umas ervas como vides, mas mui
compridos e brandos, e tecem-nos como rede, os quais deitam no rio, e tapam-no de uma parte à outra; e uns têm mão nesta rede e outros batem a água
em cima, de onde o peixe foge e vem-se descendo até dar nela, onde se ajunta; e tomam às mãos o pequeno peixe, e o grande matam às flechadas, sem
errarem um.
Costumam estes tapuias, para fazerem sal, queimarem uma serra de salitre, que está entre eles, de onde tomam aquela cinza; e a terra queimada,
lançam-na na água do rio em vasilhas, a qual fica logo salgada, e põem-na ao fogo, onde a cozem e ferve tanto até que se coalha, e fica feito o sal
em um pão; e com este sal temperam seus manjares; mas o salitre torna logo a crescer na serra para cima, mas não é tão alvo como o que não foi
queimado.
Entre estes tapuias há outros mais chegados ao Rio de S. Francisco, que estão com eles desavindos, que são mais agrestes e não vivem em casas, e
fazem sua vivenda em furnas onde se recolhem; e têm uma destas serras mui áspera onde fazem sua habitação, os quais têm os mesmos costumes que os de
cima.
Corre esta corda dos tapuias toda esta terra do Brasil pelas cabeceiras do outro gentio, e há entre eles diferentes castas, com mui diferentes
costumes, e são contrários uns dos outros; entre os quais há grandes discórdias, por onde se fazem guerra muitas vezes e se matam sem nenhuma
piedade.
Daqui por diante se declara o grande
cômodo que a Bahia tem para se fortificar, e os metais que se nela dão.
Não parece despropósito arrumar à sombra do que está dito da Bahia de Todos os Santos, os grandes aparelhos e cômodos que tem para se fortificar,
como convém ao serviço de El-rei Nosso Senhor e ao bem da terra, para se poder resistir a quem a quiser ofender; o que começamos a declarar pelo
capítulo que se segue. |