Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 5 — Das
árvores e plantas indígenas que dão fruto que se come
Capítulo
LV
Em que se contêm muitas castas de palmeiras que dão fruto
pela terra da Bahia no sertão e algumas junto ao mar.
Como há tanta diversidade de palmeiras que dão fruto na terra da Bahia, convém que as arrumemos todas neste capítulo, começando logo numas a que
os índios chamam pindobas, que são muito altas e grossas, que dão flor como as tamareiras e o fruto em cachos grandes como os coqueiros, cada um dos
quais é tamanho que não pode um negro mais fazer que levá-lo às costas; nos quais cachos tem os cocos tamanhos como pêras pardas grandes, e têm a
casca de fora como um coco, e outra dentro de um dedo de grosso, muito dura, e dentro dela um miolo maciço com esta casca, donde se tira com
trabalho, o qual é tamanho como uma bolota, e mui alvo e duro para quem tem ruins dentes; e se não é de vez, é muito tenro e saboroso; e de uma
maneira e outra é bom mantimento para o gentio quando não tem mandioca, o qual faz destes cocos azeite para as suas mezinhas.
Do olho destas palmeiras se tiram palmitos façanhosos de cinco a seis palmos de comprido, e tão grossos como a perna de um homem. De junto do olho
destas palmeiras tira o gentio três e quatro folhas cerradas, que se depois abrem à mão, com as quais cobrem as casas, a que chamam pindobuçu,
com o que fica uma casa por dentro, depois de coberta, muito formosa; a qual palma no verão é fria, e no inverno quente; e se não fora o perigo do
fogo, é muito melhor e mais sadia cobertura que a da telha.
Anajá-mirim é outra casca de palmeiras bravas que dão muito formosos palmitos, e o fruto como as palmeiras acima; mas são os cocos mais
pequenos e as palmas que se lhe tiram de junto dos olhos têm a folha mais miúda, com que também cobrem as casas onde se não acham as palmeiras
acima. Os cachos destas palmeiras e das outras acima nascem numa maçaroca parda de dois a três palmos de comprido, e como este cacho quer lançar a
flor arrebenta esta maçaroca ao comprido e sai o cacho para fora, e a maçaroca fica muito lisa por dentro e dura como pau; da qual se servem os
índios como de gamelas, e ficam da feição de almadia.
Há outras palmeiras bravas que chamam japeraçaba, que também são grandes árvores; mas não serve a folha para cobrir casas, porque é muito
rara e não cobre bem, mas serve para remédio de quem caminha pelo mato cobrir com elas as choupanas, as quais palmeiras dão também palmito no olho e
seus cachos de cocos, tamanhos como um punho, com miolo como os mais, que também serve de mantimento ao gentio, e de fazerem azeite; o qual e o de
cima têm o cheiro muito fortum.
Pati é outra casta de palmeiras bravas muito compridas e delgadas; as mais grossas são pelo pé como a coxa de um homem, têm a rama pequena,
mole e verde-escura. Os palmitos que dão são pequenos, e os cocos tamanhos como nozes, com o seu miolo pequeno que se come. Destas árvores se usa
muito, porque têm a casca muito dura, que se fende ao machado muito bem, da qual se faz ripa para as casas, a que chamam pataíba, que é tão
dura que com trabalho a passa um prego; e por dentro é estopenta, a qual ripa quando se lavra por dentro cheira a maçãs maduras.
Há outras palmeiras, que chamam buri, que têm muitos nós, que também dão cocos em cachos, mas são miúdos; estas têm a folha da parte de
fora verde e da de dentro branca, com pêlo como marmelos, as quais também dão palmitos muito bons.
Piçandós são umas palmeiras bravas e baixas que se dão em terras fracas; e dão uns cachos de cocos pequenos e amarelos por fora, que é
mantimento para quem anda pelo sertão, muito bom porque tem o miolo muito saboroso como avelãs, e também dão palmitos.
As principais palmeiras bravas da Bahia são as que chamam ururucuri, que não são muito altas, e dão uns cachos de cocos muito miúdos, do
tamanho e cor dos abricoques, aos quais se come o de fora, como os abricoques, por ser brando e de sofrível sabor; e quebrando-lhe o caroço, donde
se lhe tira um miolo como o das avelãs, que é alvo e tenro e muito saboroso, os quais coquinhos são mui estimados de todos.
Estas palmeiras têm o tronco fofo, cheio de um miolo alvo e solto como o cuscuz, e mole; e quem anda pelo sertão tira esse miolo e coze-o em um
alguidar ou tacho, sobre o fogo, onde se lhe gasta a umidade, e é mantimento muito sadio, substancial e proveitoso aos que andam pelo sertão, a que
chamam farinha-de-pau.
Patioba é como palmeira nova no tronco e olho, e dá umas folhas de cinco a seis palmos de comprido e dois e três de largo; é de cor verde e
tesa como pergaminho, e serve para cobrir as casas no lugar onde se não acha outra, e para as choupanas dos que caminham; quando se estas folhas
secam, fazem-se em pregas tão lindas como de leques da Índia; e quando nascem, saem feitas em pregas, como está um leque estando fechado; dá
palmitos pequenos, mas mui gostosos. |