Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CXLIX
Que trata de como se dividiram os tupinambás, e se
passaram à ilha de Itaparica e dela a Jaguaripe.
Entre os tupinambás moradores da banda da cidade armaram desavenças uns com os outros sobre uma moça que um tomou a seu pai por força, sem lha
querer tornar; com a qual desavença se apartou toda a parentela do pai da moça, que eram índios principais, com a gente de suas aldeias, e
passaram-se à Ilha de Itaparica, que está no meio da Bahia, com os quais se lançou outra muita gente, e incorporaram-se com os vizinhos do Rio
Paraguaçu, e fizeram guerra aos da cidade, a cujo limite chamavam Caramurê; e salteavam-se uns aos outros cada dia, e ainda hoje em dia há memória
de uma ilheta, que se chama a do Medo, por se esconderem detrás dela; onde faziam ciladas uns aos outros com canoas, em que se matavam cada dia
muitos deles.
Destes tupinambás que se passaram à Ilha de Itaparica, se povoou o Rio Jaguaripe, Tinharé e a costa dos Ilhéus; e tamanho ódio se criou entre esta
gente, sendo toda uma por sua avoenga, que ainda hoje, entre esses poucos que há, se querem tamanho mal que se matam uns aos outros, se o podem
fazer, em tanto que se encontram alguma sepultura antiga dos contrários, lhe desenterram a caveira, e lha quebram, com o que tomam nome novo, e de
novo se tornam a inimizar.
E em tempo que os portugueses tinham já povoado este Rio de Jaguaripe, houve na sua povoação grande ajuntamento de aldeia dos índios ali vizinhos,
para quebrarem caveiras em terreiros, com grandes festas, para os quebradores das cabeças tomarem novos nomes, as quais caveiras foram desenterrar a
uma aldeia despovoada para vingança de morte dos pais ou parentes dos quebradores delas, para o que as enfeitavam com penas de pássaros ao seu modo;
nas quais festas houve grandes bebedices, o que ordenaram os portugueses ali moradores para se escandalizarem os parentes dos defuntos, e se
quererem de novo mal; porque se temiam que se viessem a confederar uns com os outros para lhes virem fazer guerra, o que foi bastante para não o
fazerem, e se assegurarem com isto os portugueses que viviam neste rio. |