Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 5 — Das
árvores e plantas indígenas que dão fruto que se come
Capítulo
LII
Em que se diz de algumas árvores de fruto que se dão na
vizinhança do mar da Bahia.
Na vizinhança do mar da Bahia se dão umas árvores nas campinas e terras fracas, que se chamam mangabeiras, que são do tamanho de pessegueiros. Têm
os troncos delgados, e a folha miúda, e a flor como a do marmeleiro; o fruto é amarelo corado de vermelho, como pêssego calvos, ao qual chamam
mangabas, que são tamanhas como ameixas e outras maiores, as quais em verdes são todas cheias de leite, e colhem-se inchadas para amadurecerem em
casa, o que fazem de um dia para o outro, porque se amadurecem na árvore caem no chão.
Esta fruta se come toda sem deitar nada fora como figos, cuja casca é tão delgada que se lhe pela se as enxovalham, a qual cheira muito bem e tem
suave sabor, é de boa digestão e faz bom estômago, ainda que comam muitas; cuja natureza é fria, pelo que é muito boa para os doentes de febres por
ser muito leve.
Quando estas mangabas não estão bem maduras, travam na boca como as sorvas verdes em Portugal, e quando estão inchadas são boas para conserva de
açúcar, que é muito medicinal e gostosa.
Os araçazeiros são outras árvores que pela maior parte se dão
em terra fraca na vizinhança do mar, as quais são como macieiras na grandura, na cor da casca, no cheiro da folha e na cor e feição dela.
A flor é branca, da feição da de murta, e cheira muito bem.
Ao fruto chamam araçás, que são da feição das nêsperas, mas alguns muito maiores. Quando são verdes têm a cor verde, e como são maduros têm a cor
das peras; têm o olho como nêsperas, e por dentro caroços como elas, mas muito mais pequenos. Esta fruta se come toda, e tem ponta de azedo mui
saboroso, da qual se faz marmelada, que é muito boa e melhor para doentes de câmaras.
Perto do salgado há outra casta de araçazeiros, cujas árvores
são grandes, e o fruto como laranja, mas mui saboroso, ao qual aparam a casca por ser muito grossa.
Araticu é uma árvore do tamanho de uma amoreira, cuja folha é
muito verde escura, da feição da laranjeira mas maior; a casca da árvore é como de loureiro, a madeira é muito mole, a flor é fresca, grossa e pouco
vistosa, mas o fruto é tamanho como uma pinha, em verde é lavrado como pinha, mas o lavor é liso e branco. Como este fruto é maduro, arregoa
todo pelos lavores que ficam então brancos, e o pomo é muito mole e cheira muito bem, e tamanho é o seu cheiro que, estando em cima da árvore, se
conhece debaixo que está maduro pelo cheiro.
Este fruto por natureza é frio e sadio; para se comer
corta-se em quartos, lançando-lhe fora umas pevides que tem, amarelas e compridas, como de cabaços, das quais nascem estas árvores; e aparam-lhe a
casca de fora que é muito delgada, e tudo mais se come, que tem muito bom sabor com ponta de azedo, a qual fruta é para a calma muito desenfastiada.
Pino é uma árvore comprida, delgada, esfarrapada da folha, a
qual é do tamanho e feição da folha da parra. O seu fruto nasce em ouriço cheio de espinhos como os das castanhas, e tirado este ouriço fora fica
uma coisa do tamanho de uma noz, e da mesma cor, feição e dureza, o qual lhe quebram, e tiram-lhe de dentro dez ou doze pevides do tamanho de
amêndoas, e fica-lhe o miolo alvíssimo, que tem o sabor como as amêndoas; de que se fazem todas as frutas docs que se costumam fazer das amêndoas,
os quais pinos, lançados em água fria, incham e ficam muito desenfastiados para comer, e são bons para dor de cabeça, de que se fazem amendoados.
Dão-se estas árvores em ladeira sobre o mar e à vista dele, em terras dependuradas.
Abajeru é uma árvore baixa como carrasco, natural donde lhe
chegue o rocio do mar, pelo que se não dão estas árvores senão ao longo das praias, cuja folha é áspera, e dá uma flor branca e pequena. O fruto é
do mesmo nome da feição e tamanho das ameixas de cá, e de cor roxa; come-se como ameixas, mas tem maior caroço; o sabor é doce e saboroso.
Amaitim é uma árvore muito direita, comprida e delgada; tem a
folha como figueira, dá uns cachos maiores que os das uvas ferrais; tem os bagos redondos, tamanhos como os das uvas mouriscas, e muito
esfarrapados, cuja cor é roxa, cobertos de um pelo tão macio como veludo; metem-se estes bagos na boca e tiram-lhe fora um caroço como de cereja, e
a pele que tem o pelo, entre a qual e o caroço tem um doce mui saboroso como o sumo das boas uvas.
Apé é uma árvores do tamanho e feição das oliveiras, mas tem
a madeira áspera e espinhosa como romeira, a folha é da feição de pessegueiro e da mesma cor. Esta árvore dá um fruto do mesmo nom, da feição das
amoras, mas nunca são pretas, e tem a cor brancacenta; come-se como as amoras; tem bom sabor, com ponta de azedo, mui apetitoso para quem tem
fastio; as quais árvores se dão ao longo do mar e à vista dele.
Murici é uma árvore pequena, muito seca da casca e da folha,
cuja madeira não serve para nada; dá umas frutas amarelas, mais pequenas que cerejas, que nascem em pinhas como elas, com os pés compridos; a qual
fruta é mole e come-se toda; cheira e sabe a queijo do Alentejo que requeima. Estas árvores se dão nas campinas perto do mar em terras fracas.
Cupiúba é uma árvore da feição do loureiro, assim na cor da
casca do tronco como na folha, a qual carrega por todos os ramos de uma fruta preta do mesmo nome, maior que murtinhos, e toma tantos ordinariamente
que negrejam ao longe. Esta fruta se como como uvas, e tem o sabor delas quando as vindima, que estão muito maduras, e têm uma pevide preta que se
lhe lança fora. Dão-se estas árvores ao longo do mar e dos rios por onde entra a maré.
Maçarandiba é uma árvore real de cuja madeira se dirá ao
diante. Só lhe cabe aqui dizer do seu fruto, que é da cor dos medronhos e do seu tamanho, cuja casca é tesa e tem duas pevides dentro, que se lhe
lançam fora com a casca; o mais se lhe come, que é doce e muito saboroso; e quem come muita desta fruta que se chama como a árvore, pegam-se-lhe os
bigodes com o sumo dela, que é muito doce e pegajoso; e para os índios lhe colherem esta fruta cortam as árvores pelo pé como fazem a todas que são
altas. Estas se dão ao longo do mar ou à vista dele.
Mucuri é uma árvore grande que se dá perto do mar, a qual dá
umas frutas amarelas, tamanhas como abricós, que cheiram muito bem, e têm grande caroço; o que se lhe come é de maravilhoso sabor, e aparam-lhe a
casca de fora. [N.E.: este trecho destacado em verde aparece como parte do capítulo LIV em algumas edições da
obra, como a de 1938 aqui usada como base de transcrição].
Ingá é árvore desafeiçoada que se não dá senão em terra boa, de cuja lenha se faz boa decoada para os engenhos. E dá uma fruta da feição das
alfarrobas da Espanha, e tem dentro umas pevides como as das alfarrobas, e não se lhe come senão um doce que tem em derredor das pevides, que é
muito saboroso.
Cajá é uma árvore comprida, com copa como pinheiro; tem a casca grossa e áspera, e se a picam deita um óleo branco como leite em fio, que é muito
pegajoso. A madeira é muito mole e serve para fazer decoada para os engenhos; dá flor branca como a de macieira, e o fruto é amarelo do tamanho das
ameixas, tem grande caroço e pouco que comer, a casca é como a das ameixas.
Esta fruta arregoa, se lhe chove, como é madura, a qual cai com o vento no chão, e cheiram muito bem o fruto e as flores, que são brancas e
formosas; o sabor é precioso, com ponta de azedo, cuja natureza é fria e sadia; dão esta fruta aos doentes de febres, por ser fria e apetitosa, e
chama-se como a árvore, que se dá ao longo do mar.
Bacuripari é outra árvore de honesta grandura, que se dá perto do mar, e quando a cortam corre-lhe um óleo grosso de entre a madeira e a casca,
muito amarelo e pegajoso como visco. Dá esta árvore um fruto tamanho como fruta nova, que é amarelo e cheira muito bem; e tem a casca grossa como
laranja, a qual se lhe tira muito bem, e tem dentro dois caroços juntos, sobre os quais tem o que se lhe come, que é de maravilhoso sabor.
Piqui é uma árvore real, de cuja madeira se dirá adiante, a qual árvore dá frutas como castanhas, cuja casca é parda e tesa e, tirada, ficam umas
castanhas alvíssimas, que sabem como pinhões crus e cada árvore dá disto muito. |