Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 13 — Da
herpetogratia e dos batráquios e vários outros
Capítulo
CXII
Em que se declara que cobras são as de cascavel, e as dos
formigueiros, e as que chamam boitiapóia.
Boicininga quer dizer "cobra tange", pela língua do gentio; as quais são pequenas e muito peçonhentas quando mordem; chamam-lhes os
portugueses cobras de cascavel, porque têm sobre o rabo uma pele dura, ao modo de reclamo
[chocalho], tamanha como uma bainha de gravanço [grão-de-bico], mas é muito aguda na ponta que tem para cima, onde tem dois dentes, com que mordem, que são agudos.
Esta bainha lhes retine muito, quando andam, pelo que são logo sentidas, e não fazem tanto dano. E afirmam os índios que as cobras desta casta não
mordem com a boca mas com aquele aguilhão farpado que têm neste cascavel, o qual também retine fora da cobra; e tem tantos reclamos como a cobra tem
de anos; e cada ano lhe nasce um; as quais cobras mordem ou picam com esta ponta de cascavel de salto.
Nos formigueiros velhos se criam outras cobras, que se chamam ubojara
[cobra-de-duas-cabeças], que são de três a cinco palmos e têm o rabo rombo na ponta, da feição da cabeça; e não têm outra diferença um do outro que ter a cabeça boca, em
a qual não têm olhos e são cegas; e saem dos formigueiros quando se eles enchem com a água da chuva; e como se saem fora, ficam perdidas sem saberem
por onde andam; e se chegam a morder, são também mui peçonhentas.
Estas cobras não são ligeiras como as outras, e andam muito devagar; têm a pele de cor acatassolada pela banda de cima, e pela de baixo são
brancas; mantêm-se nos formigueiros das formigas quando as podem alcançar, e do seu mantimento, de onde também se saem apertadas de fome.
Boitiapóias são cobras de cinqüenta e sessenta palmos de comprido e muito delgadas, que não mordem a nada; porque têm o focinho muito
comprido e o queixo de baixo muito curto; onde têm a boca muito pequena e não podem chegar com os dentes a quem querem fazer mal, porque lho impede
o focinho; mas para matarem uma pessoa ou alimária enroscam-se com ela, e apertam-na rijamente e buscam-lhe com a ponta do rabo os ouvidos, pelos
quais lhe metem com muita presteza, porque a têm muito dura e aguda; e por este lugar matam a presa, em que se depois desenfadam à vontade. |