Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 4 — Da
agricultura da Bahia
Capítulo XXXVIII
Que trata das raízes da mandioca e do para que servem.
As raízes da mandioca comem-nas as vacas, éguas, ovelhas, cabras, porcos e a caça do mato, e todos engordam com elas comendo-as cruas, e se as
comem os índios, ainda que sejam assadas, morrem disso por serem muito peçonhentas; e para se aproveitarem os índios e mais gente destas raízes,
depois de arrancadas rapam-nas muito bem até ficarem alvíssimas, o que fazem com cascas de ostras, e depois de lavadas ralam-nas em uma pedra ou
ralo, que para isso têm, e, depois de bem raladas, espremem esta massa em um engenho de palma, a que chamam tapeti, que lhe faz lançar a água que
tem toda fora, e fica essa massa toda muito enxuta, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso feito, no qual deitam
esta massa e a enxugam sobre o fogo, onde uma índia a mexe com um meio cabaço, como quem faz confeitos, até que fica enxuta e sem nenhuma umidade, e
fica como cuscuz, mas mais branca, e desta maneira se come, é muito doce e saborosa.
Fazem mais desta massa, depois de espremida, umas filhós, a que chamam beijus, estendendo-a no alguidar sobre o fogo, de maneira que ficam tão
delgadas como filhós mouriscas, que se fazem de massa de trigo, mas ficam tão iguais como obréias, as quais se cozem neste alguidar até que ficam
muito secas e torradas.
Destes beijus são mui saborosos, sadios e de boa digestão, que é o mantimento que se usa entre gente de primor, o que foi inventado pelas mulheres
portuguesas, que o gentio não usava deles. Fazem mais desta mesma massa tapiocas, as quais são grossas como filhós de polme e moles, e fazem-se no
mesmo alguidar como os beijus, mas não são de tão boa digestão, nem tão sadios; e querem-se comidas quentes; com leite têm muita graça; e com açúcar
clarificado também. |