Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLV
Em que se declara o com que se os tupinambás fazem
bizarros.
Para se os tupinambás fazerem bizarros usam de muitas bestialidades mui estranhas, como é fazerem depois de homens três e quatro buracos nos
beiços de baixo, onde metem pedras, com grandes pontas para fora; e outros furar os beiços de cima, também como os de baixo, onde também metem
pedras redondas, verdes e pardas, que ficam inseridas nas faces, como espelhos de borracha; nas quais há alguns que têm nas faces dois e três
buracos, em que metem pedras, com pontas para fora; e há alguns que têm todos estes buracos, que com as pedras neles, parecem os demônios; os quais
sofrem estas dores por parecerem temerosos a seus contrários.
Usam também entre si umas carapuças de penas amarelas e vermelhas, que põem na cabeça, que lha cobre até as orelhas; os quais fazem colares para o
pescoço de dentes dos contrários, onde trazem logo juntos dois, três mil dentes, e nos pés uns cascavéis de certas ervas da feição da castanha, cujo
tinido se ouve muito longe.
Ornam-se mais estes índios, para suas bizarrices, de uma roda de penas de ema, que atam sobre as ancas, que lhes faz tamanho vulto que lhes cobre
as costas todas de alto abaixo; e para se fazerem mais feios se tingem todos de jenipapo, que parecem negros da Guiné, e tingem os pés de uma tinta
vermelha muito fina, e as faces; e põem sobraçadas muitas contas de búzios, e outras pequenas de penas nos braços; e quando se ataviam com todas
estas peças, levam uma espada de pau marchetada com cascas de ovos de pássaros de cores diversas, e na empunhadura umas penas grandes de pássaros, e
certas campainhas de penas amarelas, a qual espada lançam, atada ao pescoço, por detrás; e levam na mão esquerda seu arco e flechas, com dentes de
tubarão; e na direita um maracá, que é um cabaço cheio de pedrinhas, com seu cabo, com que vai tangendo e cantando; e fazem estas bizarrices para
quando na sua aldeia há grandes vinhos, ou em outra, onde vão folgar; pelas quais andam cantando e tangendo sós, e depois misturados com outros; com
os quais atavios se fazem temidos e estimados. |