Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo LIV
Que trata de como Mem de Sá foi povoar o Rio de Janeiro.
Partindo Mem de Sá para o Rio de Janeiro, foi visitando a capitania dos Ilhéus, Porto Seguro e a do Espírito Santo, das quais levou muitos
moradores, que como aventureiros os foram acompanhando com seus escravos, nesta jornada; e como chegou ao Rio de Janeiro viu que lhe havia de custar
mais do que cuidava, como lhe custou; porque o achou fortificado dos franceses na terra firme, onde tinham feito cercas mui grandes e fortes de
madeira, com seus baluartes e artilharia, que lhes umas naus que ali foram carregar de pau deixaram, com muitas espingardas.
Nestas cercas estavam recolhidos com os franceses os índios tamoios, que estavam já tão adestrados deles, que pelejavam muito bem com suas
espingardas, para o que não lhes faltava pólvora nem o necessário, por de tudo estarem bem providos das naus acima ditas. Desembarcando o governador
em terra,tiveram os portugueses grandes escaramuças com os franceses e tamoios; mas uns e outros se recolheram contra sua vontade para as suas
cercas, que logo foram cercadas e postas em grande aperto; mas, primeiro que fossem entradas, custou a vida a Estácio de Sá, sobrinho do governador,
e a Gaspar Barbosa, pessoa de muito principal estima, e a outros muitos homens e escravos, e, contudo, foram as cercas entradas, e muitos dos
contrários mortos e os mais cativos.
E como os tamoios não tiveram entre si franceses, se recolheram pela terra adentro, donde vinham muitas vezes fazer seus saltos, do que nunca
saíram bem. E como Mem de Sá viu que tinha lançado os inimigos da porta, ordenou de fortificar este rio, fazendo-lhe uma estância ao longo da água
para defender a barra, a qual depois reedificou Cristóvão de Barros, sendo capitão deste rio; e assentou a cidade, que murou com muros de taipas com
suas torres, em que pôs artilharia necessária, onde edificou algumas igrejas, com sua casa de Misericórdia e hospital, e um mosteiro de padres da
companhia, que agora é colégio, em que os padres ensinam latim, para o que lhe faz S. A. mercê cada ano de dois mil cruzados.
E acabada de fortificar e povoar essa cidade, ordenou o governador de se tornar para a Bahia, deixando nela por capitão a seu sobrinho Salvador
Correia de Sá, com muitos moradores e oficiais de Justiça e de Fazenda, convenientes ao serviço del-rei e ao bem da terra, o qual Salvador Correia
defendeu esta cidade alguns anos mui valorosamente, fazendo guerra ao gentio, de que alcançou grandes vitórias, e dos franceses, que do Cabo Frio os
vinham ajudar e favorecer, aos quais foi tomar, dentro do Cabo Frio, uma nau que passava de duzentos tonéis, com canoas que levou do Rio de Janeiro,
com as quais a abalroou e tomou à força de armas.
A esta cidade mandou depois el-rei d. Sebastião por capitão e governador Cristóvão de Barros, que a acrescentou, fazendo nela em seu tempo muitos
serviços a S. A., que se não podem particularizar em tão pequeno espaço. |