Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXVII
Que trata de como os tupinambás se apercebem para irem à
guerra.
Como os tupinambás são muito belicosos, todos os seus fundamentos são como farão guerra aos seus contrários; para o que se ajuntam no terreiro da
sua aldeia as pessoas mais principais, e fazem seus conselhos, como fica declarado; onde assentam a que parte hão de ir dar a dita guerra, e em que
tempo; para o que se notifica a todos que se façam prestes de arcos e flechas, e alguns paveses
[escudos], que fazem de um pau mole e muito leve, e as mulheres entendem em lhes fazerem a farinha que hão de levar, a que chamam de guerra; porque dura
muito, para se fazer a dita guerra, de onde tomou o nome; e como todos estão prestes de suas armas e mantimentos, às noites antes da partida anda o
principal pregando ao redor das casas, e nessa pregação lhes diz onde vão, e a obrigação que têm de ir tomar vingança de seus contrários, pondo-lhes
diante a obrigação que têm para o fazerem e para pelejarem valorosamente; prometendo-lhes vitória contra seus inimigos, sem nenhum perigo da sua
parte, de que ficará deles memória para os que após eles vierem cantar em seus louvores; e que pela manhã comecem de caminhar.
E em amanhecendo, depois de almoçarem, toma cada um seu quinhão de farinha às costas, e a rede em que há de dormir, seu pavês e arco e flechas na
mão, e outros levam além disto uma espada de pau a tiracolo. Os roncadores levam tamboril, outros levam buzinas, que vão tangendo pelo caminho, com
que fazem grande estrondo, como chegam à vista dos contrários.
E os principais deste gentio levam consigo as mulheres carregadas de mantimentos, e eles não levam mais que a sua rede e armas às costas, e arco e
flechas na mão. E antes que se abalem, faz o principal capitão da dianteira, que eles têm por grande honra, o qual vai mostrando o caminho e o lugar
onde hão de dormir cada noite.
E a ordenança com que se põe a caminho, é um diante do outro, porque não sabem andar de outra maneira; e como saem fora dos seus limites, e entram
pela terra dos contrários, levam ordinariamente suas espias adiante que são sempre mancebos muito ligeiros, que sabem muito bem este ofício; e com
muito cuidado, os quais não caminham cada dia mais de légua e meia até duas léguas, que é o que se pode andar até as nove horas do dia, que o tempo
em que aposentam seu arraial, o que fazem perto d'água, fazendo suas choupanas, a que chamam tejupares, as quais fazem arruadas, deixando um
caminho pelo meio delas; e desta maneira vão fazendo suas jornadas, fazendo fogos nos
tajupares. |