Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XLIV
Em que se trata de como Pedro de Góis foi povoar a sua
capitania de Paraíba ou de São Tomé
Pedro de Góis foi um fidalgo muito honrado, cavaleiro e experimentado, o qual andou na costa do Brasil com Pedro Lopes de Sousa, e se perdeu com
ele no Rio da Prata; e pela afeição que tomou deste tempo à terra do Brasil, pediu a el-rei d. João, quando repartiu as capitanias, que lhe fizesse
mercê de uma, da qual S. A. lhe fez mercê, dando-lhe trinta léguas de terra ao longo da costa, que se começariam onde se acabava a capitania de
Vasco Fernandes Coutinho, e daí até onde acaba Martim Afonso de Sousa, e que, não as havendo entre uma capitania e outra, que lhe dava somente o que
houvesse, o que não passaria dos baixos dos Pargos.
Da qual capitania foi tomar posse numa frota de navios, que à sua custa para isso fez, que proveu de moradores, armas e o mais necessário para tal
empresa, com a qual frota se partiu do porto de Lisboa, e fez sua viagem com próspero tempo, e foi tomar terra e porto na sua capitania, e
desembarcou no Rio Paraíba, onde se fortificou, e fez uma povoação em que esteve pacificamente os primeiros dois anos, com os gentios goitacases
seus vizinhos, com quem teve depois guerra cinco ou seis anos, dos quais se defendeu com muito trabalho e risco de sua pessoa, por lhe armarem cada
dia mil traições, fazendo pazes, que lhe logo quebravam, com o que lhe foram matando muita gente, assim nestas traições como em cercos, que lhe
puseram, mui prolongados, com o que padeceu cruéis fomes, o que não podendo os moradores sofrer apertaram com Pedro de Góis rijamente, que a
despovoasse, no que ele se determinou obrigado destes requerimentos e das necessidades em que o tinham posto os trabalhos, e ver que não era
socorrido do reino como devera.
E vendo-se já sem remédio, foi forçado a despejar a terra, e passar-se com toda a gente para a capitania do Espírito Santo, onde estava a esse
tempo Vasco Fernandes Coutinho, que lhe mandou para isso algumas embarcações. E como Pedro de Góis teve embarcação, se tornou para estes reinos mui
desbaratado, dos quais voltou a ir ao Brasil por capitão-mor do mar com Tomé de Sousa, que neste Estado foi o primeiro governador-geral, com quem
ajudou a povoar e fortificar a cidade do Salvador, na baía de Todos os Santos.
Nesta povoação que Pedro Góis fez na sua capitania gastou toda a sua fazenda que tinha no reino, e muitos mil cruzados de Martim Ferreira, que o
favoreceu muito com pretensão de fazerem por conta da companhia grandes engenhos, o que não houve efeito pelos respeitos declarados neste capítulo. |