Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA
Capítulo XL
Em que se declara a costa de Cricaré até o Rio Doce, e do
que se descobriu por ele acima, e pelo Aceci.
Do Rio de Cricaré até o Rio Doce são dezessete léguas, as quais se correm pela costa Norte-Sul; o qual Rio Doce está em altura de dezenove graus.
A terra deste rio, ao longo do mar, é baixa e afastada da costa; por ela adentro tem arrumada uma serra, que parece, a quem vem do mar em fora,
que é a mesma costa. A boca deste rio é esparcelada bem uma légua e meia ao mar, mas tem seu canal, por onde entram navios de quarenta tonéis, o
qual rio se navega pela terra adentro algumas léguas, cuja terra ao longo do rio por ali acima é muito boa, que dá todos os mantimentos acostumados
muito bem, onde se darão muito bons canaviais de açúcar, se os plantarem, e se podem fazer alguns engenhos, por ter ribeiras mui acomodadas a eles.
Este Rio Doce vem de muito longe e corre até o mar quase Leste-Oeste, pelo qual Sebastião Fernandes Tourinho, de quem falamos, fez uma entrada
navegando por ele acima, até onde o ajudou a maré, com certos companheiros, e entrando por um braço acima, que se chama Mandi, onde desembarcou,
caminhou por terra obra de vinte léguas, com o rosto a Leste-Sudoeste, e foi dar com uma lagoa, a que o gentio chama boca do mar, por ser muito
grande e funda da qual nasce um rio que se mete neste Rio Doce, e leva muita água.
Esta lagoa cresce às vezes tanto, que faz grande enchente nesse Rio Doce. Dessa lagoa corre este rio a Leste, e dela a quarenta léguas tem uma
cachoeira; e andando esta gente ao longo deste rio, que sai da lagoa mais de trinta léguas, se detiveram ali alguns dias; tornando a caminhar,
andaram quarenta dias com o rosto a Oeste; e no cabo deles chegaram aonde se mete este Rio no Doce, e andaram nestes quarenta dias setenta léguas
pouco mais ou menos. E como esta gente chegou a este Rio Doce, e o acharam tão possante, fizeram nele canoas de casca, em que se embarcaram, e foram
por ali acima, até onde se mete neste rio outro, a que chamam Aceci, pelo qual entraram e foram quatro léguas, e no cabo delas desembarcaram e foram
por terra com o rosto ao Noroeste onze dias, e atravessaram o Aceci, e andaram cinqüenta léguas ao longo dele da banda ao Sul trinta léguas.
Aqui achou esta gente umas pedreiras, umas pedras verdoengas, e tomam do azul que tem, que parece turquesas, e afirmou o gentio aqui vizinho que
no cimo deste monte se tiravam pedras muito azuis, e que havia outras que, segundo sua informação, têm ouro muito descoberto. E quando esta gente
passou o Aceci a derradeira vez, dali cinco ou seis léguas da banda do Norte, achou Sebastião Fernandes uma pedreira de esmeraldas e outra de
safiras, as quais estão ao pé de uma serra cheia de arvoredo do tamanho de uma légua, e quando esta gente ia do mar por este Rio Doce acima sessenta
ou setenta léguas da barra, acharam umas serras ao longo do Rio de Arvoredo, e quase todas de pedra, em que também acharam pedras verdes; e indo
mais acima quatro ou cinco léguas da banda do Sul, está outra serra, em que afirma o gentio haver pedras verdes e vermelhas tão compridas como
dedos, e outras azuis, todas mui resplandecentes.
Desta serra para a banda de Leste pouco mais de uma légua está uma serra, que é quase toda de cristal muito fino, a qual cria em si muitas
esmeraldas, e outras pedras azuis. Com estas informações que Sebastião Fernandes deu a Luís de Brito, sendo governador, mandou Antônio Dias Adorno,
como já fica dito atrás, o qual achou ao pé desta serra, da banda do Norte, as esmeraldas, e da de Leste as safiras. Umas e outras nascem no
cristal, de onde trouxeram muitas e algumas muito grandes, mas todas baixas; mas presume-se que debaixo da terra as deve de haver finas, porque
estas estavam à flor da terra.
Em muitas partes achou esta gente pedras desacostumadas, de grande peso, que afirmam terem ouro e prata, do que não trouxeram amostras, por não
poderem trazer mais que as primeiras e com trabalho; a qual gente se tornou para o mar pelo Rio Grande abaixo, como já fica dito. E Antônio Dias
Adorno, quando foi a estas pedras, as recolheu por terra, atravessando pelos tupinaés e por entre os tupinambás, e com uns e outros teve grandes
encontros, e com muito trabalho e risco de sua pessoa chegou à Bahia e fazenda de Gabriel Soares de Sousa. |