Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXXIII
Que trata de como se enfeita e aparata o matador.
Costumam os tupinambás, primeiro que o matador saia do terreiro, enfeitá-lo muito bem, pintá-lo com lavores de jenipapo todo o corpo, e põem-Ihe
na cabeça uma carapuça de penas amarelas e um diadema, manilhas nos braços e pernas, das mesmas penas, grandes ramais de contas brancas sobraçadas,
e seu rabo de penas de ema nas ancas e uma espada de pau de ambas as mãos muito pesada, marchetada com continhas brancas de búzios, e pintada com
cascas de ovos de cores, assentado tudo, em lavores ao seu modo, sobre cera, o que fica mui igualado e bem feito; e no cabo desta espada têm grandes
penachos de penas de pássaros feitas em molho e dependuradas da empunhadura, a que eles chamam embagadura; e como o matador está prestes para
receber esta honra, que entre o gentio é a maior que pode ser, ajuntam-se seus parentes e amigos e vão-no buscar à sua casa; de onde o vêm
acompanhando com grandes cantares e tangeres dos seus búzios, gaitas e tambores, chamando-lhe bem-aventurado, pois chegou a ganhar tamanha honra,
como é vingar a morte de seus antepassados, e de seus irmãos e parentes; e com este estrondo entra no terreiro da execução, onde está o que há de
padecer, que o está esperando com grande coragem com uma espada de pau na mão, diante de quem chega o matador, e lhe diz que se defenda, porque vem
para o matar, a quem responde o preso com mil roncarias; mas o solto remete a ele com a sua espada de ambas as mãos, da qual se quer desviar o preso
para alguma banda, mas os que têm cuidado das cordas puxam por elas de feição que o fazem esperar a pancada; e acontece muitas vezes que o preso,
primeiro que morra, chega com a sua espada ao matador que o trata muito mal, sem embargo de lhe não deixarem as cordas chegar a ele; por mais que o
pobre trabalhe, não lhe aproveita, porque tudo é dilatar a vida mais dois credos, onde a rende nas mãos do seu inimigo, que lhe faz a cabeça em
pedaços com sua espada; e como se acaba esta execução, tiram-no das cordas e levam-no para onde se costuma repartir esta carne; e acabado o matador
de executar sua ira no cativo, toma logo entre si algum nome, o qual declara depois com as cerimônias que ficam ditas atrás; e vai-se do terreiro
recolher para o seu lanço, onde tira as armas e petrechos com que se enfeitou; e a mesma honra ficam recebendo aqueles que primeiro pegaram dos
cativos na guerra, do que tomam também novo nome, com as mesmas festas e cerimônias que já ficam ditas; o que se não faz com menos alvoroço que aos
próprios matadores. |