Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 13 — Da
herpetogratia e dos batráquios e vários outros
Capítulo
CXVI
Que trata das lagartas que se criam na Bahia.
Soca chamam os índios à lagarta, que é também como bichos-da-seda, quando querem morrer que estão gordos, a qual se cria de borboletas
grandes que vão de passagem. Às vezes se cria essa lagarta com muita água e morre como faz sol; outras vezes se cria com grande seca e morre como
chove.
Uma e outra destrói as novidades de mandioca, algodão, arroz; e faz mal à cana nova de açúcar, e às vezes é tanta esta lagarta, que vão as
estradas cheias delas, e deixam o caminho varrido da erva, e escaldado. E quando dão nas roças da mandioca chasqueiam de maneira que se ouve um tiro
de pedra, às quais comem os olhinhos novos, e depois as outras folhas; e muitas vezes é tanta que comem a casca dos ramos da mandioca; e se se não
muda o tempo, destroem as novidades de maneira que causa haver fome na terra, e o chão por onde esta praga passa, ainda que seja mato, fica
escaldado de maneira que não cria erva em dois anos.
Imbuá é outra casta de lagartas verdes pintadas de preto e a cabeça branca, e outras pintadas de vermelho e preto, e todas são tão grossas
como um dedo, e de meio palmo de comprido, com muitas pernas, e as quais crestam a terra e árvores por onde passam.
Há outras, mais pequenas que as de trás, que são pretas, de cor muito fina, todas cheias de pêlo tão macio como veludo, e tão peçonhento que faz
inchar a carne se lhe tocam, com cujo pêlo os índios fazem crescer a natura
[pênis]; e chamam a estas socaúna.
Nos limoeiros e em outras árvores naturais da terra se criam outras lagartas verdes, todas cobertas de esgalhos verdes, muito sutis e de estranho
feitio, tão delgados como cabelos da cabeça, o que é impossível poder-se contrafazer com pintura; estas têm os índios por mais peçonhentas que
todas, e fogem muito delas; e afirmam que fazem secar os ramos das árvores por onde passam com lhes morderem os olhos.
Em que outras árvores, que se chamam cajueiros, se criam umas lagartas ruivaças, tamanhas como as das couves em Portugal, todas cobertas de pêlo,
as quais sentem gente debaixo, sacodem este pêlo de si, e na carne onde chega, se levanta logo tamanha comichão, que é pior que a das urtigas, o que
dura todo um dia; e criam-se estas nos ramos velhos. |