Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 16 — Dos
crustáceos, moluscos, zoófitos, eqüinodermos etc. e dos peixes de água doce
Capítulo
CXXXVIII
Que trata da natureza dos lagostins e uçás.
Aos lagostins chama o gentio potiquiquiá; os quais são da maneira das lagostas, mas mais pequenos alguma coisa e em tudo o mais têm a mesma
feição e feitio; e criam-se nas concavidades dos arrecifes, onde se tomam em conjunção das águas vivas muitos; e em seu tempo, que é nas marés da
lua nova, estão melhores que na lua cheia, na qual estão cheios de corais muito grandes as fêmeas, e os machos muito gordos; e para se tomarem bem
estes lagostins, há de ser de noite, com fachos de fogo.
O marisco mais proveitoso à gente da Bahia são uns caranguejos a que os índios chamam uçás, os quais são grandes e têm muito que comer; e
são mui sadios para mantença dos escravos e gente do serviço; estes caranguejos se criam na vasa, entre os mangues, de cuja folha se mantêm e têm
corais uma só vez no ano; e como desovam pelam a casca, assim os machos como as fêmeas, e nasce-lhes outra casca por baixo; e enquanto a têm mole
estão por dentro cheios de leite, e fazem dor de barriga aos que os comem; e quando as fêmeas estão com corais, os machos estão mui gordos, tanto
que parece o seu casco estar cheio de manteiga; e quando assim estão são mui gostosos, os quais se querem antes assados que cozidos.
Têm estes caranguejos no casco um fel grande, e bucho junto à boca com que comem, o qual amarga muito, e é necessário tirá-lo a tento, porque não
faça amargar o mais. Estes uçás são infinitos, e faz espanto a quem atenta para isso, e é não haver quem visse nunca caranguejos desta casta
quando são pequenos, que todos aparecem e saem das covas de lama, onde fazem a sua morada, do tamanho que hão de ser; das quais covas os tiram os
índios mariscadores com o braço nu; e como tiram as fêmeas fora as tornam logo a largar para que não acabem, e façam criação.
Estes caranguejos têm as pernas grandes, e duas bocas muito maiores com que mordem muito, e nas quais têm tanto que comer como as das lagostas; e
o que se delas come e o mais do caranguejo, é muito gostoso. E não há morador nas fazendas da Bahia que não mande cada dia um índio mariscar destes
caranguejos; e de cada engenho vão quatro ou cinco destes mariscadores, com os quais dão de comer a toda a gente de serviço; e não há índios destes
que não tome cada dia trezentos e quatrocentos caranguejos, que trazem vivos num cesto serrado feito de verga delgada, a que os índios chamam
samburá; e recolhem em cada samburá destes um cento, pouco mais ou menos. |