Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa
SEGUNDA PARTE - MEMORIAL E DECLARAÇÃO DAS
GRANDEZAS DA BAHIA
TÍTULO 17 — Noticia
etnográfica do gentio tupinambá que povoava a Bahia
Capítulo
CLXXII
Que trata da festa e aparato que os tupinambás fazem para
matarem em terreiro seus contrários.
Como os tupinambás vêem que os contrários que têm cativos estão já bons para matar, ordenam de fazer grandes festas a cada um, para as quais há
grandes ajuntamentos de parentes e amigos, que para isso são chamados de trinta e quarenta léguas, para a vinda dos quais fazem grandes vinhos, que
bebem com grandes festas; mas fazem-na muito maiores para o dia do sacrifício do que há de padecer, com grandes cantares, e à véspera em todo dia
cantam e bailam, e ao dia se bebem muitos vinhos pela manhã, com motes que dizem sobre a cabeça do que há de padecer, que também bebe com eles.
E os que cantam suas cantigas vituperando o que há de padecer e exalçando o matador, dizendo suas proezas e louvores; e antes que bebam os vinhos
untam o cativo todo com mel de abelhas, e por cima desse mel o empenam todo com penas de cores, e pintam-no a lugares de jenipapo, e os pés com uma
tinta vermelha, e metem-lhe uma espada de pau nas mãos para que se defenda de quem o quer matar com ela, como puder; e como estes cativos vêem
chegada a hora em que hão de padecer, começam a pregar e dizer grandes louvores de sua pessoa, dizendo que já estão vingados de quem os há de matar,
contando grandes façanhas suas e mortes que deram aos parentes do matador, ao qual ameaçam e a toda a gente da aldeia, dizendo que seus parentes os
vingarão.
E começam a levar este preso a um terreiro fora da aldeia, que para esta execução está preparado, e metem-no entre dois moirões, que estão metidos
no chão, afastados um do outro por vinte palmos, pouco mais ou menos, os quais estão furados, e por cada furo metem as pontas das cordas com que o
contrário vem preso, onde fica preso como touro de cordas, onde lhe as velhas dizem que se farte de ver o sol, pois tem o fim tão chegado; ao que o
cativo responde com grande coragem, que pois ele tem vingança da sua morte tão certa, que aceita o morrer com muito esforço. E antes de lhe chegar a
execução, contemos como se prepara o matador. |