Cartão postal de Santos já foi reduto de chácaras
Chácaras, terra batida e muita mata virgem. Assim era a orla da praia de Santos no início
do século 20. Com o tempo, a ocupação foi se disseminando, inclusive com o surgimento dos bairros.
HISTÓRIA - Vista geral das praias do Gonzaga e do José Menino,
por volta de 1920 (N.E.: correto é
1932). Cabines para banhistas
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Domingo, 1 de Maio de 2005, 07:34
O cartão-postal de todos os santistas
Valéria Malzone
Da Reportagem
Primeiro havia somente chácaras,
cercadas por terra batida e muita mata virgem. Na praia, predominavam fileiras de cabines para banhistas, em uma larga faixa de areia, protegida
em uma das suas extremidades por uma fortificação. Pouco tempo depois, vieram os casarões, alguns hotéis tipo cassino de luxo, rodeados por
"estradas de trilhos" para bondes, que já não eram mais puxados por burros.
Assim era a orla da praia de Santos durante o período que vai do final do século 19
até o início do século 20. Naquela época, as pessoas concentravam suas residências perto do Centro, pelo menos até o
início da decadência do comércio do café, por volta dos anos 30.
O Paquetá, por exemplo, que hoje tenta
se revitalizar da decadência, era o bairro que concentrava a maioria das famílias abastadas, residentes em palacetes de estilos ecléticos.
"Entre os motivos que levaram as pessoas para a orla, ainda no final do século 19,
está a verdadeira infestação de epidemias que atacou Santos por cerca de 60 anos", explica a historiadora e coordenadora do Centro de Documentação
da Baixada Santista da Unisantos, Wilma Therezinha Fernandes de Andrade.
Doenças como varíola, peste bubônica, impaludismo, tuberculose e principalmente febre
amarela mataram muitas famílias na área central. Registros apontam inclusive que nessa ocasião, 50% das pessoas da Cidade morreram em decorrência
das epidemias.
Sossego - "Para fugir dessas pragas, da poluição e das sujeiras que se
alastravam por meio das cocheiras dos animais (todos os transportes eram de tração animal), moradores foram buscar sossego na orla, que também
começava a receber as linhas de bonde (inicialmente puxados a burros)", recorda a historiadora.
Com a chegada das linhas de transporte para a orla, a ocupação foi se disseminando,
inclusive com o surgimento dos bairros. O do Gonzaga, por exemplo, nasceu a partir de um comércio - do santista Antônio
Luís Gonzaga - montado junto ao percurso de uma das linhas de bonde que desembocava na praia na ocasião.
Luís Gonzaga montou primeiro um bar. Depois, com o crescimento do comércio, o lugar
virou uma espécie de pensão, com quartos para os banhistas. O estabelecimento, com o passar do tempo, mudou de dono e de perfil. "O lugar já
concentrou, entre outras coisas, uma sede do Clube XV e hoje abriga a Caixa Econômica Federal, na esquina com a Rua
Marcílio Dias", observa Wilma Therezinha.
Outro bairro que foi crescendo devido à expansão das linhas de bondes (que passaram a
ser elétricos a partir de 1909, mas por um bom tempo co-existiram com os de tração animal), foi o Boqueirão. "Ele era
atingido pelo Caminho da Barra, que vinha do Centro para a praia (hoje vindo da Brás Cubas até a Oswaldo Cruz)".
Depois foi aberta, já na década de 60, a Avenida Conselheiro
Nébias em linha reta. A uma certa altura, a Conselheiro atravessou o Caminho da Barra, que deu origem mais tarde ao bairro da
Encruzilhada. "A Conselheiro surgiu na mesma época da inauguração da ferrovia para Santos e os
ricos do Interior e da Capital começaram a descer a Serra, passando a viver principalmente na orla da praia", observa a historiadora.
Praia do Gonzaga, em 1939
Foto: acervo de Ronaldo César Teixeira, publicada na seção Imagem do passado do
jornal santista A Tribuna, em 19 de maio de 2006
Domingo, 1 de Maio de 2005, 07:37
Jardim começou a ser planejado na década de 20
O jardim da orla da praia merece atenção à parte. Atualmente tombado pelo patrimônio
histórico e inserido no Livro dos Recordes, desde 2002, o jardim surgiu por dois fatores preponderantes, segundo o professor de Arquitetura
da Universidade Católica da Santos (UniSantos) Fábio Eduardo Serrano.
"O primeiro passo foi dado por Saturnino de Brito, no
início dos anos 20, que projetou o jardim na orla da praia em seu plano de saneamento de águas e esgoto para a Cidade".
Serrano explica que Brito, na realidade, acabou traçando todas as primeiras estruturas urbanísticas de Santos.
"Ele projetou também os canais, as estações elevatórias e até a
Ponte Pênsil, em São Vicente. Por sinal, Saturnino de Brito delineou o traçado de vários
municípios do Brasil".
O outro fator fundamental para o surgimento do jardim foi uma
carta elaborada pelo poeta e político Vicente de Carvalho, em 1921, ao
então presidente da República, Epitácio Pessoa.
"Havia naquele período um grande interesse imobiliário especulativo. Esses
empreendimentos, que se formariam por meio de posse das terras, ficariam no mesmo lado onde hoje existem aquelas edificações no
José Menino, quase junto ao mar", observa Serrano. Ou seja, hoje Santos poderia ter dois paredões de prédios na orla: um
onde está e outro já no lado da praia.
Foi então que Vicente de Carvalho escreveu uma carta ao presidente Pessoa, pedindo que
o Governo Federal não cedesse aqueles terrenos pertencentes à União para a especulação imobiliária e sim para a Prefeitura. "Isso porque toda a área
da orla é um patrimônio da União (com terrenos de marinha)", lembra Serrano.
Posseiros - De acordo com o livro Histórias de Santos - Poliantéia Santista,
dos autores Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti, O Governo Federal - entre 1920 e 1923 - concedera a Santos os terrenos das
praias, que eram considerados de marinha, porque muitos particulares abastados estavam querendo se apossar daquelas áreas.
Mas, ainda segundo a publicação, isso aconteceu porque os vários prefeitos anteriores
a esse período não haviam tomado conta dessas áreas marítimas e Santos estava prestes a perdê-las para os posseiros.
Foi assim que, aos poucos, nasceram os primeiros trechos do jardim. A saída da
Prefeitura foi iniciar a construção de logradouros públicos nessas áreas cedidas pelo Governo Federal. O pioneiro foi o prefeito e engenheiro
Aristides Bastos Machado, já na década de 30. Ele montou o trecho entre o Gonzaga e o Boqueirão e outro pedaço em direção
ao José Menino.
Depois dele, o prefeito Gomide Ribeiro dos Santos realizou
outra grande parte, já em direção à Ponta da Praia. O trecho do José Menino veio com o prefeito Antônio Feliciano
(N.E.: Antônio Feliciano foi interventor por um mês em 1930, o correto é Lincoln Feliciano,
prefeito em 1945), que também procurou melhorar as outras partes já existentes, enfeitando-as com obras de arte,
calçadas e pisos em mosaico português.
Durante seu primeiro governo, o prefeito Sílvio Fernandes Lopes
completou o que faltava, já na década de 50. O jardim ganhou iluminação e técnicas modernas de plantio.
Com 5.335 metros de extensão, totalizando 218.800 mil metros quadrados de área, o
jardim da orla é considerado o de maior tamanho no mundo e concentra mais de 100 espécies de plantas e flores.
Rinque de patinação do Atlântico Clube, por volta de 1931, onde seria construído o
campo do Jabaquara, depois vendido, na orla da praia junto ao canal 6
Foto publicada em 26/3/1944 no jornal santista A Tribuna
(acervo do historiador Waldir Rueda)
Domingo, 1 de Maio de 2005, 07:36
Orla teve hipódromo e campo de futebol do Espanha FC
Você sabia que uma das sedes do Espanha FC (Jabaquara Atlético
Clube), nos anos 30, 40, ficava exatamente onde hoje existe a Rua Bassim Nagib Elias Trabulsi, entre o Canal 6 e a Avenida
Epitácio Pessoa?
De acordo com um esboço do acervo de Joaquim Castelar e um cartão postal do
colecionador Laire Giraud, havia um campo de futebol naquele espaço. A rua passou a existir bem entre os dois extremos dos
gols do campo.
A Cidade também teve um hipódromo bem perto da orla da praia,
entre os anos de 1910 e 1930. Ele ficava onde hoje existe o conjunto habitacional da Aparecida até o posto do INSS.
Mas, segundo registros históricos de A Tribuna, a sede social do Jockey Clube
de Santos ficava no palacete da esquina da Rua Marcílio Dias, com a Avenida Presidente Wilson. Ou seja, no mesmo lugar onde havia o boteco e depois
pensão do Antônio Luís Gonzaga; a sede do Clube XV e a moradia do empresário Jaime Paiva (pai do deputado Rubens Paiva, que foi morto pela repressão
militar). Hoje o ponto é ocupado pela Caixa Econômica Federal.
Forte Augusto - Outra curiosidade era a fortificação
Augusto, na Ponta da Praia, onde hoje há o Museu de Pesca. O forte existiu até o início do século 20. Logo depois, foi ocupado pela Escola de
Aprendizes Marinheiros e pelo atual museu. A fortificação recebeu vários nomes, como Forte da Trincheira, da Estacada e de Castro Este.
De acordo com a publicação História de Santos, de Francisco dos Santos, a
fortificação foi construída em 1734, por João de Castro de Oliveira. Já a Escola de Aprendizes Marinheiros surgiu em
1908, existindo até o final de 1931, quando foi extinta por determinação do Governo Provisório da República.
A partir de 1932, o lugar passou a abrigar a Escola de Pesca do Estado de São Paulo.
Naquele mesmo ano, recebeu a denominação de Instituto de Pesca Marítima, onde os filhos dos pescadores da região recebiam educação gratuita.
Mas o instituto encerrou suas atividades em meados dos anos 50. Todo o material
remanescente do Museu de História Natural, que funcionava em anexo ao instituto, foi aproveitado para a criação do Museu de
Pesca de Santos.
A estátua do leão, símbolo do Jabaquara, está na entrada do estádio no bairro da
Caneleira
Fotograma: captura de tela, TV Tribuna, 19 de junho de 2004,
12h15, programa Rota do Sol
Domingo, 1 de Maio de 2005, 07:35
Ocupação começou com os hotéis de luxo
O dinheiro dos abastados atraiu investidores e a orla da praia começou a ganhar hotéis
de luxo, que ostentavam, inclusive, cassinos. Entre os mais frequentados estavam o Internacional,
no José Menino - que ficava na altura de onde se encontra hoje o grupo de prédios na faixa de areia - e o Palace Hotel,
no mesmo bairro, que era um verdadeiro monumento.
O Internacional foi o primeiro hotel da orla da praia de Santos. Segundo a publicação
Memórias da Hotelaria Santista, das jornalistas Viviane Pereira e Helena Maria Gomes e do despachante aduaneiro e colecionador de postais
Laire José Giraud, o Internacional começou a funcionar em 1895 e contava duas fachadas: uma do lado da Praia do José Menino, em frente à Ilha de
Urubuqueçaba, e outra voltada para a linha de bonde, onde hoje existe a Avenida Presidente Wilson.
Já o Palace Hotel (onde hoje existe o Universo Palace) foi inaugurado em 1910. Entre
outros luxos, o Palace Hotel contava em seu interior com esculturas francesas e lustres de cristal. Funcionou como cassino até 1946, quando o jogo
passou a ser proibido no Brasil.
No Gonzaga, surgiram os hotéis Bandeirantes e, ao seu lado, o
Belvedere, que ficava próximo ao então Clube XV. Na sequência vieram o Hotel Avenida Palace, depois o
Atlântico Hotel e a primeira versão (de um total de quatro) do Parque Balneário.
Empreendimento - A primeira construção do Parque Balneário é de 1900 e
pertencia a Alberto Fomm e Elisa Poli, ainda segundo o livro Memórias da Hotelaria Santista. Em 1912, o empreendimento foi vendido e passou a
ser administrado pela família Fraccaroli, que a partir de 1914 tornou o Parque Balneário um grande atrativo, inclusive fora do País.
Em 1966, o Balneário chegou a ser vendido ao Santos FC. Depois
de algum tempo, esta terceira versão do hotel foi demolida para a ocupação atual do Hotel Turismo Parque Balneário, além do Shopping Parque
Balneário e de outros edifícios particulares.
Nessa época dos grandes hotéis de luxo da orla ainda existiam nas praias as cabines
para banhistas, que ficavam dispostas em fileiras, assim como ocorria em praias européias.
"As pessoas chegavam pela ferrovia, trajadas de ternos e chapéus e de vestidos
volumosos. Depois seguiam direto para a praia. Os turistas alugavam as roupas de banho e tudo mais o que precisavam, trocando as vestimentas nestas
cabines", explica Laire José Giraud.
Entrada da chácara de Júlio Conceição, pela Avenida Conselheiro Nébias
Foto de José Marques Pereira. Imagem cedida em 15/9/2006 a
Novo Milênio
pela bisneta de Júlio Conceição, Dóris de Tolosa Conceição Gonçalves
Domingo, 1 de Maio de 2005,
07:35
Primeiro estabelecimento de lazer foi criado em 1896
A orla da praia, naquele período, também contava com atrativos de lazer e de cultura.
Segundo o livro Memórias da Hotelaria Santista, em 1896, o major Jonacopolus criou o Miramar, que era uma espécie
de estabelecimento recreativo familiar.
Em 1923, o Miramar foi ampliado, ganhou até pista de patinação e o primeiro cinema da
Cidade. O atrativo funcionou onde hoje está a Avenida Conselheiro Nébias, bem próximo à praia.
Um outro centro de lazer importante da época, de acordo com a historiadora Wilma
Therezinha, foi o Parque Indígena. Ele ficava em uma imensa área na orla entre o que é hoje a Avenida Conselheiro
Nébias e a Rua Governador Pedro de Toledo.
"O parque foi montado pelo empresário e ecologista Júlio Conceição. No local, havia
inclusive a residência dele, que imitava o estilo neoclássico do Petit Trianon de Paris", recorda a historiadora. O lugar concentrava ainda aquário,
orquidário, flora com palmeiras importadas, alamedas e até um pombal.
"As suas orquídeas deram origem ao Orquidário de Santos e
seus peixes, ao Aquário Municipal", emenda Wilma Therezinha. Outra curiosidade do parque tem relação com seu portão
principal. "Ele contava com duas esculturas de leões sentados. Quando o parque fechou, um desses leões acabou na entrada do atual campo do
Jabaquara, na Zona Noroeste", garante a historiadora.
Prédios - Já o primeiro edifício residencial da orla foi o
Olimpia, construído em 1927, na Avenida Presidente Wilson (entre os canais 1 e 2). Com ele, ainda de acordo com Wilma
Therezinha e com o colecionador de postais Laire Giraud, também lidera a lista de pioneiros o Palacete São Paulo (onde está
o Chopp Santista, na esquina do Canal 3 com a praia).
Bem antes disso, nos primeiros anos de 1900, predominavam muitas chácaras de
hortaliças, administradas por portugueses e principalmente por japoneses na orla. Os nipônicos dominaram as áreas da Ponta da Praia. A informação é
do pesquisador de história Jaime Mesquita Caldas, que a transmitiu ao colecionador de postais Laire Giraud. |