Entrada da chácara de Júlio Conceição, pela Avenida Conselheiro Nébias
Foto de José Marques Pereira. Imagem cedida em 15/9/2006 a Novo Milênio
pela bisneta de Júlio Conceição, Dóris de Tolosa Conceição Gonçalves
Parque Indígena
Joaquim Ribeiro de Moraes
O Parque Indígena que conheci era um lugar digno de ser visto e apreciado por nacionais ou estrangeiros, tanto naturalistas como botânicos ou ainda por simples amigos de plantas. Grande no significado cultural e maior pelo espírito de seu idealizador e criador, reunia a flora na expressão de encanto e beleza.
Sua área equivalia à do atual Orquidário Municipal. Possuía cerca de 22.000 metros quadrados de jardins e pomares, justificando a atração que exercia na Cidade. Começava à beira-mar (Avenida Vicente de Carvalho) e terminava na rua principal da praia na época (Rua Embaixador Pedro de Toledo), já que a frente para o mar situava-se na porta dos fundos das residências antigas. Os limites laterais iam da avenida Conselheiro Nébias até ao prédio da Pensão Glória, hoje edifício do mesmo nome, comportando um cinema.
Esse terreno deu lugar a suntuosos edifícios de apartamentos, renovando a fisionomia da área, onde se evidencia o prédio Verde Mar, considerado o mais bonito da Cidade. No centro encontram-se atualmente as ruas Ângelo Guerra e Artur Assis, como arranha-céus de lado a lado, possibilitando seus apartamentos a hospedagem de grande número de forasteiros, como capricho do destino para o ponto que outrora tanto se prestara a recebê-los.
O Parque, igualmente conhecido por Chácara Júlio Conceição, por força do nome de seu proprietário, era composto de uma fina residência (com frente para a Rua Embaixador Pedro de Toledo), três grandes pomares, vários ripados de madeira, um pavilhão denominado Mira-Flores, jardins e amplo gramado, além do portão dos fundos com suas cabinas de banho e ossos de baleia, costelas e um maxilar inferior, utilizados como original banco.
A entrada pela Avenida Conselheiro Nébias, especialmente preparada, apresentava-se imponente e majestosa. Dois leões em tijolo e cimento guardavam um portão bonito, de ferro, sentados no pórtico, dando passagem à avenida de palmeiras imperiais, que impressionavam pelo porte e grandiosidade. Aliás, ali podiam ser vistas várias qualidades das grandes palmeiras do Brasil, numa demonstração da exuberância dos trópicos.
O Pavilhão Mira-Flores representava o centro da instituição, sendo destinado a mostruário de flores e plantas ornamentais, dispostas com arte e bom gosto para melhor observação do visitante, numa época em que ainda não se cuidava da planta com o mesmo interesse que hoje desperta como elemento decorativo da casa. Além disso, servia também para as recepções ou festas públicas, bem freqüentes, oferecidas pelo notável anfitrião. Em 1943, foi fundada a Associação dos Orquidófilos de Santos, nesse lugar, em homenagem póstuma a Júlio Conceição, pelo carinho que dedicava a essas plantas, seu pioneirismo na formação de coleções e estímulo que oferecia aos orquidófilos.
O interior do parque exibia árvores nacionais, como: cacaueiro, café, erva-mate, mamão, mamona, seringueira etc., bem como plantas estrangeiras, entre as quais a árvore-de-canela, fruta-pão e outras. O proprietário dessa terra não se limitava a esta ou àquela planta de fácil acesso, mas buscava aquilo que representasse melhor expressão como valor cultural. Um homem reconhecidamente dedicado a uma tarefa sem lucros monetários, mas construtor de um sólido edifício cultural - o Parque Indígena.
Tudo o que dissesse respeito à natureza o atraía de forma singular. Assim, interessou-se e trouxe para Santos o lebiste, peixinho ornamental, de menos de 2 cm, vivíparo, reproduzindo-se várias vezes ao ano, multicor, originário da América Central. Mantinha tanques de criação dessa espécie para, de comum acordo com os técnicos do Serviço de Malária, introduzi-los nos rios e canais de Santos e da Baixada, a fim de combater as larvas dos mosquitos. Hoje, em qualquer riacho de Santos e nos canais pode ser visto o lebiste, conhecido no exterior por peixe-arco-iris, pela policromia que ostenta o macho.
A instituição tinha inúmeras árvores frutíferas do País, desde o Bacapari até o Sapoti, agrupadas em três pomares, num legítimo mostruário de nossa riqueza nesse particular, merecendo cuidado e zelo especiais de seu proprietário, agradando plenamente a quem tivesse oportunidade de vê-las.
Os pomares eram marginados por árvores que se prestavam a suportes de orquídeas, com ruas ou passeios, dedicados aos vários visitantes, nacionais ou estrangeiros, que procuravam esse verdadeiro jardim botânico. Foi assim o primeiro estabelecimento de visitação pública de Santos, cidade líder de turismo e veraneio do País.
As orquídeas, essas inconfundíveis plantas, testemunhas eloqüentes da arte da natureza, na harmonia das cores e das formas, oferecendo interessantes flores, representavam um atrativo particular, com cerca de 90.000 pés. A posição que assumiam nas árvores, era uma reprodução fiel do aspecto natural das matas, permitindo a visão sui generis de floresta densamente povoada dessas plantas.
Assim, eram vistas espécies nacionais, como: Cattleyas, Lélias, Oncidium, Miltônias, Bifrenarias, Epidendros etc., numa estufa natural, oferecendo um colorido vivo e deslumbrante, onde o amarelo, roxo, lilás, rosa, marrom, branco, vermelho e coral, em suas várias tonalidades, encantavam a todos. Ao lado delas figuravam igualmente espécies exóticas, como: Dendobrium e Vanda, da Índia; Cattléyas, da América Central e Oncidium, do México. Enfim, um orquidário de destaque internacional.
Esse orquidário, que tanta fama alcançou, teve começo em 1909, com aquisições diversas e coletas próprias de excursões destinadas a ampliar o acervo existente. Desde o início, as plantas foram colocadas em árvores já formadas, dando a impressão exata da natureza em toda plenitude de sua força e beleza.
Contudo, se não fossem suficientes os motivos de constante atração, podiam ainda ser vistos mais de 2.000 pombos, de várias cores, que desciam de todos os lados para comer num grande gramado, em horas certas, às 10 e às 15 horas, chamados por um apito estridente. Era uma festa para os olhos, quando as aves - aos milhares - surgiam em descidas bruscas, para posteriormente levantarem vôo, em revoada de bandos. Muitas pessoas procuravam o Parque dando preferência à hora dos pombos se alimentarem.
Júlio Conceição tinha o hábito de promover festas em homenagem a visitantes ilustres da Cidade, bem como para assinalar a presença de certos grupos de pessoas na chácara. Nessa oportunidade, além de refrigerantes, servia-se o tradicional "cafezinho" e um cálice de pinga de boa qualidade, produto que guardava para essas ocasiões.
A instituição era ponto obrigatório de visita de todas as pessoas ilustres que passassem por Santos. O presidente Hoover, dos Estados Unidos; cardeal Cerejeira, de Portugal; vice-presidente Roca, da Argentina e outras personalidades da Itália, Portugal, Uruguai, França e Espanha percorreram essa notável chácara. Rui Barbosa, advogado e amigo de Júlio Conceição, foi freqüentador assíduo do Parque.
O falecimento do criador do Parque Indígena ocorreu em Santos a 10 de setembro de 1938. A chácara, adquirida outrora de Azurem Costa, depois de sua morte, foi loteada a partir de 1944. A coleção de orquídeas foi vendida à Prefeitura Municipal em 1944, para que esse acervo não se perdesse, e foi transferida para o atual Orquidário Municipal, da praça Washington, em 1945, cuidada com bastante zelo e carinho pelo sr. Inácio Manso, antigo colaborador eficiente do Parque.
Em 1943, quando dos estudos de instalação do Aquário Municipal,
indicamos o centro do Parque Indígena para sua localização, a fim de que se postasse no meio do orquidário e no centro das correntes turísticas.
A casa de Júlio Conceição, na área onde ele criou o Parque Indígena
Foto de José Marques Pereira. Imagem cedida em 15/9/2006 a Novo Milênio
pela bisneta de Júlio Conceição, Dóris de Tolosa Conceição Gonçalves
Detalhes do Parque Indígena, em reprodução de uma foto de fins da década de 1940, integrante do mini-álbum semi-artesanal de fotos "Panoramas de Santos (Brazil)". Á direita na imagem, vislumbra-se parte da avenida praiana
Foto: acervo do historiador
Waldir Rueda
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