Prospecto da Vila de Santos, sendo vista do lado do canal, em 1770 (Arquivo Militar do
Rio)
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A Vila de Santos
Suas condições topológicas, demográficas, econômicas e sociais
Progressos do Valongo
Os reparos da estrada do Cubatão para cima, a criação de
um serviço postal permanente que começava e terminava nesse ponto, do qual o núcleo do Valongo ficava mais próximo do que o restante da população da
vila, foram circunstâncias ponderosas que aumentaram a importância comercial do referido núcleo, o qual passou então a ser geralmente chamado e
conhecido pelo nome que dantes só pertencia ao seu porto, onde as embarcações mercantes fundeavam para traficar e refrescar; e a denominação antiga
de S. Jerônimo ficou exclusivamente reservada ao ribeirão que dos flancos do Monte Serrate fluía sonoro, correndo e cantando
sobre a planície em direção do canal.
Mas, além das grandes vantagens resultantes de sua localização naturalmente
privilegiada, outras foram aparecendo logicamente, tais como a gradativa aumentação das casas de comércio e residenciais, e o estabelecimento
progressivo de pousos e hospedarias para albergar os tropeiros e os traficantes do interior que vinham entabular negociações com o mercado de serra
abaixo.
Rivalidades entre Valongueiros e Quarteleiros. Causas desse
fenômeno
Por sua vez, e com o desdobrar dos tempos, o núcleo de Santa Catarina, onde brotou o
germe primeiro do incipiente progresso santista, cambiou de nome, passando a chamar-se popularmente - Quartéis,
denominação que lhe veio do estabelecimento de quartéis militares nas vizinhanças do outeiro histórico, por detrás da
Matriz.
Do seu nome tradicional, evocativo da piedosa fé dos nossos antepassados católicos,
nada mais restou - passadoura reminiscência que já não existe - do que a Rua de Santa Catarina que, partindo detrás daquela Igreja, ia ter à
Rua da Palha, hoje da Constituição, passando pela frente do referido outeiro, há longos anos quase totalmente
desaparecido, pois dele somente subsiste um árido e bipartido penhasco que a casaria circumposta encobre aos olhos do transeunte.
Da prolongada luta de competição comercial em que rijamente porfiavam os habitantes
dos dois esperançosos núcleos provieram fatalmente as rivalidades políticas que os separaram, há talvez perto de sessenta
anos, em dois redutos partidários irreconciliáveis.
Os elementos etnológicos de que se compunham respectivamente uma e outra
população muito contribuíram, sem dúvida, para que essa competição de caráter meramente comercial degenerasse mais tarde, com o tempo e o
recrescente acumular de ódios de parte a parte, numa luta política encarniçada e feroz, a que não faltavam os conflitos materiais nos dias ruidosos
de eleição ou nas alegres noites de festividade pública [119].
Entre os Quarteleiros, gente de condição geralmente humilde, que cultivava a
indústria da pesca e da extração da lenha nos mangues que circulavam a orla do canal e dos rios próximos, predominava o elemento de origem nacional,
os caboclos e os mulatos, já imbuídos de um forte sentimento de rancoroso nativismo, que o reconhecimento da inferioridade em que se achavam
relativamente aos Valongueiros agravava profundamente; entre estes, ao contrário, preponderava em sua quase totalidade o elemento
genuinamente português, reinol e ilhéu, ativo, enérgico e perseverante, mas refratário, no seu dúplice orgulho de conquistador e de argentário, à
intromissão dos filhos da terra nos negócios principais, e à sua escolha para postos de certa relevância.
Descrição física de Santos ao alvorecer do século dezoito
Em começos, porém, do século dezoito [120],
já os dois núcleos se encontravam ligados pela Rua Direita, formada no meio da planície, entre o
ribeirão do Carmo e o ribeirão de S. Jerônimo, na estreita faixa que se estende comprimida entre as águas do canal que margina a terra e as
verdes serranias que a contornam.
Do lado de baixo, em declívio para o tremedal do porto, via-se a vasta praia atoladiça
e escura, nauseoso atascadeiro que as marés, na regularidade das suas oscilações periódicas, ora cobriam com suas águas montantes, ora deixavam a
descoberto, com os pestilenciosos resíduos que as implacáveis necessidades da imundície humana ali acumulavam, decompondo-se, à crua luz das
soalheiras do estio, em miasmas putrescentes que infeccionavam a população, produzindo as moléstias próprias do tempo, do clima e da absoluta falta
de higiene tanto privada como social.
Os mangues, os aguaçais, os paúles, o vasto lagamar salitroso, com sua flora e sua
fauna característica, eram os focos morbígenos das maleitas e outras doenças locais endêmicas que se propagavam pelo acanhado vilarejo de
Braz Cubas. Mais para dentro, para o interior, destacavam-se os outeiros, com seu maciço tropical de matas enredadas de
cipós. No alto, os esbeltos coqueiros de viçosas palmas, às virações da barra se agitavam como ventarolas gigantescas, postas ali para mitigar
porventura a extrema fadiga dos que labutavam à hora da canícula, ou para conciliar o entrecortado sono dos habitantes exaustos, nas abafadas noites
janeirinhas.
Do seio das rochas tapizadas de folhagem, borbotavam as fontes de água abundante e
clara que, saltando e cachoando entre pedroiços e ervaçais, resvalavam até as amenas encostas do Itororó, das
Duas Pedras e de S. Bento, onde o povo se refrigerava e abastecia.
Pássaros canoros da mais bizarra plumagem sonorizavam bosques e campinas com seus
gorjeios melódicos e o ruflo jovial de suas asas. Na profunda quietação das noites claras, sob o alvo luar dos plenilúnios, ouvia-se ao longe,
indistinto e confuso, o rumor das ondas do alto mar quebrando-se nas praias ou estrondejando nos parcéis remotos.
A Vila de Santos em 1765, na concepção de Benedito Calixto
Imagem publicada com o texto
A população em 1765. Estudo de uma planta topográfica da época
A população, por essa época, provavelmente não ultrapassava de mil e quinhentas almas,
pois pouco mais do que isso apurou o recenseamento que, quase ao início da segunda metade do século, em 1765, se fez no território de toda a
Capitania, por ordem do respectivo governador, o capitão-general d. Luís António de Sousa Botelho Mourão, Morgado de Matheus (1866 almas).
Desse passado, inserimos aqui o prospecto da Vila, vista do lado do
canal, reprodução gráfica do original existente no Arquivo Militar do Rio. Inserimos, ainda, extraída dum interessante livro de investigações de
B. Calixto [121], e para objeto de comentário e
estudo, a planta topográfica da Vila, designando os principais edifícios públicos, civis e religiosos, e as ruas mais
importantes, desde os ribeiros de S. Bento e S. Jerônimo até a extremidade oriental da Povoação junto ao Outeiro de Santa Catarina.
Das Duas Pedras vinha uma longa e sinuosa estrada que terminava junto à Matriz, ao pé
do Colégio dos Jesuítas (onde ora funciona a Alfândega); e do Itororó descia também uma extensa
vereda tortuosa que ia acabar nos fundos do Convento do Carmo. A primeira é a atual Rua Senador
Feijó e a segunda é a do Itororó, cujo nome tem permanecido inalterável até hoje.
A planta da Vila é atribuída ao século dezoito, no livro de B. Calixto, e, segundo
pessoalmente nos disse há tempos esse operoso e infatigável escavador do passado paulista, a sua época deve ser fixada no último quartel daquele
século, provavelmente no ano de 1790.
Basta, porém, examiná-la com um pouco de atenção, tendo diante dos olhos outros
documentos do tempo, para verificar-se que ela é dos princípios do século dezenove, e posterior ao ano de 1806. A existência de ruas que só
apareceram de 1809 a 1810, e a localização da Alfândega no fundo do Colégio dos Jesuítas, acontecimento que se passou em 1806, na administração do
capitão-general Franca e Horta, parecem-nos provas bastantes de que a referida planta não representa a nossa terra natal no expirar do século
dezoito, mas sim no alvorecer do décimo nono século.
Uma outra singularidade, notável aliás, chama logo a atenção de quem a observa e
examina detidamente: é a situação da Capela de Santa Catarina no chão da planície, e a ausência completa de qualquer
indicação do local onde então se levantava o outeiro histórico.
A Vila de Santos, em planta atribuída por B. Calixto ao século dezoito
Imagem publicada com o texto
Ora, em 1686, o padre Alexandre de Gusmão, que no pico desse outeiro
edificara a nova Capela para abrigar a imagem da Santa, recolhida do mar pelos escravos do Colégio dos Jesuítas, quando pescavam - não se encontrava
mais em Santos, transferira-se para a Bahia, em cuja Vila de Nossa Senhora do Rosário da Cachoeira reitorizava o Seminário de Belém, que ali fundara
[122].
Assim, pois, a ereção da nova Capela no alto do outeiro é anterior a 1686, o que quer
dizer que a primitiva, erguida no sopé do referido outeiro, já não existia mais naquele ano.
Logo, desde que a planta no-la apresenta colocada em baixo, como no tempo de sua
primeira fundação, teríamos de concluir que a dita planta é mais velha ainda do que supõe B. Calixto - é de 1600 e pouco, é do século dezessete.
Das duas, uma, portanto: se ela é de 1790, ou de qualquer outro ano do século dezoito,
a Capelinha deveria figurar no alto do morro, onde a colocou Gusmão; se é do século anterior, a Capelinha deveria figurar, como de fato figura, na
planície rasa, tendo, porém, a seu lado, o que não acontece na planta, o outeiro em cuja fralda fora primitivamente erguida por Luís de Góes e sua
mulher Catarina. O que ela não pode ser é de 1790 e localizar a Capelinha como se fora em 1680; ou vice-versa.
A Capela de S. Francisco de Paula e o
Mosteiro de S. Bento lá estão na dita planta com os respectivos morros em que assentam. Por que razão o Outeiro de Santa
Catarina não está também representado nela com a Igrejinha posta sobre o seu pico? A nós o que nos parece é que ela não passa de uma reconstituição
modernamente feita por pessoa que, além de não ter conhecimentos técnicos da especialidade, não estava bem a par da topografia antiga de Santos; e
daí as incongruências que apresenta, lançando a maior confusão no espírito dos homens investigadores.
Nela se distinguem perfeitamente as ruas principais da Vila, que se vinha
desenvolvendo devagar e sem interrupção nas linhas capitais de sua marcha progressiva.
Alagadiços
Antes, porém, de acompanharmos o lento desdobrar de sua evolução em três períodos
diversos de sua existência: - no penúltimo quartel do século dezoito, no alvorar do século dezenove e no ano excepcional em que se proclamou a
Independência, devemos assinalar que ainda na segunda metade do século dezessete toda a extensão em que hoje assenta a Rua 24 de Maio, desde o canto
da Rua José Ricardo até a antiga travessa da Banca do Peixe, era um vasto alagadiço
intransitável que as marés enchentes inundavam, engrossadas, na estação das cheias, pelas águas dos córregos que desciam dos morros para a planície.
Para se ir de um ponto a outro, alguns particulares construíram primeiramente, em
sentido longitudinal, pontes de pedra sobre os terrenos alagados pelo mar. Depois, foram aterrando esses alagadiços, que obtiveram do rei por
sesmarias, em recompensa das importantes obras que neles tinham executado sem dispêndio algum para a Fazenda Real.
Em 1721 possuía Luís Monteiro da Rocha umas casas na Vila "correndo
direito para o porto das Canoas". Entre elas existia um intervalo de alagadiço por onde se não podia passar senão de
maré vazia, e onde principiava a construção de uma ponte de pedra e cal que ia daquele porto ao "ribeiro que vem de
cima a entrar no mar salgado" e que era o ribeiro de S. Jerônimo.
A 28 de junho do referido ano obteve Monteiro Carta de Sesmaria de
todos os chãos situados para a banda do mar, tirado o que fosse preciso para a ponte em construção, e tudo o mais que se achasse para cima e para
baixo da mesma ponte [123].
Também o sargento-mor António Francisco Lustosa, cujo nome encontramos em mais de uma
passagem deste volume, fizera à sua custa uma ponte que do porto das Canoas ia até a Alfândega, ponte essa que era então "a
rua de maior concurso da Vila, sendo até ali mar salgado". Ia ele fazendo aterrados desde a referida ponte até ao
citado porto, em cujos aterrados, que pretendia converter em rua, podiam edificar-se casas, "o que era em muito aumento
da República".
Alegando os serviços que de seu bolso prestara com a realização de tais
melhoramentos, requereu concessão, por sesmaria, dos aterrados que fizera até ao porto das Canoas, numa extensão de dezesseis braças, mas só obteve
a metade do que pedira, e ainda com a condição de fazer, entre as casas que construísse nos aterrados, e o mar, um cais para serventia de toda a
gente [124].
No penúltimo quartel do século dezoito, esses terrenos conquistados pela
atividade do homem à força da natureza achavam-se aterrados em sua maior parte, porquanto, segundo se vê do recenseamento de 1765, a Rua da Praia,
desde o canto da de José Ricardo, até à de Frei Gaspar, estava construída e habitada de ambos os lados
[125], sendo que do lado do mar muitas casas eram construídas sobre estacas em cima
das águas.
A Rua da Praia, ou antes a ponte e aterrados feitos por Lustosa, até ao primeiro
quartel do século dezoito, conservou sua preponderância como a "rua de maior concurso da Vila",
preponderância que só pelo meado do mesmo século se transferiu para a Rua Direita.
Prospecto da Vila de Santos, sendo vista do lado do canal, em 1770 (Arquivo Militar do Rio)
Cortes ampliados esquerdo e direito da imagem publicada com o texto
Ruas existentes em 1765, suas denominações e limites. Número de casas
Em 1765, segundo o censo respectivo, que é o mais antigo que se encontra no Arquivo do
Estado, contava Santos as seguintes ruas:
1ª) Rua Direita, que já era a principal, pela posição e fortuna de seus
moradores. Começava nos Quatro Cantos e terminava no Convento do Carmo, exclusive. Tinha 46 casas do lado esquerdo e 24
do lado direito. Total - 70.
2ª) Rua "que principia dos Quatro Cantos e vai até a Alfândega". A Alfândega
funcionava, ao que supomos, num barracão posteriormente conhecido pela denominação popular de Consulado e que era situado
à beira do mar, em frente ao sítio onde se está levantando o novo edifício da Bolsa de Café - barracão esse que se projeta
nitidamente sobre o mar no prospecto da Vila em 1770, desde que examinemos atentamente o referido prospecto, quer com o auxílio
de uma boa lente aumentativa, quer mesmo a simples olho nu.
Na planta reproduzida do livro de B. Calixto, está ele
erradamente localizado mais para o ocidente, à beira do córrego de S. Jerônimo; de modo que nas nossas tentativas de reconstituição topográfica da
Vila em 1765 e 1800, às quais serviu de base a dita planta, não se alterou esse pormenor, mas assinalamos com um P a verdadeira localização do
prédio.
O Consulado
151 - - Porto do Consulado . À esquerda, com o auxílio de uma lente,
percebe-se,
embora muito indistinto, o antigo casarão do Consulado.
Imagem do acervo da
Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, de Santos/SP,
como apresentada no
site Web do fotógrafo Gilberto Calixto Rios, bisneto do pintor
A velha casa de José António Vieira de Carvalho (onde foi depois o Banco Mauá e o
Banco Mercantil), na atual praça Senador Vergueiro, não se ligava, como hoje, com a casa vizinha da Rua da Praia (ora 24
de Maio). Tanto na planta de Calixto, como no prospecto do Arquivo Militar, vê-se o espaço existente então entre o canto da referida casa e a
primeira casa da Rua da Praia, detalhe que salientamos para deixar claro que aquele barracão lançado sobre o canal está posto em frente da Rua Frei
Gaspar, quase em face da casa onde morou Vieira de Carvalho, e não pode deixar de ser o edifício onde no tempo do Império funcionou a Mesa do
Consulado.
Se, pois, a Rua de Frei Gaspar começava nos Quatro Cantos e ia até a
Alfândega (e foi depois conhecida por este nome), claro está que aquela Repartição funcionava por ali mesmo e o edifício mais apropriado a ela era o
aludido barracão assente sobre uma ponte lançada por sobre o mar [126].
A rua em questão, que principiava nos Quatro Cantos e ia até a Alfândega, é o trecho
atual da Rua Frei Gaspar, a partir do canto da antiga Rua Direita, hoje 15 de Novembro, indo acabar na praia junto daquele barracão. Esse mesmo
trecho, mais para diante, passou a chamar-se travessa da Alfândega Velha, mais tarde, resumidamente, travessa da Alfândega, como ao depois se verá
mais detidamente. Moravam nela pessoas importantes, como o provedor da Fazenda Real, dr. José Honório de Valladez Alboym, o padre Manuel Jorge, e
alguns lavradores e negociantes fortes. Contava 6 casas do lado direito, a partir dos Quatro Cantos, e outras tantas do lado esquerdo.
3ª) Beco da Alfândega Velha - Era provavelmente a ruela que se chamou depois
travessa da Banca do Peixe e hoje é o trecho da Rua 11 de Junho que, da Rua Direita, vai até o cais.
A Alfândega, que funcionava sempre em maus prédios de aluguel, estivera instalada
talvez no casarão levantado na praia, em frente ao beco, segundo se vê da planta. O edifício em que nesse ano estava ela localizada, em frente à
atual Rua Frei Gaspar, era nomeado nalguns papéis da época Alfândega Nova, mas em geral chamavam-lhe simplesmente Alfândega. O prédio anteriormente
ocupado por essa repartição ficou sendo conhecido por Alfândega Velha, para melhor distinguirem-no do outro.
O Beco da Alfândega Velha contava 5 casas, de um só lado, habitadas por gente sem
recursos e sem posição - pretos e pardos forros, um dos quais vivia da mendicidade. Com o aparecimento da Travessa da Banca do Peixe nos
recenseamentos desaparece deles o beco, o qual, pela ordem adotada para a enumeração das ruas, nas listas censitárias, ficava entre os Quatro Cantos
e a Travessa do Parto - que é a localização exata da aludida travessa da Banca do Peixe.
Fundamo-nos em todos esses indícios para chegar à conclusão a que chegamos. Além
disso, o número de casas do Beco da Alfândega e da Travessa da Banca é o mesmo - 5. Os moradores eram diferentes, o que se não deve estranhar, pois
pertenciam às classes inferiores e não eram naturalmente donos dos pardieiros que habitavam.
4ª) Rua da Praia - "Principia d'Alfândega até a
Capela de Nossa Senhora da Graça". Compreendia, pois, todo o espaço que a partir do já não existente barracão da
Alfândega, prolongava-se pela atual Rua 24 de Maio (N.E.: depois rebatizada com o nome atual de Rua Tuiuti)
e, quebrando à esquerda, abrangia a atual Rua José Ricardo, parando na Rua de Santo Antonio, junto à Capela da Graça. Tinha
24 casas do lado esquerdo e 13 do lado direito, o que perfaz um total de 37.
5ª) Rua de S. Francisco, "até os Quatro Cantos".
- Principiava da ponte existente sobre o córrego de S. Bento, defronte do Convento de S. Francisco (ponte que se divisa
nitidamente na planta topográfica) e terminava nos Quatro Cantos, abrangendo no seu percurso a futura Rua Antonina. Chamou-se depois Rua de Santo
António, nome do orago daquele Convento. Contava 70 casas - 33 do lado esquerdo e 37 do lado direito.
6ª) Beco de Maria Francisca, "até sair ao Campo".
O Campo, assim chamado em oposição à parte do mar, era uma vasta porção de terreno quase toda coberta de mato; a sua parte habitada ia desde a Rua
do Itororó até a atual Praça dos Andradas, abrangendo o local onde está hoje o Largo do Rosário,
e desde a moderna Praça Mauá até a encosta do Monte Serrate, prolongando-se em direção ao Valongo.
Naquele tempo não havia as ruas do Rosário e
General Câmara, nem o quarteirão que se levanta hoje entre esta rua, aquela praça, a Rua Frei Gaspar e a Rua Cidade de
Toledo; e do extenso Campo de então só a Praça Mauá conservou até depois da Independência o antigo nome comum a toda a zona, acrescido de
denominações restritivas e indicativas de novos aspectos ou novos fatos: - Campo da Misericórdia, Campo da Coroação. O Beco de Maria
Francisca devia ser o trecho da atual Rua 11 de Junho, da parte de cima, isto é, entre a Rua Direita e a Praça Mauá. Tinha 6 casas e era edificado
de um lado só.
7ª) Beco do Gonçalo Borges, que começava na Rua Antonina (canto da de Santo
António), cortava o Campo e ia terminar na Travessa do Carmo, junto à ponte que havia sobre o ribeiro. Mais tarde ficou reduzido, como adiante se
verá, ao trecho que vai do Largo do Rosário à Rua de Santo António, da qual é hoje um belo prolongamento. Foi conhecido
muito depois e durante longos anos pelo nome de Beco do Alfaya, porque aí morou, no velho sobrado que faz canto com a antiga Rua Antonina, hoje 15
de Novembro, a distinta família de que era chefe o estimado súdito espanhol, João Manuel Alfaya Rodriguez. Tinha o Beco do Gonçalo Borges 37 casas
do lado direito, a contar da Rua de Santo António até a Travessa do Carmo; e 10 do lado esquerdo, que só era edificado até o Campo da Misericórdia.
Total - 47 casas.
8ª) Travessa do Parto - Era o trecho da atual Rua D. Pedro 2º, desde a esquina
da Rua Direita "até o canto do caminho que vai para o Tororó". Esse caminho é hoje prolongamento da mesma rua, na direção do Monte Serrate, entre a
Praça Mauá, canto da Rua General Câmara, e a Rua do Rosário. É tradição oral recebida dos velhos santistas que, na esquina da travessa, havia um
nicho com a imagem de Nossa Senhora do Parto, a cujos pés ardia sempre uma lâmpada de azeite, tributo de piedade e fé religiosa de algum coração
devotado àquela Santa. Daí o nome que lhe deram. Contava 14 casas.
9ª) Travessa do Carmo - Era o trecho compreendido entre os fundos do Convento
do Carmo e a atual Rua General Câmara. Tinha 10 casas edificadas de um lado só.
10ª) Rua "que principia do Pelourinho até Santa Catarina". O
pelourinho - o segundo que se erigiu em Santos, por ter caído o primitivo, levantado por Braz Cubas entre a praia e o
terreno onde depois se levantou a Casa do Trem - era então no Largo do Carmo, em frente ao Convento desse nome
[127].
A rua sem nome, que aí principiava e ia até Santa Catarina, era a mesma que depois se
chamou Meridional e que desapareceu em 1908 para dar lugar à atual Praça da República. Do lado direito, a partir do
Convento, contava 63 casas e do esquerdo 19 - total 82.
11ª) Rua Pequena, "que principia do Pelourinho até a Matriz". Era a que
futuramente se chamou Setentrional, em oposição à antecedente, que lhe corria paralela. Contava do lado do mar (esquerdo) 59 casas e do lado da
terra (direito) 5. Total 64. Pelo número de casas edificadas do lado direito - apenas 5 - vê-se que as da Rua Meridional deitavam seus quintais para
o terreno da Rua Pequena, quase todo em aberto desse lado.
12ª) Rua "que do Canto do Hospital, onde principia, vai até o
fim dos Quartéis". Era a rua que depois se chamou dos Quartéis e hoje se chama Xavier da Silveira. O hospital de que
aqui se trata era o Hospital Militar, situado nas proximidades ou talvez nalguma dependência dos Quartéis, "pior que o
de S. Paulo", que era um "verdadeiro açougue da Humanidade",
na enérgica expressão do governador Franca e Horta [128].
Contava esta rua 42 casas de um só lado, com frente para o canal.
13ª) Rua dos Cortumes "que principia do caminho
que vai para a Fonte de S. Jerônimo até o Valongo". Havia, desde o início da povoação, um caminho que de S. Jerônimo (Hyerónimo
na ortografia de então) passava por detrás de S. Bento na direção de S. Vicente, caminho que está bem representado na planta topográfica que nos
serve de base. Daí até ao Valongo, contornando o muro do Convento de Santo António, do lado da futura Rua das Sete Casas, depois da Penha, e mais
tarde Marquês do Herval, estendia-se a Rua dos Cortumes, posteriormente chamada de S. Bento. Número total de casas - 74.
Não conseguimos identificar documentalmente a situação exata dos
Cortumes. Não sofre dúvida, porém, que era para as bandas de S. Bento, pois de outra maneira não se concebe que a rua deste nome se chamasse
anteriormente dos Cortumes. No Mappa Geral dos Conventos e Hospícios de Religiosos, organizado em 21 de abril de 1798, pelo secretário do
Governo da Capitania, Luís António Neves de Carvalho, encontramos, a respeito dos bens que possuía em Santos a Ordem de Nossa Senhora do Carmo, a
seguinte indicação: "Possui uns chãos, desde o muro do Convento até a fonte do Itororó e dali fraldeando o Monte
Serrate até a fonte de São Jerônimo, e descendo deste lugar, seguindo o despejo das águas da mesma fonte até a ponte do caminho que vai para os
Cortumes[129]".
Praias e subúrbios
Nesse ano remoto de 1765 não havia em Santos mais que as 13 ruas, travessas, becos e
vielas que acabamos de mencionar, identificando-as com as lindas vias da cidade atual; e dos seus longínquos bairros apenas floresciam, com alguma
exuberância e movimentação relativa, o Distrito da Bertioga, com a sua Armação para a pesca de baleias, e o
Distrito do Cubatão-Geral, com as grandes fazendas que os Jesuítas possuíam,
uma, no Cubatão propriamente dito, à margem do rio, e outra mais para dentro, no Piassaguera.
Na Ilha de Santo Amaro, na
praia do Embaré, na praia do Góes, na de Tegereva, apenas um ou outro sítio existia, com seus canaviais e
suas moendas, com seus pântanos cobertos de arrozais, cujas loiras espigas faiscavam tocadas pelo sol; com suas plantações de café, que abundava na
marinha; com sua indústria da pesca que dava para o consumo da Vila e abastecia as povoações próximas dela.
Transformações operadas em 1776
Em 1776, onze anos passados, mui pequenas transformações houve dignas de registro. A
rua sem nome que, tendo princípio ao canto do Hospital, acabava no fim dos Quartéis, já se chamava então Rua dos Quartéis. A de Santa Catarina,
desagregada daquela que do Pelourinho (Largo do Carmo) ia até junto do Outeiro histórico, já tinha existência autônoma e a rua, da qual se separara,
passara a chamar-se da Matriz (futuramente Meridional).
A que principiava nos Quatro Cantos e ia até a Alfândega, que era, como já dissemos, o
trecho da atual Rua Frei Gaspar, compreendido entre a Rua Direita e o barracão do Consulado, foi incorporada à Rua da Praia, com a qual passou a
chamar-se Rua da Alfândega Velha, seguramente porque ainda existia no extremo dela, e em frente ao beco do mesmo nome, o edifício onde tinha
funcionado por muitos anos a repartição aduaneira. A Rua da Praia, ora da Alfândega Velha, abrangia o porto das Canoas e a futura Rua da Graça, em
cuja extremidade do lado do Norte ficava o dito porto.
Aparece em 1776 o beco de Maria Ribeira, pela primeira vez. Que novo beco
era esse? Não era novo, a não ser no título. Era a mesma Rua de Santo António, que se chamara de S. Francisco em 1765 e que agora, apesar de sua
importância e extensão, surge-nos de surpresa como um simples Beco de Maria Ribeira [130],
reminiscência, naturalmente, de alguma dama que ali residira e cujo nome por qualquer motivo que as crônicas não registraram, se perpetuou na
memória do povo, não obstante a evolução por que a Vila ia passando. Tal beco aparece na mesma ocasião em que a Rua de S. Francisco (ou Santo
António) desaparece da lista do recenseamento. Mas todos os moradores anteriormente domiciliados na dita rua são agora moradores do dito beco.
Quer-se prova mais concludente de que beco e rua são uma e a mesma entidade?
O trecho do Beco do Gonçalo Borges - na parte compreendida entre a esquina da atual
Rua de Santo António (junto ao largo do Rosário) e a travessa do Carmo, tomou o nome de Rua do Campo, e a parte restante, embora conservasse o nome
primitivo, ficou incorporada à Rua de Santo António, e assim se mantém até hoje, após dois séculos transcorridos. A Rua
dos Cortumes, por seu turno, decompôs-se em três: a de S. Bento, a das Sete Casas (depois da Penha e do Marquês de Herval) e a do Valongo.
População de 1765 a 1799
O estado e o movimento da população, desde 1765 até ao penúltimo ano do século
dezoito, constam deste quadrinho sumário:
Anos
|
Estado da população
|
Total
|
Movimento da população
|
Livres
|
Escravos
|
Nascimentos
|
Casamentos
|
Óbitos
|
1765
|
--
|
--
|
1.623
|
--
|
--
|
--
|
1766 [132]
|
--
|
--
|
2.614
|
--
|
--
|
--
|
1772
|
--
|
--
|
2.081
|
--
|
--
|
--
|
1775
|
1.929
|
1.339
|
3.268
|
121
|
--
|
126
|
1776
|
2.024
|
1.578
|
3.602
|
--
|
--
|
--
|
1777
|
1.926
|
1.601
|
3.527
|
147
|
--
|
186
|
1779
|
1.853
|
1.407
|
3.260
|
110
|
--
|
--
|
1781
|
1.929
|
1.339
|
3.268
|
121
|
--
|
126
|
1789
|
1.740
|
1.379
|
3.119
|
132
|
--
|
196
|
1790
|
1.701
|
1.444
|
3.145
|
147
|
--
|
148
|
1793
|
1.882
|
1.392
|
3.274
|
125
|
--
|
145
|
1794
|
1.971
|
1.609
|
3.580
|
143
|
--
|
145
|
1795
|
1.883
|
1.600
|
3.483
|
117
|
--
|
209
|
1796
|
1.859
|
1.450
|
3.309
|
140
|
--
|
137
|
1797
|
1.756
|
1.434
|
3.190
|
123
|
--
|
151
|
1798
|
1.907
|
1.463
|
3.370
|
170
|
30
|
164
|
1799
|
1.919
|
1.453
|
3.372
|
143
|
15
|
146
|
Nesse não pequeno período de 34 anos, conservou-se quase estacionária a população, não
sendo realmente apreciáveis as oscilações, os altos e baixos manifestados em certas épocas. E nem podia ser de outra maneira, visto como, afora o
ano de 1796, no qual se declarou um insignificante saldo em favor dos nascimentos, houve sempre déficits no crescimento vegetativo da população.
O porto do Consulado, em frente à atual Rua Frei Gaspar (fotografia de 1882).
No local do casarão que ali se vê (Casa do Branco) funcionava em 1922 o Telégrapho Submarino
Imagem publicada com o texto
NOTAS:
[119]/[120]
Dr. GUILHERME ÁLVARO, obr. cit. página 5.
[121] Capitania de
Itanhaên, V. 1 págs. 544-545.
[122] SEBASTIÃO DA ROCHA
PITTA - História da América Portuguesa, 2ª edição. Lisboa, Ano de 1880, Livro 7º, § 671, págs. 222 e 223.
[123] Sesmarias,
V. 2º (Arquivo do Estado), pág. 109.
[124] Idem, ibidem, pág.
211.
[125] No Arquivo do
Estado.
[126] É geralmente
ignorado dos santistas de hoje o motivo por que se deu o nome de Consulado ao barracão onde outrora esteve instalada a Alfândega.
Consulado é um termo de marinha, que designa o lugar onde os capitães de navios eram obrigados a fazer declarações perante os cônsules dos
países estrangeiros (FREI DOMINGOS VIEIRA, Diccionário Português, V. 2º, pág. 446 col. 3ª).
Pensam alguns que seria este o local destinado a essa função. Mas não há tal. O nome
proveio do fato de aí estar estabelecida a Mesa do Consulado, repartição anexa à Alfândega e sujeita à Inspetoria desta, e cujo fim era arrecadar os
seguintes direitos: ancoragem para fora ou para dentro do Império; direitos propriamente denominados de exportação em geral; venda de embarcações
nacionais e estrangeiras; consumo da aguardente; dízimos do Município, para fora ou para dentro.
O Regulamento de 30 de maio de 1836 (Leis do Império do Brasil, V. X, pág. 316)
declarou subsistentes as Mesas do Consulado da Corte, Bahia e Pernambuco (art. 1º); e nos outros portos onde houvesse Alfândega esta serviria de
Mesa do Consulado e Recebedoria de Rendas Internas (art. 5º). No barracão do Consulado de Santos funcionou mais tarde a Mesa de Rendas Provinciais.
[127] FREI GASPAR - Obra
citada, págs. 212 e 252.
[128] Doc. int.
V. XXXI, pág. 172.
[129] Doc. int.
Vol. 31, páginas 333 e 351.
[130] Os antigos levavam
ao feminino os sobrenomes de família, quando se tratava de mulheres. Buenas, Figueiredas, Ribeiras etc. são as esposas ou filhas dos
Buenos, Figueiredos, Ribeiros.
[131] Não encontramos no
Arquivo os originais do recenseamento deste ano. Os algarismos transcritos são da Chronologia Paulista (2ª parte do 2º V. pág. 617), de J. J.
RIBEIRO, que diz tê-los extraído de um ofício dirigido pelo capitão-general d. Luís António de Sousa ao Governo da Metrópole, a 10 de dezembro de
1766. |