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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (19)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XVIII

Depois da tempestade horrível de 1º de Maio, tivemos uma invasão agradável, uma dessas invasões que se recebe com os braços abertos, com risos e aplausos, deseja-se a sua permanência entre nós, por muito tempo.

Era uma invasão artística, trazendo-nos horas literárias e músicas finíssimas, obedecendo à direção do trio Vaz-Cilia-Lopez, isto é, Trajano Vaz, dr. Carlos Cilia e d. Izabel Lopez.

Trajano Vaz em seu inimitável repertório de canções e modinhas brasileiras acompanhadas ao violão que só ele sabe onde ir buscar a perfeição no acompanhamento. Dr. Carlos Cilia nas conferências histórico-literárias, e d. Izabel Lopez, na parte lírica. O trio Vaz-Cilia-Lopez estreou no Miramar com ruidoso sucesso.

Trajano, com o violão e as modinhas, arrebatou o auditório; Carlos Cilia, com sua eloqüência invejável, recebeu farta messe de aplausos, e d. Izabel Lopez, cantando trechos de óperas, foi alvo de vivas manifestações de agrado.

Entreti relações com o dr. Carlos Cilia por intermédio do meu companheiro de trabalho na redação do Diário de Santos - o Raul Pousão Ramos -, um lusitano de fina educação, dispensando a todos um trato cavalheiresco.


Raul Pousão Ramos

Foto e legenda publicadas com o texto

Sobre o dr. Carlos Cilia, O Momento, de S. Paulo, de 27 de julho de 1914, fez-lhe estas merecidas referências:

"O poeta Carlos Cilia

O dr. Carlos Cilia, nosso hóspede há algum tempo, é um dos mais belos talentos da moderna geração portuguesa. É um jovem de fino trato e prosa fácil, revelando uma grande cultura, sabendo aliar admiravelmente o profundo ao frívolo, para não cansar, o que assegura desde logo a sua vitória como causeur.

O poeta Carlos Cilia nasceu em Lisboa e é filho de uma das principais famílias dali,k sendo mesmo, e passamos adiante a título de curiosidade, afilhado do rei de Portugal, d. Carlos, e da rainha d. Amelia.

Convidado pela Cigarra, a brilhante revista de Gelasio Pimenta, o distinto poeta fará no dia 30 do corrente mês uma conferência literária sobre 'As elegantes no tempo de Luiz XV', conferência essa que desde já vai fazendo ruído nas nossas rodas literárias e principalmente na nossa sociedade elegante.

Essa festa realizar-se-á nos salões do Club Internacional, e é dedicada aos assinantes da Cigarra e aos sócios daquele clube".

E não foi mero jogo de palavras que o O Momento dispensou para o dr. Carlos Cilia: foi o que é pura verdade, pois disso tive próprio conhecimento quando com ele entretinha uns dois dedos de prosa.

Na qualidade de poeta, o dr. Carlos Cilia, assim como todos os poetas, amava, extasiava-se diante das obras da Natureza, gabando com especialidade, numa linguagem belíssima, arrebatadora, cheia de poesia, a aurora, esse espetáculo de luz que assoma, aos poucos, vagaroso, rubro, lá do fundo do oceano, elevando-se vagaroso, aos poucos, até o cimo das montanhas... Enfim, o dr. Cilia sabe melhor do que eu descrever e apreciar uma aurora...

Por diversas ocasiões fiquei, confesso, deslumbrado diante desse talento.

***

Fazendo parte da invasão artística, antes do trio Vaz-Cilia-Lopez, tivemos aqui o trio Phoca-Luiz-Abigail, também com um repertório de boa música e conferências humorísticas desenvolvidas por João Phoca; a parte musical entregue ao Luiz Moreira, o distinto compositor brasileiro e que introduziu e está caprichosamente introduzindo em nossos ouvidos a verdadeira música brasileira - canções e modinhas com o cunho puramente nacional - dessas modinhas e canções que, conquanto não tenham a grande força das grandes músicas, são de uma expressão admirável na verdade do patriotismo que elas fazem transparecer em seus acordes singelos e melodiosos ao extremo.

Abigail, inexcedível nas modinhas brasileiras, com a graça e arte de que é irrefutavelmente dotada, cativou sempre o auditório, que consagrava-lhe verdadeira admiração nas 3 passageiras horas em que ela nos deleitava com a sua voz educada e firme, levando-nos ao delírio do aplauso.

As platéias do Coliseu e Polytheama Rio Branco nunca negaram frenéticas salvas de palmas ao trio Phoca-Luiz-Abigail, porque disso eram mais do que merecedores.

Depois de uma temporada em nosso meio, esses trios retiraram-se, deixando-nos profundas saudades; mas, em compensação, o mundo literário santense recebe com enorme prazer a ilustre visita do Livro dos Amores, obra em verso do nosso admirado conterrâneo Alberto Souza.

O Livro dos Amores é-nos apresentado por Vicente de Carvalho, o que constitui uma recomendação ultra-abalizada. E Vicente de Carvalho, "à guisa de preâmbulo elucidativo", fala-nos de Alberto Souza, qualificando-o muito acertadamente como "prosador brilhante e fluente", aproveitando o ensejo para recomendar-nos duas riquíssimas quadras que estão inscritas no verso inicial da Dedicatória ao pranteado Angelo de Souza, irmão do inspirado autor do Livro dos Amores.

Sobre Alberto Souza, depois do que disse Vicente de Carvalho, é impossível dizer-se mais.

***

Outra visita, e esta diplomata. Anunciava-se a chegada do exmo. general Lauro Muller, ministro das Relações Exteriores, a Santos, no dia 1º de junho de 1915, a bordo do Gelria.

O notável brasileiro, que regressava de sua viagem ao Uruguai, Argentina e Chile, no desempenho de alta missão política, saltou de bordo daquele transatlântico às 7 horas da manhã, dando-se o desembarque em frente ao armazém 16 da Companhia Docas de Santos.

Foram prestadas ao ilustre hóspede significativas homenagens, comparecendo incorporados os membros da nossa Câmara Municipal, que foram ao encontro do Gelria na lancha Roberto de Vasconcellos, e eram eles os srs. dr. Manoel Galeão Carvalhal, vice-prefeito municipal interino, dr. Bias Bueno, delegado de polícia da 1ª circunscrição, dr. Nilo Costa, procurador judicial da Câmara Municipal; Antonio de Freitas Guimarães Sobrinho, presidente da Câmara, vereadores e outras pessoas de destaque em nosso meio social, e representantes da imprensa.

S. exa. recebeu, no salão de honra do vapor, cumprimentos dessas pessoas, além de outras que vieram da capital, como sejam o major Eduardo Lejeune, representante do dr. Rodrigues Alves, presidente do Estado; dr. Carlos Guimarães, vice-presidente do Estado, e general Carlos de Campos.

Também apresentaram cumprimentos ao ilustre diplomata o capitão-de-fragata Conrado Heck, comandante do contratorpedeiro Tamoyo; major Rego Monteiro, comandante do forte Duque de Caxias, em Itaipus; dr. Vasco Martins Morgado, vice-cônsul de Portugal; Luiz A. Ballesteros, cônsul da Argentina; dr. Cerqueira Cezar, administrador da Recebedoria de Rendas; dr. Vieira de Campos, delegado de polícia da 2ª circunscrição; representantes da imprensa e outras pessoas gradas.

Quando s. exa. se retirava de bordo, formaram no cais a companhia da Guarda Cívica aqui destacada, sob o comando do capitão Estanislau da Cunha, e um contingente de cavalaria, que prestaram as continências devidas. Nessa ocasião, a banda do Corpo de Bombeiros, que se achava no cais, executou o Hino Nacional.

Dali, o sr. general dr. Lauro Muller e sua comitiva tomaram lugar nos automóveis postos à sua disposição pela municipalidade, dirigindo-se à residência do seu distinto parente sr. dr. Raphael do Monte, à Avenida Ana Costa n. 294, onde lhe foi oferecido um lauto almoço, tendo s. exa. recebido, ali, grande número de visitas.

Cerca das 2 horas da tarde, o nosso ministro e sua comitiva embarcaram em carro reservado ligado ao trem do horário, com destino à capital, onde teve brilhante recepção.

Por ocasião do seu embarque para a capital, estacionou em frente à estação da Ingleza uma enorme onda popular, tendo, na partida do trem, a banda dos bombeiros executado o Hino Nacional, sendo erguidos muitos vivas.

A comitiva do sr. dr. Lauro Muller era composta dos srs. dr. Araujo Jorge, que serve como seu secretário particular; drs. José Braz, S. Clemente, Lauro Muller Filho, acompanhando-o também os drs. Riberto Macedo Soares, redator d'O Imparcial; Oscar Carvalho de Azevedo, diretor geral da Agência Americana, e dr. Egberto Penido, diretor da mesma empresa em São Paulo.

Os srs. dr. José Braz e Oscar Carvalho de Azevedo seguiram para o Rio de Janeiro a bordo do Gelria, e os restantes membros da comitiva acompanharam o chanceler na viagem a São Paulo.

- O diretório do Partido Republicano Paulista fez-se representar na recepção do dr. Lauro Muller pelo seu digno presidente comendador Manoel Alfaya Rodrigues, que acompanhou s. exa. até a Capital.

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Subia, pois, o nosso ilustre chanceler para a Capital, e desciam, também em missão patriótica, 250 reservistas italianos que, a chamado do governo do seu país, iam combater contra a Áustria e Alemanha.

Desfilou esse numeroso grupo de reservistas pela Rua Santo Antonio, empunhando bandeiras italianas e brasileiras, dando calorosos vivas ao Brasil, à Itália, aos aliados, à nossa Armada, ao nosso Exército e a S. M. Victor Manoel. Acompanhavam-nos duas bandas de música. Assim, pois, entre as cenas comoventes de despedidas a amigos e pessoas da família, rindo por amor à pátria, e derramando lágrimas pelas saudades aos que ficavam, os reservistas embarcaram no Principessa Mafalda, que zarpou do nosso porto às 4 horas da tarde.

Mais de 3.000 pessoas achavam-se no cais a fim de assistir a partida dos reservistas italianos. Uniram-se a estes, que vieram de S. Paulo, cerca de 50 reservistas de Santos.

Foram estes reservistas para a guerra e, enquanto (infelizmente) não chegam outros, vejamos uma guerrazinha movida entre as sociedades Colonial Portuguesa e União Portuguesa, por causa de um terreno que ambas pretendiam para as Festas Joaninas.

O terreno visado pelas duas sociedades é de domínio privado do Estado, e está situado à Rua Amador Bueno, junto ao Coliseu Santista.

As Festas Joaninas constam de danças características por um grupo de tricanas (costumes portugueses), barraquinhas com bebidas, música, fogos de artifício e outros quadros próprios àquele folguedo.

Pois bem: antes que as tricanas dançassem, e fogos se queimassem, andou tudo num "fogo vivo"... de ofícios, ao dr. secretário da Justiça, engenheiro da Comissão de Saneamento, delegado de polícia, dr. juiz de Direito, advogados, membros das duas sociedades em questão, opiniões da imprensa, telegramas que subiam, telegramas que desciam, delegado auxiliar da capital, oficiais de Justiça, tudo, tudo dançou sem querer.

Nunca vi uma dança joanina tão cheia de passos complicados como foi essa do ano de 1915.

Afinal, depois dessa memorável luta, nenhuma das duas sociedades obteve o terreno que lhes deu "água pelas barbas", porque ordens superiores mandaram que o terreno não fosse cedido nem a uma nem a outra. Mas, a Colonial Portuguesa arranjou um outro terreno na Rua Conselheiro Nébias, esquina da S. Francisco, e a União Portuguesa fez as festas no Miramar.

Aí, então, era um nunca acabar de festas joaninas, revestidas de luxo, cantos populares, e tudo quanto fazia parte do grande programa tricanesco.

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Deixemos as Festas Joaninas e, às 3 horas da tarde do dia 16 de junho de 1915, vamos dar entrada nos suntuosos salões da Sociedade Española de Socorros Mútuos, em sua sede, à Praça Correia de Melo n. 1, onde assistiremos a inauguração do artístico retrato a óleo do preclaro clínico dr. Manoel Maria Tourinho, comemorando assim o 2º aniversário do falecimento daquele que foi em vida um verdadeiro amigo desta terra.

O dr. Silverio Fontes, ao ser inaugurado o retrato do dr. Manoel Maria Tourinho, pôs em destaque a figura ilustre daquele clínico que passou pela Sociedad de Socorros Mutuos y Instrución, fazendo o bem, carinhosamente ministrando os recursos sábios da sua ciência médica àqueles que dela precisavam.

Depois falou o dr. Soter de Araujo, que em seu nome particular prestou justas homenagens pela sua palavra acatada e brilhante à memória ao sr. dr. Tourinho.

Agradeceu a prova de saudade que aquela sociedade espanhola dava à memória do saudoso clínico, o filho deste, sr. dr. Demetrio Tourinho, que, em palavras comoventes, mostrou o seu reconhecimento à sociedade de Socorros Mútuos, ao mesmo tempo que mostrou o serviço de seu ilustre pai à mesma, como amigo que fora da importante colônia espanhola.

Durante a sessão magna estiveram presentes inúmeros associados, convidados, representantes da imprensa, a exma. família do sr. dr. Tourinho e toda a digna diretoria.

Essa homenagem póstuma ao extinto cidadão, que aliou em si todos os dotes de um caráter impoluto, foi mais do que justa, pois o nome do dr. Manoel Maria Tourinho acha-se ligado à história do nosso município, para cujo progresso trabalhou incansavelmente.

Não será demais trasladar para este meu despretensioso trabalho algumas frases da vida política do dr. Manoel Maria Tourinho, pois todas elas honram altamente o seu inesquecível nome.

Foi vereador em 1882, intendente em 1891, vereador à primeira Câmara Municipal de Santos no regime republicano, em 1892, intendente de higiene, de polícia e prefeito, em 1895; em 1908, foi novamente eleito vereador, tendo sido inspetor literário.

Nesse período longo de tempo, o inolvidável cidadão, na política local, desempenhando esses cargos de eleições, procurou bem servir esta terra, onde fixou residência e para cujo engrandecimento colaborou, entre eles o nosso Corpo de Bombeiros, que se hoje se encontra desenvolvido, deve a iniciativas do dr. Tourinho, pois, ainda me lembro dos tempos em que os bombeiros pernoitavam em suas casas, e hoje possuem um confortável quartel.

A Câmara Municipal, reconhecendo os valiosos serviços do dr. Manoel Maria Tourinho, depois do seu falecimento resolveu dar a denominação a uma das ruas desta cidade, o nome do saudoso clínico e valoroso político.

A homenagem, pois, prestada pela simpática Sociedad Española de Socorros Mutuos, ao dr. Manoel Maria Tourinho, bem significa os grandes serviços que ele prestou a essa sociedade, ao mesmo tempo que é uma prova de que o dr. Manoel Maria Tourinho, além de político e homem público, foi um apóstolo do bem no desempenho de sua honrosa profissão de médico.

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Já que encetei neste capítulo uma série necrológica, relembro, com profunda mágoa, o falecimento de Manoel Bento de Andrade, em Conceição de Itanhaém, às primeiras horas do dia 23 de junho de 1915.

A dolorosa notícia foi um profundo golpe que Santos recebeu em seu coração, pois Manoel Bento de Andrade era muito estimado em nosso meio pelas suas belas qualidades de caráter e trato afável. Militou muito tempo na imprensa santense e ultimamente redatoriava a Cidade de Santos. Depois de uma temporada pelo interior do nosso Estado, Manoel Bento de Andrade voltou a Santos, ocasião essa em que foi redator do jornal acima citado.

Um verdadeiro coração de ouro, aliado a um gênio expansivo, despertava simpatias em todos que com ele travavam relações. Dedicava-se também a escrever para teatro e, meses antes de sua morte, no Coliseu Santista representou-se a sua revista O Turumbamba, que obteve ruidoso sucesso.

Morreu com 31 anos, deixando viúva e 3 filhos. Quando recebi a infausta notícia do falecimento de Andrade, acabava de fazer imprimir o 8º deste trabalho, no qual em um dos seus capítulos fiz a descrição da arrojada ascensão por ele realizada em Santos, no balão que pertenceu a Alaor de Queiroz. Há coincidências que matam unicamente a alma, deixando o coração a verter lágrimas.

Mas... logo que foi conhecido o infausto passamento do saudoso jornalista, aeronauta e revistógrafo, a Cidade de Santos cerrou as suas portas em sinal de profundo pesar.

O enterramento do inditoso Andrade realizou-se no cemitério municipal de Conceição de Itanhaém, para onde partiram amigos do extinto e representantes da imprensa, a fim de prestarem-lhe a última homenagem. Andrade foi vitimado por beribéri galopante.

Antes de Andrade, tivemos também o desgosto de saber que o jovem Alberto de Campos Moura, atacado do terrível crupe, morrera no Hospital do Isolamento!

E íamos assim, a tropel, perdendo esses preciosos elementos da sociedade santense que tantos e tão bons serviços haviam prestado e esperava-se que continuassem a prestar.

Porém, a fatalidade, essa negra inimiga de tudo o que é útil e cercado de admiração e desvelo, achou de arrebatar de nossos braços esses dois preciosos cidadãos.

Também levou-nos o venerando e respeitável santense Manoel Martins Patusca, um dos mais ardorosos irmãos da Santa Casa de Misericórdia.

Depois, como que chacoteando de nossos sentimentos, a senhora Fatalidade veio roubar-nos o extremoso cidadão Joaquim Fernandes Pacheco, e não contente, apanha em suas impiedosas garras o estimado Oswaldo Cochrane, um dos ramos da nobre família constituída pelo saudoso Ignacio Wallace da Gama Cochrane.

Eis uma breve descrição do que foi o cortejo fúnebre que levou ao Cemitério do Paquetá o inditoso tabelião Pacheco:

Às 12 horas do dia 13 de junho de 1915, o corpo foi transportado na carreta do Corpo de Bombeiros, para a Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo, onde foi celebrada missa de corpo presente por frei Affonso Wandenberg, assistindo a esse ato religioso inúmeros amigos do morto, irmãos daquela Venerável Ordem, irmãos do Coração de Jesus e do Senhor Bom Jesus dos Passos. Terminado o ato religioso, foi o corpo transportado daquela igreja para aquele cemitério na mesma carreta.

Há muito não se via nesta cidade um enterro com acompanhamento tão numeroso, calculando-se em duas mil pessoas. Eram representantes de todas as classes da nossa sociedade que tributavam homenagem póstuma à memória do benemérito cidadão santista, cuja vida cheia de serviços a esta terra, pelos seus belíssimos atos de indiscutível civismo e grande caridade, estão estampados na consciência da população santense.

Os magistrados da comarca, advogados, tabeliães e funcionários nos diversos cartórios, comerciantes, funcionários municipais, estaduais e federais, representantes da imprensa, de associações locais, irmãos da Venerável Ordem Terceira do Carmo, irmãos do Sagrado Coração de Jesus, irmãos da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos e pessoas do povo, formavam um enorme acompanhamento que bem significou o elevado conceito, a alta estima em que era tido nesta cidade o finado major Joaquim Fernandes Pacheco.

Um número ilimitado de coroas era transportado em diversos carros. Chegado o corpo ao cemitério do Paquetá, antes de ser entregue à campa, o sr. dr. José de Freitas Guimarães, ilustre advogado do nosso foro, proferiu uma comovente oração, relembrando a vida do major Joaquim Fernandes Pacheco.

O orador disse - "falava não somente em nome do foro que representava, mas de toda a população que bem conhecia a vida de honradez, de trabalho, de civismo do pranteado morto. Ele foi um coração bom em toda a extensão da palavra: chefe de família distintíssimo, legava aos seus os exemplos inapagáveis de uma vida honrada no lar e no foro de que fora durante longos anos, desde moço, um serventuário digníssimo".

O discurso do sr. dr. Freitas Guimarães foi ouvido entre as lágrimas de inúmeros amigos ao venerando e estimado cidadão. O corpo foi inumado no jazigo da Venerável Ordem Terceira do Carmo.

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Eis, pois, muito contra a minha vontade, pela veneração que rendia a esses extintos, um trecho de capítulo escrito quase que vacilando, tal a impressão dolorosa que ainda me causa o ter de relatar o que - melhor fora - nunca houvesse acontecido!


Dr. Carlos Cilia

Foto e legenda publicadas com o texto