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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (18)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XVII

Entrava o dia 1º de Maio, o Mês de Maria que a Igreja celebra com cerimônias suntuosas glorificando a Virgem Imaculada Mãe dos Homens. É também o mês das flores e o mês em que o sol é mais radiante de luz e as noites são mais enluaradas. É enfim o mês festivo onde, em todos os recantos do universo, nos grandes e pequenos templos, o incenso queimado desprende-se dos turíbulos em fumaradas oloríficas, perfumando as naves. É o mês em que os vates amam com mais coração e menos carne...

Porém, este 1º de maio (1915) veio cruel, cruelíssimo: não deu tempo a que a festa do Trabalho, comemorada pelas classes operárias, se revestisse de galas e fizesse a sua passeata pelas ruas da cidade, propalando com hinos e cânticos a Paz, o Amor, a Igualdade entre os homens.

A Natureza enfureceu-se e mandou que viesse à terra um ciclone destruidor, com o seu tenebroso séqüito de chuva de pedras, trovões e raios! Desencadeou-se pois, em Santos, uma horrível tempestade, causando desastres no mar, arrancando postes telefônicos, reduzindo a cacos grande quantidade de vidraças dos prédios mais elevados, despregando tabuletas de estabelecimentos comerciais, paralisando a tração elétrica e levando em sua impetuosa voragem um crescido número de malfeitorias. Eram 15 horas.


Danos à rede telefônica em Santos causados por uma tempestade, em 1915, na Rua Bittencourt, próximo à Av. Senador Feijó. Ao fundo, vê-se o Monte Serrat e o Castelinho dos Bombeiros
Foto: site da Fundação Telefônica

O que ficou na passagem do ciclone, vão os leitores conhecer, por meio das seguintes transcrições que trago para estas páginas, e são elas do Diário de Santos, dos dias 2 e 3 de maio de 1915:

"A cidade apresentava o aspecto movimentado dos sábados. Na Rua 15 de Novembro, ponto principal, notava-se o burburinho do costume. Repentinamente, sem ninguém esperar, um violentíssimo tufão caiu sobre a cidade. Dir-se-ia que Santos ia ficar reduzido a nada...

Fortes rajadas de impetuoso vento varriam as ruas da cidade, causando estragos e fazendo os seus transeuntes abandoná-las, na iminência de um perigo. Aqui e ali eram portas que se fechavam. Lá e além eram pessoas que, transidas de pavor, abandonavam o lar, indo procurar refúgio na casa de um vizinho amigo. Em todos notava-se o temor ao fenômeno que - brutalíssimo - se desencadeava, prometendo tudo reduzir a pó.

Na Rua Frei Gaspar, onde o Diário está instalado, os prejuízos causados pelo terrível tufão foram importantes, como verão abaixo os leitores nas notas circunstanciadas que damos.

No centro da cidade, inúmeros foram os prédios que ficaram destelhados, além de outros danos de menor prejuízo, como sejam vidraças partidas etc.

- O armazém dos srs. Souza Queiroz & Comp. destelhou por completo.

- A Western Telegraph Company também sofreu danos no telhado.

- O dr. Tourinho, agente do correio, escapou, pode-se dizer, milagrosamente, do desastre, pois junto a si caiu um grande bloco de pedra.

No Correio Geral - após os tristes acontecimentos ali ocorridos por motivo da tempestade, as primeiras providências foram dadas, tendo assumido a chefia da turma de que era encarregado o amanuense Amancio Maia, uma das pobres vítimas, o sr. Climerio de Abreu, por determinação do sr. agente.

- Foi estabelecido provisoriamente o serviço de expedição e conferência no prédio onde funciona o Tiro Brasileiro, gentilmente cedido para esse fim.

- Constou-nos à última hora ter falecido na Santa Casa o praticante interino José Christino de Barros, também vítima do desastre.

- Na Rua Frei Gaspar, alguns toldos e tabuletas de diversas casas comerciais foram arrebatados pela impetuosidade da ventania.

- Na Rua Xavier da Silveira, ao desabar um prédio, a menor Brandina Maria das Dores, de 3 anos, foi atingida por estilhaços de tijolos, sendo imediatamente socorrida pela Assistência e medicada, com guia fornecida pela polícia, na Santa Casa da Misericórdia.

- Na Rua do Rosário, próximo à Rua D. Pedro II, desabou um poste da Companhia Telefônica; na Rua Itororó, esquina da do Rosário, outro poste telefônico desabou também; na mesma rua, junto às casas de ns. 73, 63 e 109, desabaram outros postes, ficando esses prédios com as cimalhas bastante danificadas.

A Rua Bittencourt, esquina entre Itororó e Senador Feijó, achava-se intransitável pelo desabamento de 2 postes telefônicos.

- O frontispício dum velho prédio da Rua do Rosário desabou por completo. Na mesma rua, n. 164, o telhado dum açougue ficou descoberto.

- Em frente à Beneficência, tombaram dois coqueiros.

- No Itororó, diversas árvores foram arrancadas do solo.

- Na Avenida Conselheiro Nébias, esquina da Rua São Francisco, grande parte de um muro veio por terra.

- Na Rua São Francisco, 77, desabou a cozinha, não ocasionando vítimas, felizmente.

- Na Rua Amador Bueno, as casas ns. 60 e 62 ficaram sem os telhados.

- No cemitério do Saboó, parte de uma parede lateral desabou e muitas sepulturas ficaram rasas.

- O prédio onde reside o major Pacheco ficou com o telhado bastante danificado, assim sucedeu no Coliseu Santista e no prédio onde funciona a Farmácia União.

- Um prédio da Praça José Bonifácio sofreu grandes avarias no telhado, indo a calha prender-se os fios condutores da tração elétrica.

- Na fábrica de gelo do sr. Pedro Koller, à Rua Senador Feijó, em frente à Rua Marechal Pego Junior, desabou o reservatório de água, causando grandes prejuízos no prédio onde está instalada a fábrica.

- Também na Rua Bittencourt, no trecho compreendido entre o Itororó e Rua Senador Feijó, desabaram vários postes da Companhia Telefônica, ficando o trânsito impedido por espaço de algumas horas.

O violento tufão, passando pela Praça dos Andradas, causou grandes estragos. Diversas árvores foram arrancadas e, na queda, levaram os fios elétricos, rebentando-os.

- Os armazéns da São Paulo Railway e diversas seções onde funcionam os escritórios ficaram totalmente destelhados. O café que estava depositado nos armazéns ficou completamente encharcado. O tráfego ficou paralisado por algumas horas.

- No bairro do Saboó, foram muitos os estragos causados pelo tufão. Desabaram muros, partiram-se os vidros das janelas e mesmo pequenas casas de madeira foram arrancadas e destelhadas.

- Também o bairro do Macuco muito sofreu com o temporal de ontem, ficando a sua população aterrorizada com a fúria do vento que parecia tudo querer destruir.

- O Circo Europeu também foi vítima do violento ciclone. Na ocasião, o pavilhão estava armado e, não dando tempo a ser arriado o pano, o vento o deixou em tiras, não podendo tornar a ser aproveitado. Por esse motivo não houve espetáculo ontem.

Na Bocaina - A lancha Affonso Assis, a n. 6, que vinha da Bocaina para este porto, era conduzida por José Lapa e Benedicto Ubatubano, este empregado na Docas e aquele motorneiro da aludida lancha. Ao chegar ao largo, a impetuosidade do furacão fez virar a lancha, submergindo-a por completo. Com grandes esforços, José Lapa conseguiu alcançar terra, porém o companheiro, Benedicto Ubatubano, pereceu afogado.

- Outra lancha - a Espiga - também recebeu muita água, mas os tripulantes, felizmente, nada sofreram.

- A lancha do sr. João Sobradinho, embarcação de sólida construção e grande velocidade, nada sofreu com a ação do medonho temporal.

- A Rodrigues Alves, lancha de grande calado e que fez a viagem das 6 horas da manhã para São Sebastião, levando a seu bordo algumas famílias desta cidade, até a hora em que descrevemos os efeitos do temporal de ontem, não tivemos notícias dela.

- Ainda sobre a Bocaina, tivemos notícias de que muitas casas foram destelhadas e alguns arbustos completamente desraigados. As barcas de vigia desgarraram de suas amarras, indo parar junto à Bocaina.

- Resta-nos agora pedir ao governo federal para voltar suas vistas aos lares dos infelizes funcionários do correio, que foram vítimas [do de]sastre no momento em que trabalhavam.

- Às 18 horas, mais ou menos, a energia elétrica estava restabelecida, funcionando a luz e força com toda a regularidade, o que não deixa dúvida que a City trabalhou incansavelmente.

Antes, porém, do restabelecimento da força elétrica, os habitantes na vizinha cidade de S. Vicente foram conduzidos em automóveis que a Companhia União de Transportes forneceu com presteza, mediante 2$000 por pessoa.

Tornou-se interessante essa corrida de automóveis de carga conduzindo grande quantidade de comerciantes, guarda-livros, empregados de alta categoria comercial, abrigados sob os guarda-chuvas, em comum, tal a promiscuidade na Arca de Noé, escapando ao dilúvio universal.

Enterramentos do amanuense postal Amancio Maia e do carteiro Trajano Franco

Dolorosa, ainda perdura no espírito público a impressão causada pelo violento tufão que na tarde de anteontem desencadeou sobre a nossa cidade, fazendo vítimas de morte, outras de ferimentos gravíssimos e causando enormes prejuízos materiais.

Principalmente o desastre ocorrido na Agência do Correio à Rua Visconde do Rio Branco, no qual duas mortes se registraram - de um dedicado amanuense e de um carteiro encarregado do transporte de malas para a Vila da Conceição de Itanhaém, além de dois outros estimados funcionários que ficaram gravemente feridos, foi o que mais penalizou a população, pela forma horrível com que se deu.

E ainda felizmente neste desastre não foi maior o número de vítimas, porque não o quis a fatalidade. A parte que desabou ficava nos fundos do prédio, onde eram instaladas as seções de expedição e distribuição, e no momento do desastre já não se achavam muitos funcionários que ali trabalhavam, visto terem os serviços naquelas seções terminado às 14 horas.

Um dos funcionários, o sr. Benedicto Romeu Bruno, que trabalhava perto do local, ainda saiu ferido levemente no rosto e em uma perna. Outro, o sr. Nicolau Moreira, felizmente achava-se em S. Paulo, para onde seguira pela manhã. Se tal não tivesse feito, certamente seria uma das vítimas, pois trabalhava na seção que desabou.

- Teve lugar ontem o enterramento do desditoso amanuense da nossa agência do Correio, Amancio José Pereira Maia, que há cerca de 30 anos vinha prestando os seus serviços à repartição postal desta cidade. Os funerais, de primeira classe, foram feitos às expensas do governo federal.

Sobre o caixão, envolto pela bandeira nacional, vimos duas grandes e belas coroas de biscuit com expressivas legendas da Administração dos Correios de S. Paulo e dos funcionários da Agência Especial de Santos.

O sr. dr. Prado Azambuja, administrador dos Correios de S. Paulo, chegou às 12,26, a fim de assistir ao enterro do desditoso serventuário do Estado. O corpo do amanuense Amancio Maia, depois de encomendado pelo cônego Juvenal Kolli, na residência, foi transportado para a carreta do Corpo Municipal de Bombeiros, que foi puxada por membros daquela corporação e por colegas do ex-funcionário postal.

Um coche fúnebre de 1ª classe conduzia, além de outras, as seguintes coroas: "Ao compadre Amancio, recordações de José Ribeiro dos Santos e família"; "Homenagem da Irmandade do Rosário ao seu tesoureiro"; "Ao bom amigo e compadre, saudades de Lamouche, esposa e afilhada"; "Ao Amancio, saudades de Anthero e família"; "Homenagem de Manoel da Cunha e Silva"; "Ao bom compadre Amancio Maia, Alexandre Dias Mendes e família"; "Saudades eternas de seus enteados Julieta, Juca, Laeercio e Laudelina"; "Ao bom amigo Maia, saudades de Passareli e família"; "Ao cunhado Amancio Maia"; "Saudades de Antonio Ferreira Alves e família"; "Homenagem de Antonio R. Amaro"; "Gratidão eterna de Agostinha, Julia, Manequinho e Mimi"; "Ao carinhoso Amancio, saudades de sua esposa e filhos"; "Ao bom amigo Amancio, saudades eternas de Joaquim Augusto de Faria e esposa".

- O sr. Geraldo Santiago Alvarez, administrador da Santa Casa de Misericórdia, enviou uma cesta de flores.

- O acompanhamento foi numerosíssimo, representado por funcionários federais, estaduais e municipais, associações e irmandades.

Amancio Maia era um funcionário probo. Servidor do Estado desde o tempo do Império, deixa viúva e filhos pobres, mas portadores de um nome honrado. Carteiro, foi nomeado segundo ajudante do correio e, suprimido esse lugar, obteve o de praticante de 1ª classe, desempenhando esse cargo com dedicação, e com a última reforma dos Correios foi promovido a amanuense, tendo ocupado interinamente os lugares de tesoureiro e ajudante, constando de sua fé de ofício portarias de elogios do administrador geral dos Correios deste Estado.

A sua morte foi sentidíssima aqui e em S. Paulo, tendo vindo do Correio da capital uma comissão de funcionários. Além das inúmeras amizades acatadas pelo seu caráter de escol, deixa ainda uma esposa amada, a exma. sra. d. Maria Eugenia da Silva Maia, e os filhos menores Dalila, Amancio, Djalma, Aracy e Dinath. Era irmão do sr. Joaquim José Maia, auxiliar da Recebedoria de Rendas desta cidade; tio do sr. Alfredo Maia, auxiliar da mesma Recebedoria, Benedicto, Elvira e Chiquinha Alves, Noé, Waldemar e Antonio Maia, de Maria Maia e Naná Silva, alunas do Liceu Feminino Santista. Cunhado de d. Almerinda da Silva Moraes, Julia Julieta da Silva, Elisa Rodrigues da Silva, Maria das Dores Maia, Manoel Macario da SIlva, Antonio Ferreira Alves, Anthero Rodrigues da Sila e Hermogenes da Silva Moraes.

- Ao corpo foi dado à sepultura do Cemitério do Paquetá, jazigo de Nossa Senhora do Rosário Aparecida, de cuja Irmandade era o finado irmão.

- No cemitério da vizinha cidade de S. Vicente verificou-se também, ontem, o enterramento do sr. Trajano Franco, vitimado igualmente no desmoronamento do prédio do correio. Sobre o féretro foi deposta bela coroa enviada pelos funcionários da agência do correio desta cidade.

- Trajano Franco era empregado do sr. Anthero de Moura, delegado de polícia de S. Vicente, contratante do serviço de condução de malas postais desta cidade a Conceição de Itanhaém. Era natural do Rio Claro, neste Estado, onde tem família, e primo do sr. Ramiro Miranda Calheiros, diretor do O Progresso, de São Vicente.

- Os dois funcionários do Correio, Christiano Barros e Alfredo Heller, que ficaram gravemente feridos, continuam em tratamento no hospital da Santa Casa, tendo obtido melhoras.

- Uma mulher de nome Josepha Real, que pereceu afogada em frente à ilha Barnabé, quando em uma canoa se dirigia para o sítio das Neves, em companhia do espanhol Nicolau Wilches Troyano, deixou quatro filhos menores, João, de 7 anos, Felix, de 5, Maria, de 3 e Josepha, de 1. O cadáver da inditosa mulher até ontem não havia aparecido, apesar dos esforços feitos por pessoas de sua família, nesse sentido.

- Aguardam-se ainda notícias sobre outros desastres que provavelmente se deram no mar".


Os escombros da parede desmoronada na Agência Geral do Correio

Foto e legenda publicadas com o texto