HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia espanhola (1)
Beth Capelache de Carvalho (texto), Rafael Dias Herrera (fotos)
Os espanhóis que fizeram a América
Quem entra na Av. Rodrigues Alves, saindo da Washington Luís, não
pode deixar de reparar num prédio baixo, à esquerda, todo enfeitado de verde-amarelo, como manda o espírito da Copa do Mundo. Só que, ao lado das
enormes bandeiras brasileiras, estão outras tantas, do mesmo tamanho, nas quais o amarelo junta-se ao vermelho, formando as cores da
Espanha. Uma casa de imigrantes espanhóis, conclui-se, ou pelo menos filhos ou netos de imigrantes.
É assim que acontece em Santos. Os imigrantes estão por aí, torcendo pelo Brasil e pela
Espanha, misturados com os santistas, apesar dos sobrenomes Gonzalez, Dominguez, Fernandez, Lopez,
Vasquez, Estevez, Sanchez, Martinez e outros, terminados ou não em z, como faz questão de grafar o espanhol zeloso. Há vestígios da presença
espanhola em todos os setores da Cidade, e a colônia é tão grande e antiga que muito de sua história já se perdeu no tempo.
Não existem registros estatísticos sobre a chegada de espanhóis em Santos. O que se sabe é
contado por um ou outro imigrante mais idoso, ou por filhos que se lembram com carinho das histórias que ouviram de seus pais. Quando se procura
informações sobre o assunto, esbarra-se na dificuldade da falta de informações precisas. Talvez porque os primeiros imigrantes estivessem
mergulhados demais no trabalho e na realização de seu sonho, para perceberem que estavam fazendo a História.
Sabe-se, com certeza, que Santos desenvolveu-se a partir de um núcleo inicial de origem
ibérica, com grande percentagem de espanhóis, embora os portugueses formassem a grande maioria. E um dos primeiros espanhóis a pisar as terras da
Baixada foi o padre José de Anchieta, que nasceu na Ilha de Tenerife, filho de um nobre da família Guipuzcoa,
emigrada da Espanha no reinado de Carlos V.
As imigrações tornaram-se sistemáticas, entretanto, a partir do século passado
[N.E.: século XIX], até o começo deste século [N.E.: século XX...],
quando não só a Espanha, mas toda a Europa, vivia tempos difíceis. Enfrentando inclusive problemas de
superpopulação, o governo abriu a emigração, e um grande número de espanhóis partiu em busca de vida melhor.
Era, em grande maioria, gente originária das quatro províncias da
Galícia, uma das regiões mais pobres da Espanha, onde a
industrialização insistia em não chegar. Aberta a emigração, muitas aldeias - como também aconteceu em Portugal - ficaram apenas com seus velhos,
enquanto os homens aptos para o trabalho seguiram para a América, onde pretendiam enriquecer.
Fazer a América - América, na Espanha,
não eram os Estados Unidos, mas qualquer país das Américas Central e do Sul que recebesse imigrantes.
Fazer a América, gíria usada na época, era trabalhar de sol a sol, num desses países, durante algum tempo, e juntar dinheiro suficiente para
voltar à pária vitorioso. Os chefes de família vinham primeiro, deixando mulher e filhos pequenos, até conseguir dinheiro suficiente para pagar a
passagem dos parentes e acomodá-los com conforto.
O Brasil era o país escolhido pela maioria, e Santos, como primeiro porto de atracação dos
navios, acabou recebendo muitos galegos, principalmente os naturais de Orenci (entre os mais antigos,
muitos batizaram seus filhos com esse nome). Rio de Janeiro e Salvador também receberam muitos pioneiros, e São Paulo, com suas enormes
possibilidades, acabou sendo o destino de uma boa parte deles.
Nem todo mundo, é claro, conseguiu fazer a América. Houve os que voltaram pobres, os
que juntaram apenas o suficiente para um bom recomeço na Espanha, e os que nunca mais voltaram à pátria -
ao contrário, chamaram parentes e amigos, e formaram uma das mais tradicionais colônias estrangeiras no Brasil. |
A alma da colônia
O Centro Español y Repatriación
de Santos é, sem dúvida, a alma da colônia na Cidade. Fundado em 6 de janeiro de 1895, e tendo como primeiro presidente Manuel Troncoso, chamou-se,
de início, Casino Español, nome logo substituído para Centro Benéfico y Recreativo Español. Funcionou, primeiramente, em prédio construído na Rua Aguiar
de Andrade, Bairro do Paquetá, onde permaneceu durante 30 anos.
Mais tarde, com a fusão com a Sociedade de Repatriación, tomou o nome atual, e em 1955, devido às transformações
da Cidade, a diretoria comprou o terreno da Avenida Ana Costa, onde foi construído o prédio atual, que em 1974 foi ampliado, para atender melhor os
associados. O Centro Español y Repatriación é presidido por Manuel Rodriguez y Rodriguez.
Informativo do Centro Espanhol
Entre
as inúmeras atuações do Centro na vida da Cidade, a mais importante talvez tenha sido a sua transformação em hospital, durante a epidemia de febre
espanhola, ocorrida em 1918. Suas instalações foram oferecidas às autoridades sanitárias, que instalaram leitos no salão de bilhar, no teatro, no salão
nobre e na secretaria. Durante 15 dias, ali ficaram internados 128 enfermos, dos quais faleceram 24.
Antes disso, em 1916, o Centro Espanhol já havia servido de abrigo para os sobreviventes do naufrágio do vapor
Príncipe de Astúrias, que afundou na Ponta do Boi, no dia 4 de março de 1916, com mais de 500 vítimas. Nessa ocasião, o Centro uniu-se às outras
duas entidades espanholas existentes na Cidade: a Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos e a Sociedade Espanhola de Repatriação.
Socorros Mútuos - Também funciona em Santos a Sociedade de Socorros Mútuos, fundada a 2 de dezembro de
1900, com o nome de Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos. Aberta a pessoas de qualquer nacionalidade, a Sociedade de Socorros Mútuos faz convênios com
médicos e hospitais, e fornece atendimento a seus associados. Na presidência dessa entidade está César Rua Fernandez, que é também diretor cultural do
Centro Espanhol.
Recenseamento - Em 1913 foi feito um censo pelas autoridades administrativas de Santos, acusando a
presença de 8.291 espanhóis entre os 88.967 moradores da Cidade. Este é o último número oficial de que se tem notícia, pois hoje em dia o IBGE não
possui dados dessa natureza.
Entretanto, em 1976, durante a votação exercida pelos cidadãos espanhóis residente em todo o Brasil, para o
referendum de aprovação ou não da reforma política espanhola, o Consulado da Espanha
acusou cerca de oito mil cidadãos espanhóis residindo na Baixada Santista. Desses, 814 compareceram ao Centro Espanhol para votar, número maior que o
registrado em São Paulo. Extra-oficialmente, calcula-se em dez mil o número de espanhóis em Santos.
Atualmente, está sendo preparado, pelo governo espanhol, o Censo Electoral para Españoles en el Estranjero, ao
qual devem responder espanhóis maiores de 16 anos até 31 de março de 1982, residentes fora da
Espanha. Essas pessoas devem comparecer ao Centro Espanhol, que está centralizando o censo em Santos,
até o dia 20 de agosto, para preencher os formulários próprios.
Fundado por antigos imigrantes, o Jabaquara é o time dos espanhóis
Jabaquara AC - No esporte, a colônia espanhola em Santos se reúne em torno do Jabaquara Atlético Clube,
fundado a 15 de novembro de 1914. Chamou-se Espanha Futebol Clube, até a época da Segunda Guerra Mundial, quando, com a nacionalização dos clubes,
adotou o nome de Jabaquara. Sua primeira praça de esportes foi construída no Macuco, e recebeu o nome
de Antônio Alonso, em homenagem a um de seus maiores colaboradores.
Mais tarde, o Jabaquara adquiriu amplo terreno na Ponta da Praia,
mas a diretoria foi obrigada a vender o imóvel, na Avenida Bartolomeu de Gusmão. Hoje, o estádio, na Caneleira, leva o nome
de Espanha, antiga denominação do clube, cujo atual presidente é o comendador Luiz Alonso.
Veja a parte [2] desta matéria
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