HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
GREVE! - LIVROS
Uma saga em um porto do Atlântico (5)
Em 1994, durante a gestão do prefeito David Capistrano, do Partido
dos
Trabalhadores, diversas publicações foram produzidas pela Prefeitura Municipal, resgatando a história de Santos e especialmente a sua atividade
sindical. Uma dessas obras é o livro Caixeiro, Conferente, Tally Clerk - Uma saga em um porto do Atlântico, dos jornalistas Paulo Matos e Carlos Mauri
Alexandrino, aqui reproduzido integralmente a partir de sua edição única, de março de 1996.
Com 144 páginas e ilustrações (registros CDD - 331.879816 - M433c), o livro inclui ainda textos de Marcos Augusto
Ferreira e fotos de Carlos Nogueira, dos arquivos do Sindicato dos Conferentes de Santos e do Departamento de Comunicação da Prefeitura. Esta primeira
edição digital, por Novo Milênio, foi autorizada em 19/2/2010 por Paulo Matos. Veja:
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Caixeiro - Conferente - Tally Clerk |
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Uma saga em um porto do Atlântico |
Um grande transatlântico deixa a barra do porto de Santos no início dos anos trinta. A
Ponta da Praia é um lugar ermo, reduto de pescadores artesanais. O contraste entre os novos padrões que são impostos
pelas nações européias e os efeitos da prolongada crise brasileira
Imagem publicada
com o texto
Do despertar para a realidade de 32 aos pavores da II Guerra
Mundial
A criação do Sindicato coincide com um momento extremamente difícil da vida nacional, quando a
instabilidade e a necessidade de reconstruir a nação produzem grandes tensões
João Pinho, Carolino Rodrigues, Tiago Ferreira, Alfredo Schammas, Sebastião Chagas, Ivampa Duarte
Lisboa, Alfredo Albertini, Durval Amaral, Eduardo Alves, Alberto Damin, Pérsio de Souza Queiroz, Dagoberto de Gasgon... Foi assim, com uma lista de
nomes de jovens que jamais voltariam para casa, que Santos começou a cair na realidade da guerra civil em 1932. Já não se
tratava mais das bravatas de bares e comitês do MMDC, aquele clima quase de festa dos primeiros dias que se seguiram ao 9 de julho. Havia agora
cadáveres, lágrimas que deixavam longe na lembrança o heroísmo postiço de tantos que foram às seções de alistamento de voluntários como quem vai a
um piquenique.
Veio do céu o sinal de que a Revolução Constitucionalista não seria o que se imaginava a princípio.
Veio na forma de hidroaviões que descreveram um longo arco sobre a cidade atônita e mergulharam sobre a usina de
energia da Light, no sopé da serra, e sobre o Forte Itaipú, para despejar suas cargas mortais.
A cidade inteira assistiu consternada a triste sorte dos pilotos de um caça paulista, transformado
numa bola de fogo no espaço antes de mergulhar no oceano. Chamavam-se João Gomes Ribeiro Júnior e Mário Bittencourt os jovens ases que foram
juntar-se às vítimas do conflito. Para Santos foi como um mau presságio - o combate, que se dava em paragens distantes e era conhecido através das
notícias dos jornais, estava agora em suas portas, em seu mar, em seu céu.
Bem ao lado, em Guarujá, os combates aéreos produziram naqueles
dias uma vítima inesperada, que baixou em muito o ânimo dos revoltosos paulistas e reforçou ainda mais os agouros pressentidos. Santos Dumont, o
inventor do avião, suicidou-se em seu quarto de hotel, ao que consta por estar extremamente deprimido de assistir
seu invento utilizado numa luta fratricida entre seus irmãos brasileiros.
Os discursos inflamados das semanas anteriores, as poesias patrióticas publicadas com destaque
nos jornais da manhã, eram agora substituídos por sentimentos bem menos nobres. Buscavam-se espiões, sabotadores, um vizinho desconfiado do outro, e
bastava pensar diferente da maioria para correr o risco de ser considerado um "traidor perigoso", sujeito à prisão e até ao fuzilamento. Os
dândis abastados, os primeiros entusiastas da causa, sentiam saudade de seus dias de festa no Miramar, agora
transformado num quartel para exercícios militares, e dos passeios de carro pela orla recém pavimentada, onde só havia, então, olhos vigilantes para
a baía de acesso ao estuário.
A verdade é que grande parte da população sentiu-se aliviada quando dois navios da marinha
legalista entraram porto adentro, canhões assestados, para iniciar a ocupação militar da cidade e colocar fim no que nunca deveria ter começado.
"Em perfeita consonância com a Delegacia Regional de Polícia e atendendo ao
atual momento, vem solicitar à laboriosa população santista que se abstenha de quaisquer manifestações, a fim de que não seja alterada a ordem
pública nesta cidade. Qualquer tentativa em contrário será repelida energicamente".
Este era o texto lacônico transmitido pelo tenente-coronel Índio do Brasil, comandante das forças de
ocupação, no dia 8 de outubro, pela rádio PRB-4, a Rádio Clube de Santos. A revolução estava acabada para a cidade e seu
porto.
Embora as feridas deixadas demorassem a cicatrizar, a vida cotidiana foi voltando ao normal. No início
de 33, o movimento do porto recomeçava a crescer e mesmo os efeitos da crise de 29 já pareciam distantes frente aos novos equipamentos automáticos
que iam sendo instalados. Sob o olhar ressabiado dos trabalhadores, que sentiam o que viria a ser o primeiro choque tecnológico - máquinas, ainda
que rudimentares para os padrões de hoje, substituindo muitos homens na tarefa de carregar e descarregar navios.
Em 1936 Santos pode eleger novamente seu prefeito, depois de seis anos de interventoria militar. Foi
ele, Aristides Bastos Machado, que inaugurou o primeiro dos edifícios que iam juntar-se aos colossos de modestos
cinco andares da Rua Olavo Bilac e da Av. Washington Luiz; o Olímpia e o São Paulo,
os primeiros prédios da praia. O café e o comércio portuário ostentavam sua riqueza arisca.
Em 1938 o porto seria elevado à condição de terminal de primeira classe e o café cedeu espaço à
diversificação decorrente do desenvolvimento industrial do planalto. Os trens da Railway teriam em breve a companhia dos
caminhões que utilizariam "o orgulho da Engenharia nacional", a Via Anchieta, que começava a ser construída conforme o
projeto de 1935. Parecia radioso o futuro, mas, como se viu, havia uma guerra no caminho. Uma das grandes, que todos já consideravam inevitável ao
final daquele ano, demonstrando sabedoria.
Os bondes elétricos da The City of Santos Improvements
Company, que haviam conferido um ar de modernidade à cidade, começavam a ceder espaço para os ônibus, que iam crescendo em número e linhas. Os
carros iam enchendo as ruas e Santos já se tornava um balneário respeitado, centro de turismo embalado pelos cassinos do
Monte Serrat e do Parque Balneário. Este tinha também um hotel luxuoso, que competia com o
Atlântico e o Palace e seu magnífico prédio na praia do José Menino.
Festas que acabaram se tornando famosas ocupavam as noites. Eram os domínios das pessoas de posses, de mulheres bonitas, de playboys
conhecidos.
Faziam grande sucesso, à boca pequena, as exibições clandestinas de The Public Enemy, com James
Cagney e Jean Harlow, a vênus platinada, que fora proibido pela censura. Ou ainda Quick Millions, com Spencer Tracy e George Raft, que
tivera o mesmo destino ao passar pelos censores do DIP. A transgressão chic demonstrava que, se todos eram igualmente atingidos pelos
estertores do Estado Novo, havia os que eram - digamos - mais iguais que os outros.
John Wayne, Humphrey Bogart, Greta Garbo... O cinema começava a ditar a moda, os gestos, os gostos, os
sonhos de boa parte da sociedade brasileira. A própria guerra, para além dos despachos telegráficos dos jornais, era agora vista nas telas dos
cinemas. Hollywood e os "jornais da tela" diziam também aos santistas onde e como estava se dando a guerra - difícil distinguir a realidade da
ficção, o jornalismo da propaganda.
A Praça Mauá no início dos anos trinta. Ainda não existe o
prédio da Prefeitura e acabara de ser inaugurado, majestoso, o edifício do Correio, imagem de uma
outra Santos, que mudaria rapidamente
Foto publicada com o texto
Cena de rua, com a elegância de corte europeu que tinha seus dias contados. A introdução rápida de
modernidades como o cinema produziria alterações profundas em um tempo recorde
Foto publicada com o texto
Local onde funcionou o Sindicato desde 1933, quando foi alugado o andar superior do prédio de
número 41 da Rua Martim Afonso
Foto publicada com o texto
Trecho final da Avenida Ana Costa, no tempo da Guerra, ladeado pelos
dois grandes hotéis: à esquerda, o Parque Balneário; à direita, o Atlântico. Signos de um novo tempo que se abria para a Cidade e seu povo
Foto publicada com o texto
Em 1943 alguns dos protagonistas da história de nosso Sindicato na velha sede da Rua Martim
Afonso. Da esquerda para a direita, Olivério Pilar Antunes, Joaquim Augusto de Oliveira, João Bento de Souza Júnior, Carlos Augusto (o Carlos da
Pinta) e Aristides Leopoldino de Souza (o Chapéu de Couro). Os apelidos, como acontece hoje, fazem parte da vida e da rotina dos
conferentes, mesmo com o ar solene dos ternos bem cortados
Foto publicada com o texto
A inauguração da enfermaria de 38 leitos oferecida à Santa Casa pelo
Sindicato. Da esquerda para a direita, após os oficiais da Marinha, Nestor Bittencourt tendo atrás Otávio Pereira de Azevedo, depois Domingos
Sotello, Joaquim Augusto de Oliveira e Álvaro de Carvalho. Após um acordo salarial muito bom, o Sindicato resolveu doar a enfermaria e como a
conquista salarial se deu num 11 de junho, dia da Batalha do Riachuelo, ficou batizada com esse nome a nova unidade. Era 1945 e a doação faz parte
do esforço de guerra
Foto publicada com o texto
Na luta pela democratização do País, em 1945, um ato público da Seção Municipal de Santos do
Movimento Unificador dos Trabalhadores, mais uma tentativa intersindical. Após o orador, da esquerda para a direita, estão Manoel Cabeças,
presidente do Sindicato dos Estivadores, Taibo Cadórniga, um representante do Sindicato do Comércio, e o nosso então presidente, Joaquim Augusto de
Oliveira
Foto publicada com o texto |
Os caminhos tortuosos da derrota O processo
revolucionário que liquidou a República Velha, em 1930, foi precipitado por uma profunda insatisfação popular e uma grave crise econômica e
política. A aguda crise decorrente da quebra da Bolsa de Nova York fechou fábricas, provocou demissões em massa, desabou com
os salários. As cotações do café iam por água abaixo. O pânico que se alastrava das fazendas ao porto, o medo da fome.
Atendendo os interesses dos fazendeiros paulistas, o presidente Washington Luís
impôs o nome de Júlio Prestes para sua sucessão, rompendo a política "café com leite": mineiros sucedendo a
paulistas e vice-versa. O Partido Republicano Mineiro uniu-se ao Rio Grande do Sul, formando a Aliança Liberal e lançando
Getúlio Vargas.
Por trás da Aliança estava o movimento tenentista, jovens oficiais que lutavam, desde 22, contra a República Velha.
Líderes como Miguel Costa, Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Siqueira Campos e muitos outros, que haviam eletrizado o País na campanha da "Coluna
Prestes", entre 24 e 25, representavam cada vez mais os ventos de renovação.
Naquele ano de 1930 a Aliança Liberal era a grande esperança brasileira, com um programa progressista, pretendendo
mais que tudo moralizar a administração pública e reformar as velhas estruturas. Prometia ao povo, através do candidato Getúlio Vargas, soluções
para a "questão social".
A derrota eleitoral não acabou com a Aliança, que chegaria ao poder, em seguida, com o próprio Getúlio, através de
um assalto armado. Dissolveu o Congresso Nacional e as Assembléias estaduais; nomeou interventores para os Estados.
O descontentamento com a demora da constitucionalização do País era mais notório em São Paulo, onde também crescia
a revolta dos fazendeiros de café, que queriam reconquistar a influência perdida. E foi em São Paulo que estourou, a 9 de julho de 32, uma
Revolução Constitucionalista, comandada militarmente pelos generais Isidoro Dias Lopes e Euclides Figueiredo.
Após setenta dias de luta, a revolução foi sufocada, seus líderes foram presos e alguns exilados. Foi muito intenso
o movimento de opinião pública - rádios, jornais, propaganda, comícios etc. - a ponto de empolgar muita gente, mesmo quando ficou claro que São
Paulo ficaria sozinho na luta, sem armas e munição suficientes.
Ex-combatentes, no primeiro aniversário daquela derrota, denunciavam "oportunistas da guerra
que mandavam avançar e manter posições insustentáveis" e os "privilégios e regalias que galardoaram desigualmente os
filhos da fortuna, guerreiros brancos da retaguarda, vistosos e luzidios, ostentando galões e proclamando bravuras imaginárias. Nós somos aqueles
que hoje estão convictos do embuste e da mistificação a que foram atirados pelos manobradores da política profissional, promovedores de revoluções
com o intuito de reconquista do poder perdido".
O monumento ao orgulho ferido, do escultor Anselmo Del Débio, é de 1956, depois de 23 anos da
campanha para sua construção
Foto publicada com o texto |
A eleição que não houve, o golpe dentro do golpe
Deveria haver uma eleição presidencial no Brasil em 3 de janeiro de 1938. Deveria. Com um plano forjado de uma suposta
revolução comunista em mãos, o chamado "Plano Cohen", Getúlio Vargas brandiu o "perigo vermelho" através do embrião do que viria a ser depois
o seu Departamento de Imprensa e Propaganda. O tal plano havia sido elaborado, por sua ordem, por oficiais militares ligados ao integralismo de
Plínio Salgado e seus "camisas verdes", entre os quais o então jovem oficial Olímpio Mourão Filho.
Enquanto agitava o fantasma, Getúlio encarregou seu ministro da Justiça, Francisco Campos, de elaborar, desde logo,
uma nova Constituição, que instalasse seu "Estado Novo". O ministro era tão conhecido por sua habilidade de transformar arbitrariedades em ações
absolutamente legais, que seu apelido popular era Chico ciência.
Pois foi das mãos de Chico ciência que surgiu a polaca, outorgada à Nação a 10 de dezembro de 37,
horas depois do golpe dentro do golpe de Getúlio Vargas.
A constituição permitia ao presidente dissolver o Congresso, expedir
decretos-leis, extinguia os partidos políticos (inclusive o dos integralistas, que ajudaram o golpe), eliminava a liberdade de imprensa e implantava
a censura prévia, colocava interventores nos Estados, instituía a pena de morte e, claro, prorrogava o mandato presidencial até a realização de um
plebiscito que jamais aconteceu. |
"O demônio da máquina, sozinha, fazia o serviço de muitos homens, que ali estavam a
olhá-la" O palmeira botou toda a sua eletricidade, esticou o cabo possante e levantou a grab
que lá se foi pelos ares como uma aranha descomunal, em procura do porão do cargueiro inglês Amberton, que trazia carvão de Cardiff.
O barco vinha de barriga cheia, a impar, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas
medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma só vez. Chegara recentemente e eram as primeiras
experiências que se faziam. O pessoal da turma 65 espiava, curioso, o manejo da bicha. E ante os seus olhos surpresos, o porão foi se esvaziando
rapidamente. O demônio da máquina, sozinha, fazia o serviço de muitos homens, que ali estavam a olhá-la de braços cruzados e faces apalermadas.
Como tudo corria bem, indo a experiência além das expectativas, Malhado veio despedir os trabalhadores.
Podiam ir, serviço só na manhã seguinte. Que ficassem satisfeitos com o meio-dia. Os homens, porém, não se conformaram, nascendo entre eles um
zunzum de abelhas irritadas, que foi aumentando com rapidez, até se transformar num protesto firme e peremptório.
- Fora com a máquina, fora! não pode, não pode! Gritavam.
Turmas de outros armazéns, largando o trabalho, correram para o 23, atraídas pelo tumulto que crescia cada vez
mais. O guindaste parou e a grab ficou largada no chão do cais, inerte, como um dragão morto.
Malhado, a suar no meio da multidão, açodado, gesticulava com desespero, descartando-se:
- Não é comigo, não tenho nada a ver com isto, vou ao feitor-geral.
Desapareceu, voltando daí a instantes em companhia do feitor-geral que, por felicidade, foi encontrado ali por
perto.
O geral tentou convencer a turma da necessidade daquela inovação para maior rapidez da descarga. Mas ninguém quis
ouvi-lo, e os protestos continuaram. O homem encrespou-se, esboçando um leve desejo de fazer valer sua autoridade. Foi pior. A turba, agora já
crescida e densa, reagiu, inchando como uma jibóia. Quem estava de longe, não sabia do que se tratava; mas ouvindo os companheiros gritarem "não
pode", fazia o mesmo, e o coro aumentava sempre.
O geral varou a custo os agrupamentos e foi dar parte ao chefe da seção. Este veio furioso, querendo dominar os
exaltados com gritos e caretas. Os trabalhadores acharam graça naquela infantilidade e romperam numa vaia estrondosa. O chefe sumiu num relance, sem
se saber como nem para onde.
A notícia do incidente chegou, então, ao conhecimento do chefe do Tráfego, que se comunicou com o superintendente e
este, finalmente, com o inspetor, a autoridade máxima. Reuniram-se para deliberar. Os boatos que vinham do cais eram alarmantes, exagerando-se as
notícias do modo mais estranho. O que corria pelos escritórios era que estourara uma greve violenta em toda a faixa do cais;
milhares de homens enfurecidos avançavam contra os armazéns, incendiando-os; a Polícia interviera; havia mortos e feridos.
Enquanto se tomava uma resolução, o Amberton esperava, paciente, de porões abertos.
Os trabalhadores, em torno, conversavam e discutiam, formando grupos imensos, todos serenos, gostando da folga inesperada.
Trecho do livro Navios Iluminados, de Ranulpho Prata |
Pressão americana, opinião pública em efervescência, mortíferos ataques a navios
brasileiros, uma troca vantajosa: lá vai o Brasil à guerra! Até o início da década de 40, todas as simpatias
de Vargas e de muitos membros de sua equipe eram para o bloco nazi-fascista. Iniciada a guerra, a pressão da opinião pública e dos
Estados Unidos pendeu o governo brasileiro para os aliados.
Os americanos, que haviam entrado no conflito em 41, queriam instalar uma base aérea no litoral do Rio Grande do
Norte e trocaram a concessão pelo financiamento á construção da siderúrgica de Volta Redonda. A decisão em favor dos aliados foi reforçada pelo
afundamento, em 42, de cinco navios brasileiros, supostamente por submarinos alemães. Houve mobilizações e protestos. Em Santos
passeatas de estudantes percorreram as ruas exigindo a declaração de guerra que se concretizou em 22 de agosto daquele ano.
Em setembro de 44, partiu para a Itália a Força Expedicionária Brasileira,
que se incorporou às forças americanas. Até a paz, em maio do ano seguinte, 25 mil soldados e oficiais brasileiros estiveram em combate. Venceram
oito batalhas, ao preço de 500 mortos, 3 mil feridos e a perda de 37 navios.
Durante este período, o movimento no porto foi bem pequeno e eram previsíveis os problemas na volta da Força
Expedicionária. Começaram com a questão política: impossível lutar pela democracia na Europa e retornar para um país governado por uma ditadura.
Terminaram na questão do trabalho: onde colocar os pracinhas que retornavam? A categoria dos Conferentes foi uma das escolhidas para abrigar
os ex-soldados, agora desempregados.
O Estado Novo chegava ao fim melancólico, assim descrito pelo agudo humorista Aparício Torelli,
o Barão de Itararé: "O Estado Novo é o estado a que chegamos". |
"Eclodiu a primeira greve do Estado Novo, absolutamente proibida, que resultou em
mortes, em violência, repressão selvagem, demissões, a cidade sob intervenção federal e ocupada por tropas do Exército"
A imagem de rebeldia adquiriu romantismo nas lendas do cais, na literatura e na poesia. Um episódio ocorrido durante o
Estado Novo de Getúlio Vargas, quando os trabalhadores de Santos recusaram-se a embarcar um carregamento de café brasileiro para o general fascista
Francisco Franco, em plena Guerra Civil Espanhola, é o tema central do segundo dos três volumes de Os Subterrâneos da
Liberdade, uma das principais obras políticas do escritor Jorge Amado.
Havia excesso de estoque de café no País, aumentar o consumo impunha redução de preços, queimar o produto já havia
sido tentado com resultados desastrosos, e planejou-se a negociata de comprar dos fazendeiros e vender ao governo Vargas, para doação patriótica às
tropas franquistas, que lutavam contra os republicanos espanhóis.
No primeiro dia o porto funcionou normalmente, à exceção do pessoal escalado para o navio
alemão que levaria o café à Espanha. A turma seguinte também não compareceu ao cais, e a polícia prendeu
três estivadores. Decidiu-se então formar uma comissão para negociar a libertação dos três, mas a comissão também foi detida. A partir daí eclodiu a
primeira greve do Estado Novo, absolutamente proibida, que resultou em mortes, em violência, repressão selvagem, demissões, a cidade sob intervenção
federal e ocupada por tropas do Exército.
O café acabou sendo embarcado por soldados, mas a resistência santista ficou para sempre na história do
sindicalismo brasileiro, e as lendas cresceram no cais. No livro de Jorge Amado, as brigadas internacionais que lutavam contra Franco ao lado
dos republicanos espanhóis entronizaram os portuários de Santos como símbolo do ideal socialista de solidariedade entre todos os trabalhadores do
mundo.
Compondo a imagem da narrativa, o escritor descreveu "os armazéns
das docas a se perderem de vista, repletos de sacos de café, trilhos, automóveis, geladeiras, rádios, máquinas estranhas, conservas e frutas, que
desciam nos guindastes trazidos do bojo profundo dos porões escuros dos negros cargueiros ancorados no porto". Falou do "cheiro
doce de maçãs maduras misturado ao salgado odor do mar, na lânguida noite tropical, envolvente e morna, das canções em língua estranha, do estranho
senso de humor, pouco apreciado pelos policiais", dos rebeldes trabalhadores portuários de Santos.
Trecho do livro Sombras sobre Santos, de Ricardo Marques da Silva e
Carlos Mauri Alexandrino |
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