Recriação em line-art digital de foto de Juscelino e Jango em um comício em Santos, durante
a campanha presidencial de 1955. Foto de A Tribuna
Imagem: reprodução parcial da página 53
Capítulo III - Os tempos de bronze
O período de grandes conquistas, como o reconhecimento da categoria, o rodízio e o pagamento por
produção. As grandes mudanças promovidas por um momento democrático da vida nacional
"O Brasil deixou de ser um vira-latas entre as nações", escreveu Nelson
Rodrigues em uma de suas crônicas, em 1958. Falava da Copa do Mundo que acabava de ser conquistada, mas falava mais além. Referia-se aos tempos de
bronze que o País vivia, esperanças difusas de que, enfim, se forjava um futuro de prosperidade. Fazia treze anos que o fim da guerra trouxera
expectativas novas, apesar de traumáticos episódios políticos.
Foi um período pródigo em festas e dramas aquele do pós-guerra, em todo o mundo. No Brasil havia a
democratização, produzindo novos desafios e fazendo brotar a força das contradições. Os solavancos do caminho nos levariam ao encontro de nosso
destino dezenove anos depois de caladas as armas na Europa e no Pacífico.
Como numa história de final anunciado, as sombras que cobriam intermitentes o tenro sol da primavera
democrática transformaram-se em intransponível nebulosidade, a partir do outono de 64.
Para nossa categoria, o primeiro sinal dos tempos de bronze, após o final da guerra, teve a marca da
guerra fria.
O presidente Joaquim Augusto de Oliveira fora destituído, acusado de "envolvimento com entidades
operárias ligadas aos comunistas". Entre os "fatos denunciados" estava, por exemplo, ter emprestado as cadeiras do Sindicato para uma reunião da
União Geral dos Trabalhadores de Santos, organização ligada ao PCB. Era dirigida por Taibo Cadórniga e Joaquim era o secretário.
A denúncia ao Ministério do Trabalho fora feita pelo grupo de Nestor Bittencourt, espécie de troco dos
episódios da eleição de 43.
A gestão de Joaquim deveria terminar em 46, mas o governo do general
Eurico Gaspar Dutra, que substituíra Getúlio Vargas após o fim do Estado Novo, decretou a continuidade dos mandatos sindicais por um ano.
Dutra estava empenhado em reverter as conquistas trabalhistas obtidas durante o governo de Vargas e,
embalado pela guerra fria, deflagrara uma pesada retórica anti-comunista. Vendo aí o momento apropriado, Nestor Bittencourt foi à forra esperada.
Em maio de 47, exatamente uma semana depois do Dia do Trabalho, um decreto federal estabelece que
deveriam ser substituídas "as direções operárias que tenham se filiado ou contribuído para a Federação dos Trabalhadores do Brasil ou para as uniões
sindicais".
Era dinamite pura, considerando que o delegado do Sindicato dos Conferentes de Santos ao Congresso da
Federação fora o próprio Joaquim. Mais ainda: fora ele que, naquele congresso, propusera que os institutos pagassem uma "pensão-reclusão" às
famílias dos detidos, muitos, espalhados pelo País. A participação na central nacional, é bom que se diga, fora definida em assembléia, com
resultado esmagador, 80 votos contra 1.
Pouco mais de um mês depois do decreto, no dia 13 de junho, uma lacônica portaria do governo botou
para fora nosso presidente Joaquim.
Mais uma Junta Interventora assume. O presidente é José De Abreu Nabo, homem de Nestor, que se torna o
tesoureiro. Vingança, como se vê, com juros.
Mas o comunismo funcionou mesmo é como pano de fundo. Sob as luzes da ribalta daquele momento
turbulento estava também uma questão bem mais doméstica.
O quadro era composto por 450 conferentes e eram constantes as intromissões governamentais, via
Delegacia do Trabalho Marítimo, enfiando gente de fora na categoria, em geral pessoas indicadas pelas agências. Com trabalho raro ainda no cais,
mais gente significava menos dinheiro. A resistência de consecutivas direções sindicais, portanto, tinha razões objetivas. Em 46, por exemplo,
ingressam 38 por este meio - e se anunciou que os quadros de trabalhadores avulsos seriam ampliados em 10% pelo governo, para dar trabalho aos
ex-pracinhas que retornavam da guerra.
Contra a intromissão da Delegacia do Trabalho Marítimo, que realizava concursos usurpando o que era
direito do Sindicato, Joaquim usou todos os meios, inclusive os bons canais que tinha junto ao Ministério do Trabalho.
Com a cruzada anti-comunista de Dutra, a ingerência do governo chega a cassar matrículas de
conferentes. Arbitrariedade que, em 46, atinge a Antonio de Lima, mesmo repudiada e não aceita em assembléia da categoria.
Durante uma negociação salarial emperrada pelas agências, lá se foi o Joaquim, de novo, ao Rio de
Janeiro. "O que você faz aqui?", perguntou o procurador do ministro. "Vim defender os direitos de
400 famílias", disse o Joaquim. "Pois então - torna o homem - tome lá esta decisão, em
duas cópias; entregue uma ao capitão dos portos e a outra para os jornais". A solução foi bem rápida, mas a ira das agências cresceu na mesma
proporção.
Foi esse estado permanente de tensão que azeitou as denúncias contra Joaquim e levou à sua destituição
da presidência.
Dutra havia colocado o Partido Comunista na ilegalidade, cassado os mandatos de todos os parlamentares
eleitos pelo partido no País, inclusive 14 dos 31 vereadores da Câmara de Santos, em janeiro de 48. Rompeu relações
diplomáticas com a então União Soviética. A barra pesou.
Mas como em tudo há sempre dois lados, é bom voltar um pouquinho. O mesmo decreto que ampliou o quadro
para a reserva de mercado dos pracinhas, garantiu 50% das vagas que fossem abertas para os filhos dos associados, conforme pedia a categoria - um
pouco de prevenção, receio quanto ao futuro, e, claro, nepotismo mesmo, no duro.
A intervenção de Nabo e Bittencourt vai até março de 49, sob denúncias e problemas já comuns e
previsíveis nos períodos em que o empedernido polêmico Nestor dirige o Sindicato. E lá vamos nós de novo na ladeira das soluções pouco ortodoxas que
fizeram boa parte de nossa história. Acabava derrubada aquela Junta, substituída por outra, desta vez com Remo Petrarchi
à frente.
Sobre o período de Nabo praticamente não existem registros nas atas do Sindicato, mas uma
contabilidade independente, concluída em novembro daquele ano de 49, apontou problemas graves naquela primeira intervenção, entre outros, a venda
das "Obrigações de Guerra", espécie de bônus do governo, por valor inferior ao nominal e sem autorização do ministério.
Mesmo sendo nomeado, Remo inicia um período de vitórias que darão à categoria boa parte da feição que
tem hoje. É um período de intensa afirmação, a ponto de levá-lo à direção novamente, agora pelo voto livre, na eleição de fins de 50.
As mudanças também são intensas no País. A posse de Petrarchi como presidente eleito, no dia 1º de
janeiro de 51, antecede em trinta dias a posse do novo presidente da República, Getúlio Vargas, desta vez
igualmente apoiado pelas urnas da eleição geral de 1950.
Getúlio chega ao poder sustentado também por forças nacionalistas empenhadas na construção de um novo
período histórico e de desenvolvimento. É, na verdade, um outro Getúlio Vargas. "Bota o retrato do velho de novo, bota no
mesmo lugar", propagandeia uma canção extremamente popular, espécie de vingança contra sua deposição cinco anos antes - o Brasil, de
epidêmica amnésia, lembra dos avanços alcançados no "Estado Novo", mas esquece da iniqüidade e da violência dos esbirros que toda ditadura junta em
torno de si.
Em novembro de 49 Petrarchi relata à assembléia suas andanças para garantir o pagamento do Repouso
Semanal Remunerado, direito constitucional, regulamentado em decreto, aprovado pelo Senado, sancionado pelo presidente da República. Conta que, do
governo, recebera a orientação de que bastaria informar aos empregadores a quantia a ser paga a cada conferente desde janeiro daquele ano e tudo
estaria terminado.
Mas como fazer isso se as fichas de recebimento eram enviadas ao Iapetec, no Rio de Janeiro, para
escrituração geral?
Bem, entrava aí o jeitinho brasileiro, e o chefe da Arrecadação Federal, "o sr. Rogério", fez
contas rápidas, baseadas sabe-se lá em quê, para garantir: "O levantamento de 250 mil fichas vai custar Cr$ 250 mil. São
despesas com pessoal, horas extraordinárias, o senhor sabe bem como são essas coisas". E, por decisão da assembléia, devidamente registrada -
provavelmente a única que se conhece do gênero - topamos pagar a caixinha. Como dava para notar, o cheirinho da lama da República já estava
presente antes de Getúlio.
Em 52 a coisa estava bem mais feia.
Em agosto, por exemplo, discutia-se como era possível aceitar o aumento do quadro em mais de 30%
naquele período de vacas magras. Cerca de três mil homens da Docas estavam sem trabalho e as demissões eram feitas seguidamente, devido ao movimento
escasso.
O bate-boca entrou por setembro, confirmando que desde janeiro haviam ingressado 110 novos membros no
Sindicato, entre os quais 45 pracinhas, sete filhos, cinco irmãos e vai por aí afora, com base na lei de 1945. Para maior complicação, 498 são os
sócios, mas se localiza 503 fichas.
E são os pracinhas chegados sob resistência geral que deflagram mais uma crise. Sem a preferência ou
simpatia dos controlistas nas escalações no costado dos navios, eles vão diretamente à Delegacia do Trabalho Marítimo e reivindicam, como solução, a
implantação imediata do rodízio. Para surpresa geral, a Delegacia determina a implantação da medida.
Não havia, como se sabia desde antes da fundação do Sindicato, qualquer coisa que lembrasse a mais
remota unidade sobre esta questão. Vai daí que Petrarchi e outros diretores iniciam uma série enorme de manobras para colocar panos quentes.
Comissões sobre comissões para avaliação das mudanças, as ameaças, as protelações e, o que deveria
vigorar a partir de 1º de outubro, acaba adiado por prazo indeterminado.
Tudo, na verdade, eram novos desafios surgidos desde o início do ano, quando a categoria fora
legalizada definitivamente, com a entrada em vigor da lei 1.561, a "Lei dos Conferentes".
A conquista da lei que legaliza a categoria em 1952 equivale a uma alforria, nas palavras de
nosso presidente. Ao consagrar a existência do conferente, amplia a força do Sindicato, inibe a ingerência das agências. Pelo lado do governo, isso
reforça sua base trabalhadora.
As agências buscavam transgredir, de todas as formas possíveis, os direitos dos conferentes, a começar
pela precariedade do sistema de escalações. Feitas em bares ou no costado dos navios, era um jogo de cartas marcadas.
Havia erros constantes no pagamento, tanto no montante quanto nos atrasos abusivos; a manipulação de
relatórios pelos encarregados das agências eram quase uma norma de funcionamento; chamar um conferente para a tarefa que deveria ser de dois é um
dos arranjos mais freqüentes.
Tudo contribuía para a queda da qualidade do trabalho - uma espécie de suicídio coletivo. Reclamações
nem pensar, que os poucos valentes acabavam ficando sem trabalho.
Dentro do próprio Sindicato estavam plantadas as sementes de grandes problemas.
O ingresso crescente de pessoas estranhas à profissão, patrocinado tanto pelo governo quanto pelos
próprios dirigentes e associados, é regra durante largo período. A pretensão de usar a categoria familiarmente cria riscos à sua própria
existência.
Quem denuncia o perigo da idéia de uma categoria familiar, naquele ano de 1952, é Orlando dos
Santos, a quem estariam destinadas outras mudanças profundas, dez anos depois, Naquele momento, um clamor no deserto.
Em 1953 assume a direção do Sindicato outro polêmico personagem de nossa história. Serafim Mendes é
tido como representante das agências, ligado aos interesses patronais, frase que em nosso Sindicato tem um caráter diferente do que seria normal.
Trata-se de uma posição frente à organização do trabalho - Serafim reforça a posição de controle do
cartel das agências e o sistema de gangs. Isso não impediu, porém, que impetrasse ações contra todas as agências, inclusive a Dickinson, onde
trabalhava, reclamando o pagamento do repouso semanal remunerado.
Uma assembléia em julho de 54 é um sintoma daqueles tempos. O rodízio volta a ser discutido, desta vez
como um dos itens das "Normas Regulamentadoras da Atividade do Conferente", elaboradas pela própria Delegacia do Trabalho Marítimo e remetida ao
Sindicato para discussão.
Serafim, em seu pronunciamento, mostra numa curta frase tanto sua aversão à idéia de rodízio quanto o
espírito e o caráter daquele período da história nacional. Para ele, era preciso elaborar outro anteprojeto regulador da profissão, "gaste-se o que
gastar".
De certa forma esse "passo atrás" na organização do trabalho e no trato com os órgãos públicos tem
sintonia com os tempos. As esperanças em Vargas se esvaem nas ruas, sob a intensa pressão udenista; o País se agita sob o peso das denúncias contra
o "mar de lama" que desaguava nos porões do Catete - Carlos Lacerda é a linha de frente da articulação que envolve militares, a elite econômica e a
maior parte dos grandes veículos da imprensa.
Lacerda é um grande ás numa nova maneira de comunicar: a televisão.
O rosto de Lacerda nos lares brasileiros, o pé ferido no atentado da Rua Toneleros bem visível sobre
uma cadeira, confere um novo caráter ao fazer político, cala fundo nos sentimentos, convence mesmo os mais reticentes. O País se divide entre os que
são contra o presidente e os que crêem que Vargas é uma vítima inocente de seus agregados. De qualquer forma, ele está só.
A intenção dos adversários era mais que evidente: destituir Getúlio por corrupção, com base em forte
apoio militar e com Lacerda à frente - uma espécie de golpe de 64 dez anos antes é o que se pretendia naquele ano de 54.
Getúlio, porém, muda tudo em 24 de agosto, com um tiro seco em seu próprio peito, no Palácio do
Catete, no RIo, ao deixar a vida para entrar na história".
O mesmo homem que impedira por tanto tempo o florescimento das liberdades democráticas, agora, noutra
situação, nos salva de um golpe de estado.
A perplexidade tomou o País naqueles dias. Nada mais contava, nada parecia grande o suficiente para
ser visível frente à dimensão épica daquele caixão no palácio de governo e das lágrimas de milhões a molharem a carta testamento do ex-presidente.
A tragédia produzia um novo pacto de corações e mentes.
Foi no clima francamente anti-empresarial, de um nacionalismo exaltado, de reafirmação de valores
trabalhistas e sindicais, que se dá nossa eleição no final daquele ano de reviravoltas poderosas o bastante para abalar o Brasil durante uma década.
Serafim, identificado com os patrões, é substituído por Nelson Mattos, que assume em 1955, dia 22 de janeiro.
A lei dos conferentes, de 1952, estabelecia que "o trabalho deveria ser distribuído eqüitativamente",
mas, sem especificar como. Não é de estranhar, então, que recrudescesse o movimento pela implantação do rodízio, que tantas e tantas vezes fora
derrotado nas assembléias desde a fundação do Sindicato e mesmo antes dela. Mas prosseguiria irresolvida a questão que, a rigor, fora o motivo do
movimento que levou à fundação de nossa entidade.
Foi nesta gestão de Mattos que se conseguiu o pagamento da Taxa de Serviços de Conferência na
cabotagem, calculada em razão da taxa de estiva que, por sua vez, já era remunerada por produção desde 53. Por vias indiretas, abre caminho para
que, por analogia legal, se passasse a reivindicar o pagamento equivalente aos conferentes.
Mattos deixa o cargo para o mesmo Serafim Mendes, na eleição de 56. A posse de Serafim, em 57, já vem
marcada por uma oposição crescente aos métodos das agências, à submissão aos interesses e preferências. Vencera a eleição, mas suas bases estão mais
que desconfiadas, estão quase em pé de guerra.
A própria questão do pagamento por produção é tratada de forma equivocada. Serafim, em conjunto com o
governo e as empresas, elabora uma tabela de pagamento por produção e convoca uma assembléia para homologá-la, na forma de uma Convenção Coletiva
Nacional, e acaba derrotado. Em muitas cargas a tabela proposta era muito inferior às taxas que já eram cobradas dos armadores pelos espertalhões
das agências.
Em 1958 é preciso esconder os nomes dos que contribuem no levantamento de fundos para combater o
projeto da lei 850, do deputado Adilson Viana, que pretendia acabar com a categoria. O medo de ficar "queimado" nas agências era grande.
Orlando dos Santos e Orlando Leopoldino de Souza é que recolhem o dinheiro no cais, quase em segredo, à boca-pequena, sem alarde. Conseguir "vinte
mangos" do pessoal era uma dureza naquele tempo de vacas magras e as pessoas pediam que seu nome não fosse incluído nas listas, por medo da
reação das agências, o pavor de ficar queimado e não conseguir mais trabalho.
O período de grandes embates desemboca, curiosamente, na recondução à presidência, no final de 58, do
polêmico Nestor Bittencourt de tantas histórias. Como sempre, sua permanência é tumultuada, repleta de lutas políticas que, mais de uma vez, quase
chegam às vias de fato.
Sintomática é a brincadeira sempre repetida por Nestor, parafraseando Vargas: "Aos
amigos, tudo; aos inimigos, fotografia na mesa, que é para poder identificá-los nas assembléias".
Leopoldino é seu segundo-secretário que, irritado demais contra o que considera "desmandos de toda
ordem", consegue articular a queda da diretoria. Desta vez, Nestor fica apenas dez meses contados na presidência.
Orlando Leopoldino de Souza, há dois anos apenas na categoria, é empossado presidente em novembro
daquele ano e abre caminho para a necessária mudança de rumos. MEnos de um mês depois entrega a direção da entidade a mais uma Junta Governativa,
agora sob o comando de Orlando dos Santos.
Será um curto período de três meses. Suficiente, porém, para reformas profundas. Orlando tem,
primeiro, de vencer resistências internas, inclusive na própria Junta, para poder criar os "Postos de Escalação", a pedra fundamental do rodízio, um
corte mais que profundo e sentido no controle das agências sobre a distribuição do trabalho. Um processo de democratização que avançaria ainda mais
pela instituição do Câmbio, da Dobra e da Avançada. O ininteligível jargão conferente, por si mesmo, já demonstra a complexidade que a organização
do trabalho da categoria havia alcançado.
A mobilização patronal após o estabelecimento das mudanças, e por isso mesmo, foi enorme na eleição
seguinte. Para eles, que sabiam onde iria chegar a caminhada iniciada por Orlando, o pleito significava a possibilidade de colocar um ponto final em
tudo aquilo. Mais uma vez ajudam, com seus homens e poder econômico, à eleição de Serafim Mendes.
Ele inicia sua gestão em 1960, dia 18 de março, e vai até o fim do mandato titubeando frente a uma
categoria extremamente divida. Se não prossegue nos avanços iniciados por Orlando, também não faz nada para reverter as conquistas. As condições
impedem que seja tentado um movimento neste sentido. Deixar como está parece ser a essência de sua política naquele período. E são tantas as
tropelias no País que a situação específica dos conferentes pouco chama atenção dos jornais e até da própria categoria. Deixar tudo como estava
parece até sábio, considerando Jânio, renúncia, posse de Jango Goulart com
parlamentarismo, plebiscito...
A eleição do início de 62, num Brasil agitado por uma nova situação, leva novamente à presidência
Orlando dos Santos, disposto a completar o trabalho iniciado antes. O País está mergulhado numa grande marola política, mas desta vez Orlando tem
dois anos pela frente, um projeto completo de trabalho, o que não acontecera antes, e tem ainda o apoio de uma nova consciência que brota das ruas
enxameadas de lutas sociais de toda ordem.
Aquela eleição não foi nada fácil. A chapa comandada por Manoel Bento de Souza, apoiada por Serafim, é
a representação da vontade de "deixar como está para ver como é que fica"; a chapa de Orlando é a retomada da luta pelas mudanças. A clareza dos
projetos em disputa é tanta que a categoria, dividida como habitualmente, bate cabeça de frente: pela primeira vez - e inacreditavelmente - uma
eleição sindical termina empatada.
Não foi brincadeira a encrenca. A situação defendendo a posse de Bento de Souza com base num mais que
duvidoso critério de idade; a oposição defendendo a realização de nova eleição. E veio mesmo o novo pleito. Venceu Orlando, por 14 votos de
diferença apenas.
Os jornais da cidade e de São Paulo trombeteiam o feito: depois de 25 anos acontece uma vitória da
oposição no Sindicato dos Conferentes de Santos. Sábias trombetas pelo que se veria.
Os jornais sabiam que estava ali, firmemente fincada agora, a raiz de mais um desafio ao "cartel dos
portos" que, como hoje, tinha enorme influência política e de mídia. E sabiam também que surgia em Santos, com aquela eleição, mais um ponto de
apoio da tensão sindical que estava estabelecida, o fato mais importante daqueles anos - espaços desmesurados nos jornais já em campanha aberta
contra Jango, "encontravam" armamento em entidades de trabalhadores, documentos secretos para o estabelecimento de uma república sindicalista
e tantas outras sandices tão mentirosas quanto assustadoras para uma classe média temerosa e desinformada.
Tudo é lançado sobre as costas da "política sindical irresponsável do presidente", tivesse ele a ver
com os fatos ou não, pouco importava. É o caso dos conferentes. Pouco importava, por exemplo, que o Fórum Sindical de Debates, a poderosa
intersindical da região, ligada à política oficial de Jango, tivesse até emitido uma nota "de pesar" quando da eleição de Orlando, pouco afeito à
retórica e métodos da esquerda ortodoxa.
As vitórias, porém, não tardam. Implanta-se definitivamente o rodízio, conquista-se o pagamento na
sede do Sindicato, institui-se a conferência e contagem do pagamento para acabar com as fraudes, as mudanças parecem não ter mais fim. Garantir, de
uma vez por todas, o pagamento por produção, foi uma das lutas exemplares daqueles tempos.
A greve vitoriosa, mais uma vez com o apoio dos estivadores, foi o xeque-mate definitivo do caso,
depois de décadas de idas e vindas que consumiram muito tempo e desgastes enormes.
E foram de tal ordem as mudanças que a categoria não teve dúvida em reeleger Orlando no início de
1964, para dar continuidade ao que vinha sendo feito. Orlando tomou posse no dia 18 de março daquele ano e, poucos dias depois, tudo mudaria e
tempos de ferro cobriram o Brasil por um longo, muito longo, período. |