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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTIVA x FRANCO
Navio de Jorge Amado viaja no tempo (2)

Recusa dos estivadores santistas de embarcar café para o ditador espanhol Franco ocorreu em 1946, mas o escritor deslocou a história para 1938
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No livro Agonia da Noite, segundo volume da trilogia Os subterrâneos da liberdade (Editora Record, Rio de Janeiro/RJ, 32ª edição, 1980), que teve sua primeira edição em maio de 1954, o escritor baiano Jorge Amado descreve a seu modo (transferindo o episódio para o início de 1938) a história de como os estivadores santistas se recusaram a carregar um navio com café oferecido pelo governo de Getúlio Vargas à Espanha (então dominada pelo ditador Francisco Franco Bahamonde).

A greve, no entanto, ocorreu em 1946, na gestão do presidente Eurico Gaspar Dutra, e a embarcação não era nazista (eram dois navios franquistas). Devido a essas mudanças, tal história chegou a virar lenda, até santistas duvidam de sua veracidade.

Na edição de 1º de janeiro de 1946, o jornal santista A Tribuna registrou a posse de nova diretoria do Sindicato dos Estivadores, que estaria diretamente ligada aos fatos dessa greve:


Imagem: reprodução da matéria original

SINDICALISMO
Tomou posse a nova diretoria do Sindicato dos Estivadores

Realizou-se ontem, às 21 horas, na sede do Sindicato dos Estivadores de Santos, à Praça José Bonifácio, uma assembléia geral para a posse da nova diretoria, presidida pelo sr. Manoel Cabeças. Grande foi o comparecimento, fazendo uso da palavra, entre outros, o sr. Higino Alberto Pelachim, presidente da diretoria que terminava a gestão; José Felix da Silva, Osvaldo Pacheco da Silva, Manoel Antonio de Matos, João Pedro Pereira da Silva e Manoel Cabeças, presidente da diretoria ontem empossada. O sr. Higino Pelachim e outros dirigentes cujo mandato terminou, ofereceram seus préstimos aos novos diretores, estando à sua disposição para o trabalho que fosse útil.

A reunião decorreu em ambiente de cordialidade e animação.

No clichê vemos os novos diretores do Sindicato dos Estivadores de Santos.

Na edição de quarta-feira, 27 de fevereiro de 1946, novamente em A Tribuna:


A objetiva da A Tribuna apanhou este aspecto do comício da U.G.S.T.S,
na Praça da República, ontem, à noite
Foto e legenda publicadas com a matéria

SINDICALISMO
O comício sindical de ontem da União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores
Muito concorrida a reunião pública

Perante grande assistência, formada sobretudo por trabalhadores de várias classes, realizou-se, ontem à noite, o anunciado Comício Sindical promovido pela União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos.

No concorrido meeting, que teve lugar na Praça da República, foram tornadas públicas e conhecidas do proletariado e do povo de nossa cidade, as resoluções do 1º Congresso Sindical dos Trabalhadores do Estado de S. Paulo, realizado recentemente na capital bandeirante.

Como presidente da União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos, usou da palavra, de início, o prof. João Taibo Cadorniga, que discorreu sobre a finalidade do comício.

Pela ordem, fizeram-se ouvir os srs. Manoel Rodrigues Fernandes, José Lima Campos Filho, Leonardo Roitman, Joaquim Augusto de Oliveira, Luiz Ferreira Lima Filho, Manoel Viana, Eliseu José de Oliveira, Manoel Vieira e Paulo Neves da Rocha.

Por último, voltou a ocupar a tribuna o prof. João Taibo Cadorniga, que após discorrer sobre a atual situação do país, leu os seguintes telegramas, que, após serem aprovados pelos presentes, foram enviados para a capital da República: "Presidente Gal. Gaspar Dutra - Palácio Catete - Rio - Proletariado santista reunido praça pública comício promovido União Geral Sindicatos Trabalhadores Santos felicita v. excia. decreto revogando dispositivo pluralidade sindical contrária interesses trabalhadores. Encarnando aspiração proletariado nacional, concita v. excia. decretar liberdade e unidade sindical, de acordo atual situação de liberdade e democracia em todos países mundo. Pede também a v. excia. rompimento com governo fascista de Franco, atual representante de Hitler e Mussolini, inimigo todos povos livres do mundo. - Saudações cordiais".

"- Assembléia Constituinte - Palácio Tiradentes - Rio - Proletariado Santos reunido praça pública através comício União Geral Sindicatos Trabalhadores Santos, integrada 37 Sindicatos representando mais 50 mil trabalhadores, concita essa Assembléia formada vontade soberania povo revogar carta-fascista 1937, mancha negra na história democracia brasileira. Concita patrícios Senadores e Deputados votarem moção rompimento relações com Espanha de Franco, foco da quinta-coluna e do fascismo que precisa ser extinto para sermos dignos sacrifícios soldados brasileiros campos batalha Europa. Proletariado santista espera que essa digna Assembléia vote uma Constituição digna povo brasileiro: democrática, progressista e anti-fascista. Viva Assembléia Nacional Constituinte. Viva Povo e Proletariado. Viva a Liberdade e a Democracia. Viva o Brasil".

O primeiro efeito prático dessas deliberações foi registrado na edição de quinta-feira, 7 de março de 1946, do mesmo jornal santista A Tribuna (em destaque na última página, reservada às notícias urgentes):


O Cabo de Buena Esperanza fundeado em nosso porto e com as suas operações imobilizadas devido à atitude dos estivadores
Foto e legenda publicadas com a matéria

Os estivadores recusaram-se a trabalhar a bordo do paquete espanhol Cabo de Buena Esperanza
Assumiram essa atitude como manifestação de protesto contra a política do generalíssimo Franco - A bordo do navio espanhol viaja o sr. Eduardo Aunós, cuja nomeação para embaixador da Espanha no Brasil não foi aprovada pelo nosso governo

Procedente de Bilbao e escalas, fundeou às últimas horas da manhã de ontem em nosso porto o transatlântico espanhol Cabo de Buena Esperanza.

Esse navio trouxe para Santos 67 passageiros e conduz para o Rio da Prata 371 outros, viajando, a maioria, em 3ª classe.

Acontecimento inédito em nosso porto ocorreu nesse barco da Cia. Ybarra. Os estivadores de Santos recusaram-se formalmente a trabalhar a seu bordo e adotaram essa atitude como manifestação de protesto contra a política do generalíssimo Franco.

O gesto dos trabalhadores da estiva teve forte repercussão na cidade. Debalde tentaram demovê-los dessa atitude. O presidente do Sindicato dos Estivadores entrou em entendimento com eles, porém a recusa foi geral, mostrando-se intransigentes todos os estivadores designados para as operações de carga e descarga no Cabo de Buena Esperanza. E os demais estivadores, solidários, não se mostraram dispostos a contrariar a atitude dos companheiros, de maneira que o barco espanhol permanece imobilizado no porto, com os seus porões fechados.

Segundo fomos informados, à passagem do barco espanhol pelo Rio de Janeiro, os estivadores locais também se negaram a trabalhar nesse navio. Mais tarde, devido à intervenção das autoridades portuárias, eles abandonaram a atitude de greve-política, passando a trabalhar normalmente.

Às últimas horas da tarde, houve insistentes entendimentos no sentido de que os estivadores de Santos iniciassem o serviço de carga e descarga do navio espanhol, sabendo-se, porém, que todos eles se mostraram intransigentes em sua atitude.

Viaja a bordo o sr. Eduardo Aunós - Na lista de passageiros do Cabo de Buena Esperanza figura o sr. Eduardo Aunós, o qual viaja em companhia de sua família. É interessante assinalar que esse diplomata fora dado como desembarcado em Curaçao, mas preferiu continuar viagem, como cidadão comum, devendo, nesse caso, ir à Argentina e regressar à Espanha pelo mesmo navio.

O sr. Eduardo Aunós teve seu nome em foco recentemente, com a designação para chefiar a representação diplomática da Espanha no Brasil. A sua designação para servir como embaixador em nosso país coincidiu com a publicação do "Livro Azul", do Departamento de Estado norte-americano, onde aquele diplomata foi fortemente acusado. E, conseqüentemente, o governo brasileiro decidiu não conceder o agreement ao sr. Eduardo Aunós, quando ele já havia embarcado com destino ao Brasil.

Os estivadores na redação da A Tribuna - Uma delegação de 100 estivadores, aos quais se juntaram alguns doqueiros, esteve ontem, à noite, nesta redação. Explicaram que o seu gesto de recusa de operar no navio Cabo de Buena Esperanza e em outros barcos espanhóis que aqui escalarem foi adotado espontaneamente, como protesto veemente contra "a onda de fuzilamentos que se verifica na Espanha de Franco". A presença a bordo do ex-embaixador Eduardo Aunós também serviu para reforçar a atitude dos trabalhadores da estiva, segundo nos afirmaram.

Justificando seu gesto, os estivadores assinalaram que, se todos os trabalhadores portuários do país e do estrangeiro se recusassem, como eles, a trabalhar nos navios espanhóis, "a situação do governo de Franco, que não se coaduna com os sentimentos democráticos, seria sensivelmente modificada, pois o não carregamento e descarregamento dos seus navios equivaleria a verdadeira sanção".

Os estivadores afirmaram que a sua atitude não revela qualquer ato de desprestígio ou desrespeito às nossas autoridades e leis e que estão dispostos, como sempre, a acatar toda e qualquer determinação do poder constituído.

A passagem do Cabo de Buena Esperanza pelo Rio - RIO, 6 (Especial) - Após inúmeras peripécias e tendo se chocado com o Cabo de Hornos em Curaçao, entrou na Guanabara, na segunda-feira de carnaval, à tarde, o Cabo de Buena Esperanza. Há quase um mês que o navio espanhol era esperado com certa curiosidade, pois nele viajava, para esta capital, o sr. Eduardo Aunós, embaixador que Franco destacara para o Rio, e que, diante das graves denúncias, contidas no "Livro Azul", aqui não poderia ficar, de vez que o governo brasileiro, retirando-lhe o agreement, considerou-o persona não grata.

Desde cedo, não obstante ser dia de carnaval, um batalhão de repórteres e fotógrafos se pusera em comunicação com a Polícia Marítima, a fim de saber a hora exata em que o Cabo de Buena Esperanza cruzaria a barra. Isso no entanto, apesar da solicitude e boa vontade dos funcionários daquela repartição, não foi possível saber com exatidão.

Fugiu à aproximação dos jornalistas - Após as formalidades de praxe, a reportagem conseguiu atravessar o passadiço. Nossa primeira impressão foi de que estávamos visitando um navio fantasma. Era hora do almoço e a sala de refeições, apesar de repleta, estava contundentemente silenciosa. A não ser o característico tinir dos pratos, talheres e copos, tudo o mais era silêncio. Parece que aguardavam o pessoal da imprensa. Ninguém falava e muito menos sorria. Comiam e olhavam hostilmente para os jornalistas, principalmente, os oficiais de bordo.

A custo, conseguimos transpor aquela muralha de silêncio que queria evitar que chegássemos até ao sr. Aunós, o objetivo da visita. Ninguém queria prestar informações. Não desanimamos e, graças a isso, conseguimos saber que o embaixador de Franco, logo que tivera ciência da aproximação da lancha da imprensa, fugira para seu camarote. Fugira deixando o almoço pelo meio.

O repórter esteve junto à mesa abandonada pelo sr. Aunós. Viu os restos de uma refeição de bom gosto, tudo do bom e do melhor. Frutas e vinhos finos. O homem é gastrônomo.

Dois guardanapos manchados de baton esclareciam que o sr. Aunós se fazia acompanhar no ágape de elementos do sexo feminino e que fora também por eles acompanhado na fuga aos jornalistas.

No camarote 102 - A persistência da reportagem orientou como bússola e foi bater à porta do camarote 102, camarote de Dom Eduardo Aunós. Bater não é bem o termo, porque cinco ou seis representantes da Falange, à paisana, é claro, não deixavam ninguém se aproximar da porta. Pelo gosto deles os repórteres nem pisariam no corredor. Com cara de poucos amigos, o sr. Francisco Arregle, apontado como secretário do sr. Aunós, mostrou-se, durante todo o tempo em que estivemos a bordo, indiferente às nossas perguntas.

Escolhidos a dedo, os guarda-costas do embaixador franquista, segundo revela O Globo, primavam pela eficiência em espantar jornalistas, treinados, talvez, durante a longa viagem. Eram autênticos cerberos e, cônscios da sua função, não permitiam devassas ao flutuante mundo doméstico de Dom Eduardo Aunós. Em uma relação de passageiros, o repórter viu como era composta a família do sr. Aunós, que, não fôra o "Livro Azul", estaria a esta hora estabelecida no Rio.

A relação dizia: Dom Eduardo Aunós, diplomata, casado, procedente de Cadiz, senhora Dolores Ruan Aunós e senhorinha Concepcion Ruan Aunós, sua filha. Os olhos indiscretos viram sem quererem a idade de todos. Sr. Eduardo Aunós, 51 anos; d. Dolores, 45, e a senhorinha Concepcion, 22.

A nenhum deles se pôde falar, muito menos olhar. Para isso é que funcionavam guardando o 102, jovens falangistas, chefiados pelos srs. Arregle, Rodriguez e Gomez, o primeiro "surdo", o segundo risonho e o terceiro "mudo".

Enquanto a reportagem esperava, chegou o sr. José Galiostre, ministro conselheiro da embaixada espanhola no Rio. Acompanhando o conselheiro estava o segundo secretário da chancelaria para visitar seu colega e compatriota. Afinal, a reportagem insistiu por uma entrevista e nada conseguiu.

Tal como aconteceu em Curaçao, os estivadores do Rio recusaram-se a descarregar o Cabo de Buena Esperanza. Somente ao anoitecer de segunda-feira, depois de uma série de demarches, funcionaram os trabalhadores da estiva no transatlântico espanhol.

No dia seguinte, a sexta-feira, 8 de março de 1946, era publicado em A Tribuna:


Imagem: reprodução do original

SINDICALISMO
União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos
Aos trabalhadores e ao povo de Santos

Tomando conhecimento da resolução dos trabalhadores do porto desta cidade de não descarregarem navios espanhóis ou procedentes de portos da Espanha franquista, a Comissão Executiva desta entidade reuniu-se e, depois de examinar a situação criada com a atitude daqueles trabalhadores, e depois de considerar e estudar o que os levou a esse procedimento, declara:

1º - Que o governo fascista espanhol, num desafio às nações democráticas e à Federação Mundial Sindical, continua matando patriotas e trabalhadores espanhóis;

2º - Que lutar contra o fascismo franquista é lutar também contra os remanescentes do fascismo em nosso país, contra a carta fascista de 37, contra o alto custo de vida, por liberdade e autonomia sindical, por melhores condições de vida dos trabalhadores;

3º - Que se torna necessária uma atitude coerente dos povos amantes da Democracia, em relação ao governo fascista de Franco, pois tal regime não pode mais subsistir, sob pena de negarmos o sacrifício de 50.000.000 de seres que deram suas vidas pela causa da liberdade em todos os quadrantes da terra;

4º - Que lutar contra o regime de Franco é lutar contra todas as formas de degradação do trabalhador e contra os restos de regimes que mais perseguiram e oprimiram o proletariado;

Resolve:

a) Solicitar do nosso governo o rompimento das relações diplomáticas com a Espanha franquista;

b) Aconselhar os trabalhadores do porto a se acautelarem com possíveis provocadores e que se mantenham firmes e pacíficos na sua decisão;

c) Dar aos trabalhadores do porto de Santos, como sua, a palavra de ordem da Federação Mundial Sindical, de não serem procedidas operações de carga e descarga de vapores sob bandeira espanhola ou procedentes de portos espanhóis.

Santos, 7 de março de 1946.

A Comissão Executiva: João Taibo Cadórniga, Valois de Faria Veiga, Joaquim Augusto de Oliveira, José Ferrete, Luiz Ferreira de Lima, José de Lima Campos, Manoel Viana e Luiz Alceu Lestrade.

Na mesma edição de 8 de março de 1946 de A Tribuna, na última página:

Não trabalharão em navios de bandeira espanhola os estivadores de Santos
Concorrida a assembléia de ontem - Dois telegramas pedem o rompimento de relações com o governo de Franco - Zarpa, hoje, o Cabo de Buena Esperanza

A fim de tratar da situação em que se encontra o vapor espanhol Cabo de Buena Esperanza, atualmente imobilizado em nosso porto, em face da decisão dos estivadores locais de não trabalhar a bordo desse barco, como manifestação de protesto contra a política do general Franco, o Sindicato dos Estivadores de Santos, pela sua diretoria, e a pedido das autoridades, realizou ontem, à noite, na sede dessa prestigiosa entidade de classe, concorrida assembléia.

Abriu os trabalhos, cerca das 21 horas, o sr. Manoel Cabeças, presidente da diretoria do Sindicato, que convidou para participar da mesa os representantes das autoridades portuárias, prof. João Taibo Cadorniga, presidente da União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos, e mais os srs. Elias Vicente da Silva, Manoel Alves Sampaio, Miguel Aprísio de Brito, João de Sousa Vidal, André Perez, Manoel de Freitas, João Pereira da Costa, Francisco Garcia, Eduardo Miranda e Manoel Palomino, diretores do Sindicato.

Explicados os motivos da assembléia extraordinária, o sr. Manoel Cabeças passou a expor a situação, pedindo que a casa debatesse o assunto, a fim de se definir, de vez, a atitude dos estivadores de Santos.

Sobre o assunto, e apoiando a atitude assumida pelos seus companheiros de não trabalhar a bordo de barcos espanhóis, falaram vários oradores, entre os quais o sr. Luiz Ferreira de Lima. Esse trabalhador, após discorrer sobre a atitude assumida pelos seus companheiros, afirmou que os trabalhadores da estiva de Santos não podiam ter outro gesto senão o de patentear o seu desagrado pelo regime do general Franco - "um dos remanescentes do fascismo no mundo" - frisou.

Ao terminar seu discurso, o orador pediu à assembléia enviasse um telegrama ao sr. presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, proposta que foi aprovada por unanimidade de votos, bem como outro, no mesmo sentido, ao dr. Melo Viana, presidente da Constituinte, apresentada pelo sr. Manoel Almeida.

Usaram ainda da palavra, apoiando os discursos de seus colegas, os srs. Manoel Antonio de Matos, Manoel Santa, José Bezerra, Raimundo Domingues e Germiniano Martins de Oliveira, sendo todos igualmente aplaudidos.

Pelo sr. Manoel Cabeças foram lidos os telegramas que ontem mesmo foram enviados e assim redigidos:

"Exmo. sr. general Eurico Gaspar Dutra - DD. presidente da República - Palácio do Catete - Rio de Janeiro - Estivadores Santos, reunidos grande assembléia, pedem v. excia. imediato rompimento relações diplomáticas governo fascista Franco. - Saudações cordiais - Manoel Cabeças, presidente da Assembléia".

"Exmo. sr. dr. Melo Viana - DD. presidente Assembléia Constituinte - Palácio Tiradentes - Rio de Janeiro - Estivadores Santos, reunidos grande assembléia, vêm junto presidente da República para pedir imediato rompimento relações diplomáticas com governo fascista de Franco. Saudações - Manoel Cabeças, presidente Assembléia".

Deliberado ficou ainda que os estivadores não trabalhassem em qualquer vapor que atracasse em nosso porto sob bandeira espanhola.

Fez-se ouvir ainda o professor João Taibo Cadorniga, que se congratulou com os estivadores, afirmando o irrestrito apoio da entidade da qual é presidente, a União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos.

Ao que apuramos, o vapor Cabo de Buena Esperanza, em vista dessa atitude dos estivadores, zarpará hoje, às 5 horas, de nosso porto, sem carregar nem descarregar qualquer mercadoria.

No dia 12 de março de 1946, A Tribuna publica matéria sobre ter sido ratificada a decisão da estiva:


Aspecto apanhado pela objetiva da A Tribuna, por ocasião da assembléia de domingo, quando usava da palavra o associado José Felix da Silva
Foto e legenda publicadas com a matéria original

SINDICALISMO
Ratificada a decisão dos estivadores de não trabalhar nos navios espanhóis
Uma coleta em prol dos grevistas da Açucareira Santista rendeu Cr$ 1.100,00 - Muito concorrida a assembléia de domingo

Em primeira e única convocação realizou-se, domingo, às 9 horas, na sede do Sindicato dos Estivadores de Santos, a anunciada assembléia geral extraordinária, que contou com a presença da maioria dos estivadores locais.

A reunião, que tratou de importantes assuntos para a operosa classe, inclusive o da atitude assumida pelos estivadores de Santos em não trabalhar em navios espanhóis que venham a atracar em nosso porto enquanto perdurar o regime de Franco na Espanha, contou também com a presença dos dirigentes daquele organismo de classe, do prof. João Taibo Cadorniga, presidente da União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores de Santos e representantes da imprensa.

Abrindo os trabalhos, o sr. Manoel Cabeças, presidente do Sindicato dos Estivadores, explicou os motivos da convocação da assembléia, dando, em seguida, a palavra ao presidente da União dos Sindicatos para que lesse um telegrama recebido do sr. Guilherme Tubbs, um dos três trabalhadores da estiva pela atitude assumida em relação aos navios da Espanha franquista.

Em seguida, o presidente pede à casa se manifeste sobre o assunto principal, o da ratificação ou não da decisão da assembléia anterior.

Com a palavra, o sr. José Felix da Silva, associado do Sindicato, fez veemente apelo aos seus companheiros, concitando-os a continuar firmes na decisão estabelecida na última assembléia, isto é, de não trabalhar nos navios espanhóis que aqui aportem.

Seguem-se com a palavra o sr. Luiz Ferreira de Lima, que cita à mesa a aprovação imediata da decisão tomada de não fazerem estiva dos navios já referidos. Posta em votação, a proposta do sr. Luiz Ferreira de Lima foi aprovada por unanimidade, não havendo um único estivador que discordasse do que já fora decidido, sendo, desse modo, ratificada a decisão dos estivadores em não trabalharem nos navios que aqui aportem sob a bandeira espanhola.

Aprovou ainda a casa o envio de dois telegramas, um à Assembléia Constituinte e outro ao sr. presidente da República, pedindo o rompimento de relações diplomáticas com o governo de Franco.

O prof. João Taibo Cadorniga sugeriu uma coleta em prol dos grevistas da Açucareira Santista, a qual, demonstrando o alto espírito associativo e proletário dos estivadores, rendeu a soma de Cr$ 1.100,00. Felicitando a classe pela ratificação da decisão da última assembléia e pela solidariedade demonstrada aos grevistas acima referidos, falou o presidente da União Geral dos Sindicatos de Trabalhadores, tendo a seguir o presidente do Sindicato encerrado a assembléia.

No dia 13 de março de 1946, ainda A Tribuna noticiava (na última página) as operações em outro navio de bandeira espanhola atracado em Santos, o Cabo Prior:


A nossa reportagem fotográfica colheu alguns flagrantes durante o trabalho de descarga do navio Cabo Prior, por bombeiros de São Paulo. À esquerda, aspecto do cais e do policiamento, vendo-se uma metralhadora montada ela Força Policial; ao alto, à direita, o dr. Afonso Celso, delegado auxiliar, o coronel Índio do Brasil, comandante do Corpo de Bombeiros, da capital, e o comandante Bezerra Cavalcante, capitão dos portos, a bordo do barco espanhol; em baixo, dois bombeiros em plena atividade, num dos porões do Cabo Prior
Foto e legenda publicadas com a matéria original

Bombeiros de S. Paulo estão descarregando o Cabo Prior
Operação em todos os barcos espanhóis que aportarem a Santos, enquanto os estivadores não modificarem sua atitude - Os doqueiros, solidarizando-se com o pessoal da estiva, não estão trabalhando - Aparato militar no cais

Desde anteontem à noite, estão chegando a Santos turmas de bombeiros de S. Paulo, para efetuar a descarga do vapor espanhol Cabo Prior, a bordo do qual, como noticiamos, se recusaram a trabalhar os estivadores de Santos em protesto pela execução de líderes democráticos espanhóis e em manifestação de repulsa pelo regime falangista do general Franco.

O Cabo Prior recebeu ordem para atracar ao armazém 20, depois de entendimentos havidos nesse sentido, por volta das 15 horas de ontem.

100 bombeiros no cais - Cerca de 100 bombeiros já se encontravam no cais, iniciando imediatamente o trabalho. Enquanto turmas desses "soldados do fogo" penetravam nos porões, iniciando o trabalho da desestiva, outros manobravam os guinchos e os guindastes, enquanto os demais procediam ao arranjo e desmancho das lingadas, e transportavam as mercadorias para o armazém, uma vez que os doqueiros, solidarizando-se com os estivadores, também se recusaram a trabalhar.

Os serviços, como é natural, não têm um desenvolvimento intensivo. Entretanto, nenhuma anormalidade se havia verificado até a noite.

Serviço de policiamento - O serviço de policiamento no cais está sendo efetuado por um grupo de choque da Polícia Especial, e por 40 soldados do 6º B.C. da Força Policial, sob o comando de um oficial dessa milícia.

Os bombeiros são comandados por dois oficiais do respectivo Corpo.

Encontra-se em Santos, superintendendo os serviços dos seus subordinados, o coronel Índio do Brasil, comandante do Corpo de Bombeiros de S. Paulo.

À hora da atracação do Cabo Prior, encontravam-se no cais o dr. Afonso Celso de Paula Lima, delegado auxiliar, o coronel Índio do Brasil, e o capitão Luiz Bezerra Cavalcanti, capitão dos portos.

Nenhum incidente - Nenhum incidente se verificou, mantendo-se os trabalhadores portuários afastados do local, não se tendo dado nenhuma manifestação de desagrado pela intervenção dos bombeiros. A atitude dos operários do porto é de absoluta calma.

A que fomos informados, serão empregados bombeiros nos serviços de estiva e desestiva de todos os navios espanhóis que aportarem a Santos, enquanto os estivadores não modificarem sua atitude, reiterada aliás na assembléia realizada domingo último, e reafirmada quando chamados para serem informados da resolução das autoridades estaduais de procederem ao serviço por meio de bombeiros.

A carga do Cabo Prior é quase exclusivamente constituída de azeitonas, num total de 3.075 barris, com o peso de 551.283 quilos.

Aparato militar - Causou certa impressão o aparato militar nas imediações, pois, como se vê pelo clichê que ilustra esta notícia, até uma metralhadora foi montada. As autoridades policiais receavam, pelo visto, uma atitude agressiva por parte dos trabalhadores portuários. Entretanto, manda a verdade que se reconheça que, até agora, os trabalhadores santistas vêm encaminhando seus movimentos grevistas debaixo de um ambiente de serenidade e calma, não tendo recorrido a atos de violência.

Já no dia 17 de março de 1946, A Tribuna noticiava:


Aspectos colhidos pela objetiva de A Tribuna  na assembléia de ontem, vendo-se em cima o dr. Hilton dos Santos, presidente do IAPETC, quando se dirigia aos estivadores, e, em baixo, parte da numerosa assistência
Foto e legenda publicadas com a matéria original

SINDICALISMO
Esteve presente à assembléia de ontem o presidente do IAPETC

Perante grande número de associados, realizou-se, ontem, à noite, na sede do Sindicato dos Estivadores de Santos, a assembléia geral desse organismo de classe.

À reunião, que teve início às 20,45 horas, estiveram presentes o dr. Hilton Santos, presidente do Inst. de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas; sr. Antonio Machado Vieira, diretor do Departamento de Estiva do IAPETC; dr. Osvaldo Vila Verde, delegado da mesma autarquia na capital e dr. Armando Fabriano, diretor-médico.

Abrindo os trabalhos, o sr. Manoel Cabeças, presidente do Sindicato, convidou para presidir a mesa o membro mais velho do Conselho, recaindo a escolha no nome do sr. José Miranda, participando ainda da mesa, além daquelas autoridades do Instituto, mais o sr. capitão-de-mar-e-guerra Luiz Bezerra Cavalcanti, capitão dos Portos; dr. Clovis Pereira de Carvalho, procurador do IAPETC; prof. João Taibo Cadorniga, presidente da UGSTS; diretores do Sindicato e representantes da imprensa.

Com a palavra, o sr. Manoel Cabeças apresenta à casa o dr. Hilton Santos, discorrendo sobre a personalidade do novo presidente do Instituto, terminando por pedir aos seus companheiros que trocassem com o ilustre visitante pontos de vista que resultassem em benefício da classe, pois que para tanto veio a esta cidade o dr. Hilton Santos.

Fez-se ouvir, em belo improviso, o dr. Milton Santos. De início s.s. disse que não veio a Santos para fazer discurso, mas entrar em contato direto com os segurados do Instituto que dirige. Falou do plano do governo em benefício dos trabalhadores brasileiros, afirmando que é desejo das altas autoridades da nação resolver o mais breve possível os problemas mais prementes das classes trabalhadoras. Referiu-se à conversação que manteve com os presidentes dos sindicatos de Santos, tendo de todos a melhor das impressões. Abordou outros assuntos de vital importância para a classe dos estivadores, afirmando que a delegacia do Instituto, em Santos, está autorizada a resolver muitos dos problemas que afligem os estivadores. Falou do projeto sobre o serviço social, que será ampliado, pedindo a cooperação de todos os trabalhadores da estiva, com os quais tinha orgulho em entrar em contato. Terminou sua oração afirmando que o problema da casa para o estivador o está preocupando também, afirmando esperar uma solução lógica para o caso.

Suas últimas palavras foram visivelmente aclamadas.

Pela ordem, fez-se ouvir, em seguida, o associado Manoel de Sousa, que perguntou ao dr. Hilton Santos por que o Instituto não conta com o serviço de obstetrícia. Discorreu por alguns minutos, fazendo críticas ao Instituto, exemplificando com vários casos de seu conhecimento sobre a não atenção do Instituto para com os seus segurados. Com palavras francas, pôs o dr. Hilton Santos ao par de sua atual situação, afirmando que não compareceu à sede de seu sindicato de gravata por ser chefe de numerosa família.

Sua oração foi aparteada, por diversas vezes.

Solicitando licença da Casa, voltou a usar da palavra o dr. Hilton Santos. Após se congratular com o o orador, pela franqueza demonstrada, considerada uma vitória sua em constatar o desassombro do trabalhador brasileiro, terminando por fazer sentir a todos que a intenção do atual governo é a de melhor atender aos interesses das classes trabalhadoras.

Abordando vários assuntos de vital importância para a classe, fizeram-se ouvir ainda os associados Rui Barbosa de Morais, Pedro Teodésio da Cruz, Florêncio E. de Sousa, Antônio André Carrijo, Pedro Laurentino e Manoel Tibúrcio de Oliveira.

Ao usar da palavra, o sr. Antônio André Carrijo fez sentir, como alguns dos oradores, ao dr. Hilton dos Santos, a situação difícil em que se encontram alguns estivadores, quanto a benefícios concedidos pelo Instituto, afirmando que, em outros tempos, quando o Sindicato dos Estivadores possuía sua Caixa Beneficente, esse organismo arrecadava 150 contos, gastando em benefícios 50. Acrescentou ainda que o Sindicato contava com um laboratório freqüentemente a serviço dos associados, assim como uma ambulância, que custou àquele organismo 80 contos.

Ao terminar a oração do sr. Antônio André Carrijo, o dr. Hilton dos Santos voltou a usar da palavra, afirmando que esse estado de coisas trouxe a descrença no seio da classe, mas que o atual governo não decepcionaria os trabalhadores. Elogiou a atitude de todos os estivadores, a sinceridade da palavra do operário santista, terminando por afirmar que é seu pensamento colocar no próprio Instituto os filhos dos segurados. Suas últimas palavras foram calorosamente aclamadas.

Voltou a usar da palavra o sr. Manoel Cabeças, que, depois de expor à Casa a missão da comissão que foi ao Rio de Janeiro, disse que conferenciou, a pedido, com o sr. ministro do Trabalho, sobre a atual atitude assumida pelos estivadores em não trabalhar em navios de bandeira espanhola. Disse que o próprio ministro do Trabalho reconhecia a atitude dos estivadores, mas que solicitava dos estivadores santistas a modificação dessa atitude. Terminou solicitando de seus companheiros que voltassem a trabalhar nesses navios, embora sob protesto, que ele, como presidente, estaria com a classe em qualquer terreno.

Sobre o assunto, desaprovando qualquer modificação na atitude assumida pela classe nas duas últimas assembléias, fizeram-se ouvir os srs. Luiz Ferreira, que leu alguns telegramas de apoio recebidos pelos estivadores, e José Felix da Silva.

Ainda sobre o assunto falaram o prof. João Taibo Cadorniga, que se congratulou com a classe pela atitude assumida, e o sr. Hilton dos Santos, que solicitou aos estivadores a volta ao trabalho nos navios espanhóis, afirmando que essa atitude dos estivadores era uma atitude digna, mas que ele próprio, na atual situação, iria trabalhar com os estivadores nos porões dos navios, dando assim uma demonstração de que não queria humilhar os estivadores de Santos.

Voltou a usar da plavra o sr. Manoel Cabeças, que, após agradecer a visita do sr. Hilton dos Santos, ressaltou que essa era a primeira vez que um presidente do Instituto visitava e participava dos debates na sede do Sindicato.

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