O Barão de Itararé desenvolvendo sua aplaudida conferência
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Resumo de uma conferência séria de um famoso humorista e jornalista
O Barão de Itararé foi homenageado e aplaudido pelo numeroso público que ontem,
à noite, afluiu ao Teatro Coliseu Santista
Veio ontem à nossa cidade realizar uma conferência, a
convite de um grupo de amigos e admiradores, o conhecido e estimado humorista patrício, Barão de Itararé, diretor de A Manha e da Folha do
Povo. Um grande público compareceu ao Teatro Coliseu Santista, a fim de ouvir e aplaudir esse valoroso escritor que, há muitos anos, vem se
batendo pelos direitos do povo brasileiro e que, ainda recentemente, lutou com desassombro em prol da liberdade de imprensa.
Em nome da comissão promotora, saudou o engraçadíssimo aristocrata progressista
o nosso colega Rubens Ulhôa Cintra, que proferiu um belo e eloqüente discurso, enaltecendo a figura heróica e idealista do criador de tantas páginas
notáveis de humorismo e de sátira de nossa literatura. Afirmou Rubens Ulhôa Cintra que todos os brasileiros amantes da Liberdade se sentem
companheiros de homem tão denodado e sincero, cujas campanhas contra a tirania recebem sempre o apoio e a gratidão do nosso povo.
"As sátiras do Barão de Itararé são aplaudidas pelo povo e temidas pelos poderosos",
asseverou o orador. Terminou expressando a satisfação do público santista em receber e homenagear personalidade tão querida.
Fala o Barão - Logo após o discurso de Rubens Ulhôa Cintra, ergue-se o famoso
Barão, cofiando as suas famosíssimas barbas, e sorrindo modestamente. O público ovacionou-o viva e longamente. Iniciou ele a sua conferência
seriíssima - apesar das constantes gargalhadas da assistência, que gozava as suas boutades, os seus ditos de bom humor, os seus trocadilhos
desopilantes - afirmando que falaria sem nenhum receio de erro ou de crítica, pois de duas coisas estava certo: a primeira era o pensamento de que
"nada de novo há sobre a Terra", e a segunda, a crença de que "todas as tolices já foram ditas".
Agradeceu as palavras do orador que o precedeu, e explicou que o seu trabalho era
humilde, mas que se considerava de fato um lutador pela Liberdade. "Amo a Liberdade até a revolta", garantiu com entusiasmo. "Falarei completamente
à vontade, sem nenhum receio de ridículo ou da crítica", disse o Barão de Itararé. "Se gaguejar, a culpa não será da falta de vocabulário. Não
existe no Brasil falta de vocabulário. O que existe é falta de alimentos e de vestuário..."
Dissertação sobre a Verdade e crítica a Bernard Shaw - "Aqui estou para falar
sobre a Verdade", falou o Barão. "Mas, o que é a Verdade, nestes tempos de tantas transformações?" Contou o humorista que, antes dele, muitos outros
tinham andado à procura da Verdade. Um filósofo organizara, mesmo, um método para a procura da Verdade. Mas, afirmou o conferencista que todos os
métodos resultam inúteis, em virtude das inúmeras transformações que sofrem todas as coisas.
"O homem modifica até os seus princípios básicos", disse. "As verdades mudam conforme
os pontos-de-vista", explicou o diretor da A Manha. "E existem pontos-de-vista extremamente absurdos. Muitas vezes já tenho sido comparado a
homens notáveis. Já tenho sofrido alguns elogios e comparações absolutamente ofensivas. Por exemplo: comparam-me a Bernard Shaw. Eu repilo
essa comparação, por depreciativa. Bernard Shaw é um velho miserável, de longas barbas, que não usa gravata, nem colarinho, por economia. Eu tenho
barbas, mas minha gravata é visível... Se continuarem a me chamar Bernard Shaw do Brasil, irei exigir que chamem também Bernard Shaw o
Barão de Itararé da Inglaterra.
"Também já fui comparado ao Marquês de Maricá, mas sou muito superior. O Marquês de
Maricá disse, por exemplo, que mais vale uma pomba na mão que duas voando. Eu, em contraposição, afirmo que mais valem dois marimbondos
voando do que um na mão. Augusto Comte - filósofo que há pouco citei - dizia que os vivos são cada vez mais governados pelos mortos. E eu
emendo o acatado filósofo afirmando que os vivos cada vez mais são governados pelos mais vivos".
Elogio da Matemática - Apesar de ter emendado Augusto Comte, expressou o
conhecido aristocrata progressista a sua admiração pelo filósofo francês, pois considerava o estudo da Matemática o primeiro degrau para o
conhecimento da Verdade. O Barão fez então o elogio da Matemática, que acredita ser indispensável a todas as pessoas.
"Até ao fazermos compras, precisamos saber Matemática, para não sermos logrados no
troco". E adiante: "É necessário o estudo matemático para termos conhecimento dos valores". Expôs, após, o Barão, singelamente, que "a alta
Matemática está ao alcance de todos, e que, em verdade, ela não passa de simplificação de duas operações: soma e subtração". Afirmou que quem sabe
as duas operações pode também conhecer o cálculo analítico diferencial.
Continuou na enumeração e definição das ciências, que são a base necessária para a
procura da Verdade: a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia e a Sociologia. Por fim, a Moral, que ensina como os seres vivos devem se
comportar para bem viver.
O Barão de Itararé acha o método de Augusto Comte falho. Afirmou que a nossa época já
o superou. A época atômica - na sua opinião - pôs todas as escalas abaixo. "A bomba atômica - asseverou - é uma arma tão violenta, tão destruidora,
que irá matar... a Morte".
Os reinos da Natureza não são três - O Barão de Itararé salientou com ênfase as
últimas descobertas dos sábios nos domínios da energia atômica. Citou Jean Perrin, que afirmou um milímetro cúbico conter 30 milhões de bilhões de
moléculas de azoto que dão cinco milhões de choques entre si. "Se num pouquinho de ar - explicou o Barão - encontramos coisas tão poderosas e
surpreendentes, temos que concluir que esse nada é tudo, e que esse tudo é nada".
Revelou-se o humorista conhecedor, também, de Ciência, contra a classificação dos três
reinos da Natureza: mineral, vegetal e animal. "E o reino da Grã-Bretanha?", perguntou. "E o Reino do Sião?" Discorreu sobre o assunto afirmando que
os reinos são muitos, mais de três, mais de dez, mais de mil.
Está hoje o ensino tão atrasado em relação com a Ciência, que o Barão sugeriu que, em
vez de escolas para o ensino, se criem escolas para desensinar. "A Ciência que nos meteram na cabeça, de nada mais vale", asseverou. "Temos
que recomeçar os nossos estudos para poder procurar a Verdade, que nos foge das mãos. A Verdade acompanha todas as transformações da Matéria e da
Moral (Um homem com fome nunca tem moral...).
"A tolerância é a principal das virtudes. Tenhamos as nossas verdades, mas saibamos
respeitar as verdades do próximo. É verdade, sem dúvida, que cinco mais cinco são dez, mas oito mais dois também são. E sete mais três também. Dá
muitos caminhos diferentes para uma só verdade. A Verdade depende principalmente da nossa posição no tempo e no espaço, e dos nossos miseráveis
sentidos..."
Pasteur e Marx - 2 revoluções - Prosseguiu o conferencista: "Os nossos
conhecimentos são relativos e a nossa Moral é falha". "Devemos reformulá-la". Contou depois casos de falta de hormônios que originaram mudanças de
Moral: "Devemos perdoar aos outros para que também possamos ser perdoados. Os criminosos muitas vezes não passam de doentes. Muitas vezes não
precisam de cadeia e, sim, de hormônios e vitaminas..."
O Barão de Itararé salientou que no século passado (N.E.:
século XIX) houve grandes revoluções: Pasteur e Marx. Narrou que antes de Pasteur os doentes morriam porque os médicos
tinham conhecimentos empíricos. "Pasteur provou que as doenças eram ocasionadas pelos micróbios. Conheceu-se o problema da doença, para ser tratado
o problema da saúde. Os médicos das sociedades - os sociólogos - eram charlatães. Marx revolucionou a Sociologia provando que a doença da sociedade
é a luta de classes. A Humanidade está dividida em classes que se debatem; eis portanto a causa das moléstias sociais".
Fez a crítica do lucro e do Capital, e explicou que na Paz o capitalismo e o
socialismo podem ter entendimentos, como tiveram nos tempos de guerra.
O Barão realçou a necessidade da Cultura, e afirmou mesmo que "a compreensão só poderá
vir com a Cultura". Na sua opinião, o povo está numa situação de inferioridade mental, pois os meios de instrução pertencem apenas aos ricos.
Defendeu a instrução popular e disse achar que todos podem, com reforços, aprender. Defendeu a necessidade de órgãos de imprensa popular que não
tenham o interesse de ocultar a verdade e louvou, nesse momento, a imprensa santista pela sua honestidade.
Citou o caso do general Mossoni, na Argentina, defendendo o seu ponto-de-vista de uma
política nacionalista, independente, sem sujeição ao capital estrangeiro. Terminou o Barão a sua conferência pugnando pela união de todos os
brasileiros, de todos os democratas. "O nosso denominador comum é a luta pela liberdade", afirmou. "Não podemos contar com os fascistas, porque o
fascismo é a Guerra. A União só pode ser feita se contarmos com elementos homogêneos. A água é boa e o leite também. Mas leite com água não presta.
Estraga o leite e suja a água".
O Barão fez uma saudação ao "heróico e generoso povo de Santos" e agradeceu a
homenagem que lhe foi prestada. O numeroso auditório aplaudiu entusiasticamente o famoso Barão, que tem defendido o povo brasileiro mais nobremente
do que qualquer outro nobre nacional.
Um leilão americano - Após a conferência do Barão de Itararé foi leiloado entre
os presentes um exemplar autografado do seu jornal, A Manha. O leiloeiro foi o próprio Barão de Itararé, tendo a iniciativa alcançado pleno.
O leilão americano, iniciado com um lance de 500 cruzeiros, rendeu cinco mil
cruzeiros, total do lance vencedor. O produto destina-se à aquisição das oficinas próprias para o jornal Hoje.
O Barão de Itararé na redação de A Tribuna,
concedendo a interessante entrevista ao nosso companheiro Cassiano Nunes
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Visita a A Tribuna
- Gentilmente acompanhado dos promotores da sua visita a Santos, o Barão de Itararé, após deixar o Coliseu, veio à redação de A Tribuna.
Agradeceu o apoio deste jornal à sua conferência, e as referências feitas, tendo palestrado longamente com o secretário e redatores deste jornal. O
Barão de Itararé visitou todas as dependências de A Tribuna, manifestando-se bem impressionado. Foi-lhe oferecido, bem como às pessoas que o
acompanharam, um "porto", no salão nobre desta folha.
No livro de visitantes, o Barão de Itararé deixou consignadas as seguintes impressões:
"Quando entro num jornal como A Tribuna, me dá vontade de tirar o casaco e afrouxar os cordões dos sapatos, porque me sinto como se estivesse
em minha própria casa. (a) Apporelly. Rio, 25/10/46 - Rio, digo Santos, e Rio, outra vez".
Aparício Torelly, o Barão de Itararé, e sua publicação A Manha
Foto: Almanaque d'A Manha 1955 Segundo Semestre, reedição Studioma, São Paulo/SP,
1995
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