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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOTELARIA
Antigos hotéis e restaurantes santistas (5)

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Em 20 de agosto de 2006, o jornal A Tribuna publicou, nas suas edições impressa e eletrônica, ampla matéria sobre a era de ouro dos cassinos em Santos:
 


Foto: Acervo Monte Serrat, publicada com a matéria

VOLTA AO PASSADO
60 anos sem o glamour dos cassinos

Bacará, roleta, black jack e carteado. Foram tempos de glamour na Cidade. Hoje, 60 anos depois da proibição dos jogos de azar no Brasil, ficou a memória de uma época, quando os cassinos atraíam a sociedade sofisticada de então, com espetáculos de artistas nacionais e estrangeiros.


Resquícios do passado, as fichas de madrepérola serão expostas
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:53
Cassinos: 60 anos sem o glamour dos jogos

Tatiana Lopes
Da Reportagem

Fichas de madrepérola usadas nas apostas. Foi tudo o que restou da época de glamour em que os luxuosos salões do Monte Serrat abrigavam um dos mais importantes cassinos da Cidade, 60 anos depois da proibição dos jogos de azar no Brasil.

O estabelecimento, que funcionou legalmente por quase 20 anos, de 1927 a 1946, era muito bem freqüentado: recebia banqueiros influentes, políticos, juízes e governadores, como Júlio Prestes e Dino Bueno, e até presidentes da República.

Nas décadas de 30 e 40, os cassinos, com jogos de bacará, campista, roleta, black jack e carteado, atraíam a sociedade sofisticada da época, com espetáculos de artistas nacionais e estrangeiros.

"Os cassinos eram ponto de encontro da alta sociedade, grandes personalidades da Baixada Santista e da Capital, empresários, políticos, ricos negociantes, pessoas abastadas, turistas e até aventureiros freqüentavam os estabelecimentos da região", explica o historiador Waldir Rueda, que coleciona várias fotos e jornais antigos da época.

O começo - Antes da proibição dos jogos de azar, em 1946, existiam no País cerca de 70 cassinos, que empregavam aproximadamente 60 mil pessoas.
O primeiro cassino brasileiro entrou em funcionamento no Hotel Copacabana, no Rio de Janeiro. Depois dele, vieram o Atlântico e o Cassino da Urca, famosos pela beleza e pelo luxo.

Na Cidade, também eram bastante freqüentados os cassinos Miramar, Atlântico, Parque Balneário e Coliseu. Em São Vicente, havia o Ilha Porchat Clube e, no Guarujá, o Grande Hotel La Plage.

Mas com o fechamento dos cassinos no Brasil, os turistas migraram para países como Paraguai, Uruguai e Argentina, onde o jogo há muitos anos é regulamentado.
O despachante aduaneiro Laire José Giraud, que coleciona cartões-postais antigos de Santos, comenta que, em um dos seus postais, de 1906, o remetente dizia o seguinte: "Em Santos tudo é feio, a única coisa que salva são os cassinos, que são bonitos e luxuosos".

Mas Giraud discorda: "Se eu pudesse pegar esse sujeito, ele ia escutar umas e outras. Como pode falar assim da minha cidade?".

Segundo a historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, todos os grandes hotéis que existiam na Cidade, naquela época, tinham cassinos. "E todo o grande cassino tinha salas reservadas para as pessoas que não queriam ser vistas".

O historiador José Dionísio de Almeida diz que muitos turistas vinham passar férias ou finais de semanas na praia e aproveitavam para jogar. "Eles ficavam hospedados nos hotéis, com toda a comodidade, e aproveitavam para usufruir dos cassinos".

Monte Serrat - O Cassino do Monte Serrat, inaugurado em 1º de julho de 1927, era procurado por muitos empresários e autoridades que não queriam ser vistos nas mesas de jogos. "Quando chegavam ao bondinho, fechavam as cortinas laterais até que chegassem ao topo", explica a gerente do Complexo Monte Serrat, Carolina Vallejo Ozores, de 24 anos. "Também existia uma sala, no piso inferior, que as mulheres não podiam entrar. Só os homens. No local, era feito o jogo mais pesado".

Na época em que o cassino funcionou clandestinamente, quando o jogo já era proibido no Brasil, o Monte Serrat era visto como ponto estratégico. "Se a polícia fosse fiscalizar o local, só poderia subir pela escada ou pelo bonde e, com isso, os freqüentadores teriam tempo de se espalhar".

O complexo, que inclui os salões, o cassino e os bondinhos, foi construído por seis sócios imigrantes espanhóis. "Dois deles eram meus bisavôs", explica Carolina, que se formou em Turismo para aprender mais sobre o lugar onde cresceu.

Em 1900, o bisavô de Carolina, Manuel Vallejo, na época com 11 anos, veio sozinho de Cresciente, uma cidade da Galícia, na Espanha, para o Brasil. "Ele começou a trabalhar como ajudante de padeiro e dormia em cima de sacos de farinha para juntar dinheiro. E, junto com outros sócios, conseguiu construir tudo isso", conta Carolina, orgulhosa. Atualmente, o estabelecimento é dirigido pela quarta geração da família.

Em 1998, os salões onde funcionaram o cassino foram reinaugurados, mas só para a realização de festas. Os bondes também foram restaurados. Atualmente, o local conta com o café cassino, inaugurado em dezembro do ano passado, onde há uma réplica do balcão original dos tempos do cassino.

No local, pode ser vista a exposição Passeio Através da Fotografia, com fotos de 1927 a 1956. "Temos vários planos. Queremos criar um bar, choperia e restaurante aqui. Mas faltam recursos. O próximo passo é colocar as fichas de apostas em exposição".


Agora vazios, os salões do Monte Serrat recebiam autoridades
que não queriam ser vistas jogando
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria


Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:57
Movimento pela reabertura teve início em Minas Gerais

Logo após a proibição dos jogos de azar no País, em 1946, teve início em Minas Gerais um movimento para reabrir as casas, principalmente porque o Cassino Lambari, daquele estado, funcionava havia apenas um dia quando teve que ser fechado.

Outros cassinos famosos, como o Quitandinha, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e o Grande Hotel de Araxá, em Minas Gerais, também participaram do movimento, já que tinham investido uma grande quantia nos empreendimentos.

As iniciativas não tiveram sucesso mas, desde então, dezenas de projetos de lei já foram apresentados na Câmara Federal, por deputados de vários partidos e estados, com a intenção de reativar os cassinos ou regularizar os jogos de azar no Brasil.

O último, de autoria do deputado Matheus Schimidt (PDT/RS), de nº 91/96, determinava a reabertura dos cassinos no Brasil e legalização do jogo do bicho. O texto chegou a ser aprovado nas comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição, Justiça e Cidadania. Mas em maio deste ano, a proposta foi arquivada.

As alegações dos que defendiam a aprovação desses projetos eram a geração de empregos, o fortalecimento das áreas de turismo e o pagamento de impostos. Já os contrários à reabertura dos cassinos apontavam uma série de irregularidades que poderiam ocorrer, como a lavagem de dinheiro por meio de tráfico de drogas, de armas, além da questão do drama familiar e do problema social gerado pela jogatina e pelo gasto descontrolado com o jogo.

Saída - Para muitos políticos, a liberação do jogo no País, com a reabertura de cassinos na Baixada Santista, seria a saída para impedir que a região se esvaziasse com o agravamento da crise econômica.

Na opinião de empresários, principalmente do setor hoteleiro santista, os cassinos eram a esperança de redenção da economia da Baixada, pela possibilidade de abertura de um novo mercado de trabalho e pelo que os municípios poderiam arrecadar de impostos e outros tributos.

"Na época dos cassinos, havia empregos, táxis rodando pela Cidade, grandes boates e dezenas de restaurantes trabalhando 24 horas por dia", explica o historiador Waldir Rueda.

Um dos defensores dos jogos era o então deputado Athiê Jorge Coury (PDS). Também apoiavam a reabertura dos cassinos vários ex-prefeitos, como Koyu Iha, de São Vicente, e Carlos Frederico Soares Campos, de Cubatão.



Publicações da época destacam as presenças de atores de renome...
Imagem: acervo Waldir Rueda, publicada com a matéria

Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:56
Palcos recebiam atrações nacionais e internacionais

Nas décadas de 30 e 40, época de ouro dos cassinos, os estabelecimentos da região eram palco de suntuosos espetáculos, com os cantores e bandas de fama nacional e internacional. Anúncios em jornais e revistas da época apresentavam os shows e os artistas que iriam se apresentar nos cassinos.

Em um artigo publicado em A Tribuna, em cinco partes, entre os dias 12 de outubro e 9 de novembro de 1992, o historiador e escritor santista Bandeira Júnior detalhava os espetáculos da época. Segundo ele, o Conjunto Pascoal Melilo brilhava no Cassino do Parque Balneário Hotel, com destaque para a lady-crooner Wanda Aranuy.

No tablado giratório do Cassino de São Vicente revezavam-se as orquestas de Luiz Argento e Mário Silva. Já no Grande Hotel La Plage, em Guarujá, os músicos do regente Victor Sérgio acompanhavam os shows de famosos como Margarite Lecuona, Libertad Lamarque, Glória Warrem (Sempre em meu Coração), John Boles (Son cosas de la Vida), Carlos Ramirez (Muñequita Linda) e artistas procedentes de Holywood.

Conforme o texto de Bandeira Júnior, no Cassino Atlântico, atuava a orquestra de Clóvis Mamede, com os cantores Simoney (pai do ator Ney Latorraca) e Janira Rezende, que viria a ser a primeira rainha do Carnaval Santista.

No Miramar, se apresentaram o divo do belcanto Caruso, em 1917, e as feras do Circo Sarrasani, em 1928. No Cassino Monte Serrat, a orquestra do maestro Cloretti explorava o filão da música mexicana, com destaque para Paschoalino Costa.

No Coliseu, mudado para Night Club, apresentou-se em 1943 a Orquesta Carlito Paris, trazendo da Europa a novidade do swing.

Maître - Ainda segundo o artigo do historiador, o melhor maître do País, nesse período, era o santista Luiz Pinto, nascido e criado na Rua do Sol (Barão de Paranapiacaba). Ele começou sua carreira de homem da noite no cassino de São Vicente e demonstrou tais aptidões que logo foi transferido para o Cassino Atlântico.

De acordo com Bandeira Júnior, o porte elegante e as habilidades transformaram-no em maître itinerante por quase todos os cassinos do País.


...como a de Grande Otelo
Imagem: acervo Waldir Rueda, publicada com a matéria


Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:55
Ex-crupiê esperava liberação da atividade

"As pessoas tinham esperança de que quando acabasse o Governo Dutra, que proibiu os jogos de azar, os cassinos seriam reabertos. Mas isso não ocorreu", explica a historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade. Ela se recorda de um vizinho, chamado Daisy Noronha Reis, que trabalhava no Cassino do Parque Balneário como crupiê (empregado que dirige os jogos e é responsável por pagar e recolher as apostas).

"Certa ocasião, quando estive na casa dele (na época o jogo já estava proibido), fiquei impressionada com sua habilidade e rapidez com as mãos. Ele espalhava as fichas de apostas em cima da mesa e, em segundos, formava montes, todos da mesma altura e com as mesmas cores, como se as deixassem prontas para jogar", conta Wilma. Segundo a historiadora, o vizinho fazia aquilo para não perder a agilidade manual, caso o jogo voltasse a ser permitido.

Helena precisou manter a casa
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

A viúva do crupiê, Helena Delgado Reis, era costureira e teve que manter a casa quando Reis parou de trabalhar nos cassinos. Ela diz que o marido ganhava mais nos cassinos, aos finais de semana, do que como vigia no cais, sua outra atividade profissional. Depois de trabalhar no Balneário, exerceu a mesma função no Atlântico.

"Ele ficou cerca de cinco anos trabalhando em cassinos, parte desse período quando os estabelecimentos já funcionavam na clandestinidade. Mas esse foi o melhor período, pois ganhava mais", lembra Helena.

A costureira comentou que os cassinos eram avisados quando estava para chegar um fiscal. "Então, os funcionários ficavam uma semana sem trabalhar. Depois, o fiscal ia embora e eles voltavam às atividades normais", recordou.

"Meu pai comentava que tinha mordomias para trabalhar lá. Um carro com motorista ia buscá-lo, porque ele era o responsável pelas fichas da mesa", lembra a filha de Daisy, a jornalista Cléa Noronha Reis.

Reis começou a trabalhar em cassinos com cerca de 25 anos, mas sempre esperava que os estabelecimentos fossem reabertos. O ex-crupiê morreu em 11 de março de 1976.


Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:54
Balneário era um dos mais famosos

O antigo Parque Balneário Hotel abrigava um dos mais famosos e luxuosos cassinos do País. Fundado em 1895, o estabelecimento foi adquirido pelos irmãos Fraccaroli (João, Henrique, Aldo, José e Alberto), em 1912.

Na época, o hotel era uma construção pequena. Mas depois das reformas iniciadas em 1922, passou a ocupar um quarteirão inteiro - limitado pelas avenidas Presidente Wilson e Ana Costa e pelas ruas Fernão Dias e Carlos Afonseca.
Em sua fase áurea, o Parque Balneário contava com cinco salões: o dourado, de banquetes; o Kursall, de jogos; o restaurante; o salão de leitura; e o carteado, além de uma boate e um jardim que tinha pista de dança e fonte luminosa.

Com a proibição dos jogos de azar e devido às crises que assolaram o País, o Parque Balneário entrou em decadência na década de 60 e, em 1966, foi vendido ao Santos Futebol Clube.

Mas problemas com o pagamento do imóvel fizeram com que os Fraccaroli retomassem o hotel, que foi vendido novamente em 1972, desta vez a um grupo financeiro que, em 1976, iniciou sua demolição. Em seu lugar, foram construídos o atual hotel, o shopping e outros prédios.

  

Palace era freqüentado por imigrantes italianos

  

Palace Hotel - Localizado na Praia do José Menino, o Palace Hotel foi inaugurado em 5 de março de 1910 por Manuel Alves Tomás, com esculturas, lustres de cristal e outros detalhes luxuosos. No local, até 1946, funcionou um cassino, muito freqüentado por italianos que imigraram e seus descendentes.

O hotel hospedou personagens famosos como o governador paulista Adhemar de Barros, os cantores Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves e Ângela Maria, e o ex-presidente Jânio Quadros. O prédio foi vendido em 1964 e demolido. No lugar, foi construído, em 1973, o Condomínio Edifício Universo Palace.

Outros cassinos - O Atlântico Hotel, situado à esquina das avenidas Presidente Wilson e Ana Costa, no Gonzaga, foi inaugurado em 29 de novembro de 1928. Na época, o imóvel, de cinco andares, comportava ainda um teatro e um cassino — o mais concorrido entre os jogadores de classe média alta.

Outro estabelecimento santista era o Cassino Recreio Miramar. Inaugurado em 12 de janeiro de 1896, funcionou na Praia do Boqueirão, no final da Avenida Conselheiro Nébias, até 1940, quando as instalações foram demolidas.
O prédio ocupava toda uma quadra entre a Avenida Conselheiro Nébias e a Rua Oswaldo Cruz, nos anos 30. O complexo era formado por hotel, cinema e teatro ao ar livre.

Outros locais que possuíam cassinos na Cidade eram o Coliseu e os hotéis Internacional, no José Menino, e Belvedere, na praia do Gonzaga, ao lado do Atlântico.


Freqüência nos estabelecimentos gerava empregos
e movimentava restaurantes e boates na Cidade
Foto: arquivo Monte Serrat, publicada com a matéria


Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:54
São Vicente e Guarujá também tinham casas importantes

Na região existiam outros dois grandes cassinos, que concorriam com os estabelecimentos de Santos.

O Cassino de São Vicente promovia matinês dançantes aos domingos, com renomadas orquestras e shows de astros e estrelas de renome internacional. Conhecido como Cassino da Ilha Encantada, o estabelecimento funcionava na subida da Ilha Porchat, ao lado da Praia do Itararé.

Num de seus livros, Milton Teixeira fala sobre a participação do ex-deputado Athiê Jorge Coury na construção desse cassino. Conforme a obra de Teixeira, Domingos Alonso Fernandes, na época diretor do Atlântico Hotel, confiou a Coury a missão de comprar a área onde está situada a Ilha Porchat, pois pretendia ali edificar o hotel-cassino, em sociedade com os irmãos Fraccaroli, proprietários do Parque Balneário Hotel. Em certa ocasião, Fernandes lhe entregou a importância de 1 mil contos de réis para que ele efetuasse o negócio.

Em 30 de setembro de 1964, quando ainda funcionava o cassino, o local foi adquirido por um grupo de paulistas. Depois, com a proibição dos jogos no Brasil, a área foi loteada e vendida a particulares, surgindo belas residências de veraneio e, posteriormente, os majestosos edifícios erguidos em seu contorno. No lugar do antigo cassino, foi construída a sede do tradicional Ilha Porchat Clube.

Grande Hotel - O Grande Hotel La Plage, que ficava na Praia de Pitangueiras, onde hoje é um shopping center, era um dos mais famosos estabelecimentos hoteleiros do Guarujá. 

O prédio foi destruído por um incêndio, em dezembro de 1897, e reconstruído, na forma de uma instalação modesta, em alvenaria. Mas em 1912 foi substituído pela terceira versão do hotel. Essa edificação teve sua imagem espalhada pelo mundo, em fotos, pinturas e cartões-postais.

O local, que contava com um belo cassino, freqüentado pelos grandes milionários de São Paulo, era o maior concorrente do Parque Balneário.


Estabelecimentos concorriam com o Recreio Miramar, em Santos
Foto: acervo Laire José Giraud, publicada com a matéria


Domingo, 20 de Agosto de 2006, 07:58
"A Tribuna" anunciava o fim dos jogos de azar no Brasil

Na edição do dia 1º de maio de 1946, A Tribuna noticiou a extinção dos jogos de azar no Brasil. O Decreto-Lei nº 9.215, assinado em 30 de abril pelo então presidente da República Eurico Gaspar Dutra, restaurava em todo o território nacional a vigência do artigo 50 e seus parágrafos da lei de Contravenções Penais.

Segundo a reportagem da época, as razões alegadas para a decretação da medida faziam referência à tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro.
As conseqüências desse ato foram sentidas no mesmo dia. Na Cidade, os cassinos foram fechados e houve uma diminuição sensível do movimento noturno nos estabelecimentos situados no Gonzaga.

Um artigo publicado no dia 3 de maio questionava se seria extinta a paixão dos brasileiros pelos jogos de azar. "Teremos o baralho, a roleta, os dados deslocando-se dos clubes e cassinos para os lares. Os pequenos cassinos domésticos irão progredir de maneira espantosa", dizia o artigo.

Influências - Dutra, que tinha assumido a presidência em 30 de janeiro de 1946 pelo voto popular e com o apoio dos proprietários de cassinos, sofreu duas fortes influências para acabar com o jogo.

A primeira, da mulher Carmela, conhecida como Dona Santinha, por causa da sua carolice e ligações com o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jayme de Barros Câmara. E a segunda e mais decisiva, de seu ministro da Justiça, Carlos Luz, que, candidato ao governo de Minas Gerais, estava de olho no eleitorado conservador mineiro.

No mesmo dia da publicação do decreto, o cardeal dom Jayme Câmara, chefe supremo da Igreja Católica no Brasil, disse que já esperava tal medida que, segundo ele, se impunha para elevar o nível moral e social dos brasileiros.


Casas da região, como a da Ilha Porchat, sentiram os reflexos
Foto: acervo Waldir Rueda, publicada com a matéria

O texto da matéria de 1º de maio de 1946 de A Tribuna:

A extinção do jogo

Comentários em torno do decreto-lei de ontem, do governo federal

RIO, 30 (Especial) - Estava hoje reunido o Ministério, sob a presidência do general Gaspar Dutra. Durante a reunião, segundo soube a reportagem, debateu-se a questão do jogo e, afinal, concretizou-se aquilo que até há pouco era tido como simples boato. Durante a reunião, o presidente da República assinou um decreto-lei extinguindo os jogos de azar em todo o território nacional, assim redigido:

"O presidente da República, quando da atribuição que lhe confere o artigo 185 da Constituição:

"Considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal;

"Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a esse fim;

"Considerando que a tradição, moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração dos jogos de azar;

"Considerando que de tais exceções abertas à lei geral decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes;

"Considerando que as licenças e concessões para postura e exploração dos jogos de azar na capital federal e estâncias hidroterápicas, balneárias ou climáticas foram dadas a título precário, podendo ser cassadas a qualquer momento,

"Decreta:

"Artigo 1º - Fica restaurada, em todo o território nacional, a vigência do artigo 50 e seus parágrafos da lei de contravenções penais, decreto-lei n. 3.688, de 2 de outubro de 1941.

"Artigo 2º - Esta lei revoga os decretos-leis ns. 241, de 4 de fevereiro de 1938, 6.083, de 15 de dezembro de 1942, e 5.192, de 14 de janeiro de 1943, e as disposições em contrário.

"Artigo 3º - Ficam declaradas nulas e sem efeito todas as licenças, concessões ou autorizações dadas pelas autoridades federais, estaduais ou municipais com fundamentos nas leis ora revogadas ou de qualquer forma contenham autorizações em contrário ao disposto no artigo 30 e seus parágrafos da lei de Contravenções Penais.

"Artigo 4º - Esta lei entra em vigor na data da sua publicação".

Após a reunião ministerial, a reportagem abordou o ministro da Justiça, perguntando se o chamado "jogo do bicho" também seria combatido. Esclareceu o sr. Carlos Luz que a execução do decreto recém-assinado pelo chefe da nação cabia ao chefe da Polícia. Estava, porém, entendido que apenas a Loteria Federal continuaria a funcionar, em virtude de uma concessão.

A notícia sobre a extinção do jogo teve forte repercussão nesta capital e o efeito de uma "bomba atômica", usando-se a linguagem em voga.


Jornal detalhou o decreto
Foto: arquivo A Tribuna, publicada com a matéria

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