FEBEANET
Brasil se ejeta da corrida espacial
Verdadeiro
festival de absurdos está contido no acordo entre os governos do
Brasil e dos Estados Unidos para uso pelos EUA da Base de Lançamentos
de Alcântara, no Maranhão. O maior absurdo é que o
acordo fere claramente a soberania brasileira sobre seu próprio
território, já que a partir dele os EUA passam a ter pleno
direito de agir como quiserem, com seus representantes entrando e saindo
de território (que era) brasileiro, com quaisquer cargas, sem que
o Brasil possa exercer a necessária fiscalização.
Além disso, o Brasil perde a soberania de negociar com outros países
quaisquer acordos que não tenham a bênção dos
EUA (artigo III, alínea F).
Indefinido - O mais interessante
é que tal acordo não se define, nem tem definição
clara pelo governo brasileiro, pois nas versões preliminares era
chamado de acordo de cooperação e na versão final
virou acordo de salvaguardas tecnológicas.
Se é um contrato de aluguel,
em lugar algum está especificado o valor da locação.
Existe apenas a restrição - mais um atentado à soberania
brasileira - de que a renda obtida com tal acordo não poderá
ser empregada no programa espacial brasileiro (exceto na melhoria de acessos
e instalações que facilitem as atividades para os norte-americanos,
conforme o artigo III, 1, E). Mas o governo diz que não é
acordo de aluguel e que os recursos obtidos se diluirão no caixa
único do Tesouro Nacional, que é soberano para aplicá-los
como desejar. De qualquer forma, mesmo sendo inútil na prática,
o que faz em tal acordo uma cláusula assim, subordinando apenas
o Brasil, em vez de exigir o mesmo dos dois signatários? Por que
não é exigido o mesmo dos EUA, que os recursos obtidos com
os lançamentos não sejam empregados no programa espacial
estadunidense?
Se é um acordo de salvaguarda
de interesses, torna-se desnecessário como instrumento entre países,
já que existem para isso acordos internacionais e legislações
nacionais. Mesmo os acordos bilaterais costumam ter um caráter mais
genérico, enquanto o documento recém-assinado lembra mais
um contrato. Entre empresas, tais interesses seriam salvaguardados nos
próprios contratos, que aliás não podem ferir leis
nacionais e acordos internacionais.
Se, entretanto, como afirma em seu
título, é um acordo de cooperação, entre dois
países, não há informação alguma sobre
que cooperação estará sendo prestada pelos Estados
Unidos ao Brasil em contrapartida à cooperação brasileira.
Por exemplo, em nenhum ponto há a referência de que o Brasil
ganha direito de acesso ao Centro de Lançamento da NASA nas mesmas
condições, podendo transitar por território norte-americano
com pessoas e equipamentos lacrados livres da vigilância aduaneira
daquele país, ou que o Brasil terá, em reciprocidade, direito
a uma área exclusiva para suas atividades em Houston, na qual só
poderão entrar pessoas autorizadas pelo governo brasileiro.
Pelo contrário, a preocupação
maior do acordo é justamente evitar que o Brasil se beneficie de
alguma forma com a transferência de tecnologia. É notável
como até a soberania brasileira é desrespeitada seguidamente,
para garantir o sigilo das operações norte-americanas em
território brasileiro. Se os EUA quiserem lançar desde Alcântara
foguetes com ogivas nucleares, o Brasil só ficará sabendo
quando elas explodirem, ou após algum acidente provocar vazamento
radioativo durante o percurso das cargas lacradas pelas cidades e estradas
brasileiras... (não há qualquer salvaguarda quanto a isso
no documento... seria proposital? Bom lembrar que os EUA recém-decidiram
revogar unilateralmente a participação no acordo ABM de restrição
a anti-mísseis balísticos e estão empenhados no projeto
Guerra nas Estrelas).
Mesmo que tal acordo seja parte de
um conjunto de entendimentos, a serem (ou que já tenham sido) complementados
por outros documentos, não há nenhuma referência a
esses outros documentos bilaterais, vinculando tal acordo de cooperação
a tais entendimentos. Com isso, tal acordo tem "vida" própria, dando
a uma potência estrangeira direitos de soberania sobre território
nacional sem exigir qualquer contrapartida. Deixa de ser uma relação
de troca, saudável ou não, para se tornar um acordo de cessão
de direitos. Como os que os vencidos costumam assinar com os vencedores,
ao final de uma guerra. Só que nem precisou haver guerra, a julgar
pelos dados disponíveis o Brasil já se rendeu por antecipação...
Sem fiscalização
- Pelo acordo, o Brasil na prática cede aos EUA parte de seu território,
pois perde o direito de fiscalizá-lo (artigo VI) e de que qualquer
de seus cidadãos por ele transite sem a permissão expressa
dos Estados Unidos. Perde também o direito de fiscalização
aduaneira de cargas destinadas à base de Alcântara (artigo
VII, 1, B), podendo os EUA transitar por portos, estradas e cidades brasileiras
com tais cargas sem que o governo brasileiro tenha ao menos o direito de
conferir o que está nelas contido. Mais: estrangeiros autorizados
pelo governo norte-americano poderão transitar livremente pelo Brasil,
acompanhando tais cargas (artigo VI, 3).
Com isso, fica anulada na prática
a alegação (apresentada em documento aos congressistas pelo
Ministério de Ciência e Tecnologia, em 5/8/2001) de que o
governo brasileiro mantém soberania inclusive militar sobre o centro
de lançamentos de Alcântara: como fiscalizar, se não
tem acesso pleno? E onde está no acordo a proibição
da presença de militares estrangeiros, ainda mais que o texto obriga
o Brasil a permitir o acesso e trânsito das pessoas ("servidores
do governo dos Estados Unidos da América", artigo VI, 3) designadas
pelos norte-americanos? Aliás, a fiscalização das
cargas lacradas será feita pelas autoridades brasileiras mediante
documentos emitidos pelos EUA, sendo vetada pelo acordo a conferência
física da carga pelo Brasil (artigo VII, 1, B).
Até o direito à informação,
tão caro aos Estados Unidos que se sobrepõe a outros na Constituição
daquele país, é restringido no acordo de Alcântara,
na medida em que, caso ocorra um acidente e partes dos veículos
lançadores ou de suas cargas caiam em território brasileiro,
o governo impedirá que eles sejam "fotografados de qualquer maneira"
(artigo VIII, 3, B). Ora, em tais situações é problema
dos interessados tentar ocultar as informações, não
se podendo negar ao jornalista o direito de divulgar as informações
que obtiver. Como em uma guerra, aliás: os governos podem ocultar
ou omitir informações que considerem importantes, mas não
têm o direito de impedir que cheguem ao público as informações
que a imprensa conseguir.
Cancelamento - Se o Brasil
quiser cancelar o acordo por qualquer motivo, terá de manter a vigência
do mesmo por ao menos um ano após a notificação aos
EUA (artigo X, 3). O acordo não expressa qualquer restrição
ao uso da base de Alcântara para fins militares, até mesmo
contra países amigos do Brasil. Na prática, pode-se entender
que obrigatoriamente todo inimigo dos EUA será automaticamente inimigo
do Brasil, sem que os brasileiros possam ao menos deliberar sobre isso.
O que significa efetivamente o preâmbulo "cooperação
realizada sob a égide do Acordo-Quadro entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre
a Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior,
assinado em 1º de março de 1996", quando os EUA estão
denunciando tais acordos e se propondo a militarizar o uso do espaço
exterior?
Curiosamente, um item interessante
do acordo, que permite anulá-lo (se algum governante brasileiro
tiver coragem para tal), é a alínea 1 do artigo III, onde
consta: "A República Federativa do Brasil não permitirá
o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara,
de cargas (...) cujos governos, a juízo de qualquer das Partes,
tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional".
Ora, mesmo não contando estranhas intervenções em
países da América Central, da África etc., o simples
fato de os Estados Unidos terem dado apoio logístico e financeiro
ao terrorista internacional Osama Bin Laden, durante todo o tempo em que
este agiu contra os russos no Afeganistão, já bastaria para
caracterizar o governo estadunidense, "a juizo de qualquer das Partes",
está incurso nesse dispositivo. Seria interessante, para variar
um pouco, ver o Tio Sam usar sua dialética para sair dessa, sem
usar a força bruta!
Valores - Como alerta a Rede
Praxis, que em
suas páginas Web denuncia a manobra, tudo isso está sendo
feito para que o Brasil receba US$ 40 milhões/ano, em troca de benefícios
quase inestimáveis ao mercado internacional de lançamento
de foguetes (estimado em US$ 4,5 bilhões/ano, 80% em mãos
norte-americanas): o simples fato do Centro de Lançamento de Alcântara
(que custou ao Brasil algo como US$ 300 milhões) estar posicionado
junto à linha do Equador permite economia de até 31% no combustível
usado para a propulsão de tais veículos.
Nem é bom (para os EUA) lembrar
que uns 30% a menos de combustível também podem significar
cerca de 30% mais de espaço vendido para transporte de carga útil.
Há outras vantagens, como a maior "janela" para lançamentos
(períodos em que há condições adequadas para
a colocação de satélites em órbita) e a maior
ocorrência de dias com clima favorável, em relação
às instalações nos EUA. O que significa maior número
de lançamentos possíveis, com mais carga comercial enviada
ao espaço.
Benefício colateral para os
norte-americanos é garantir o afastamento de pretensões brasileiras
à participação na corrida espacial, já que
o local onde grande parte das pesquisas brasileiras vinha sendo feita agora
fica praticamente tomado pelos "licenciados" dos EUA, restringindo-se o
acesso brasileiro ao local.
Detalhe final: não há
uma linha no acordo para salvaguardar a tecnologia brasileira, garantindo
que ela fique livre de alguma "inspeção" por autoridades
estrangeiras (que poderá ser feita até sem prévio
aviso ao Brasil - só depois de feita tal inspeção
os brasileiros ficarão sabendo - talvez - se, por acaso,
não terão sido fiscalizados também os segredos
nacionais). A propósito, embora o acordo inicial seja aprovado pelos
dois governos, seus termos podem ser modificados ("emendados") com base
em negociações diretas entre as partes (Artigo X, 2). Em
tese, cada novo acordo também deve ser apresentado ao Congresso
para exame, mas na prática não é impossível
que ocorram ajustes em nível diplomático, não levados
à deliberação pelo Legislativo. Muitos ajustes secretos
já foram feitos entre governos no passado, o que permite tal especulação.
Por tudo o acima demonstrado, e principalmente
pela forma como foi e é impedido à sociedade brasileira o
pleno debate sobre o texto, o acordo de Alcântara está devidamente
lançado nos anais deste Festival de Besteiras que Assola a Internet
(Febeanet)...
Veja mais:
As
"explicações" do governo brasileiro ao Congresso
O
acordo (fac-símile) entre Brasil e EUA:
páginas
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