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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - LIVROS
Séc.XX - por Edith Pires Gonçalves Dias (05)

Um passeio pela cidade de Santos, com os olhos que a viram durante boa parte do Clique na imagem para ir ao índice deste livroséculo XX: assim é a obra Santos de Ontem, de Edith Pires Gonçalves Dias, publicada em 2005 pela autora, com apoio cultural da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e Museu Martins Fontes (mantido pelo Instituto Cultural Edith Pires Gonçalves Dias), todas instituições santistas.

Com 179 páginas, o livro teve curadoria de Rafael Moraes, revisão de Manuela Esquivel Rodriguez Montero e Manuel Leopoldo Rodriguez Montero, capa de Marco A. Panchorra, projeto gráfico de Marcelo da Silva Franco, colaboração de Cynthia Esquivel e impressão Cromosete. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 51 a 65:

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Santos de ontem

Edith Pires Gonçalves Dias

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MISERICÓRDIA

Como uma das cidades mais antigas do Brasil e um dos pontos iniciais de sua colonização, Santos detém alguns pioneirismos, que faremos desfilar, a partir da Santa Casa de Misericórdia de Santos, mantida pela irmandade do mesmo nome, e tida como a pessoa jurídica mais antiga do Brasil.

Braz Cubas, no dia primeiro de novembro de 1543, criou o hospital que viria a ser "Casa de Deus para os Homens" e "Porta Aberta ao Mar". A primitiva Santa Casa foi erguida ao pé de uma pequena elevação, onde também foi construído o Outeiro, marco do início da povoação de Enguaguaçu, nome primitivo da vila de Santos. Também nesse local foi construída uma capela, a primeira de nossa cidade.

Para nós, santistas, é motivo de orgulho saber que nossa cidade teve o privilégio de construir o primeiro hospital destinado a atender a quantos eram acometidos de várias enfermidades. A trajetória desse hospital é uma demonstração de quanto tem sido importante para nossa cidade e quão justo foi dar-lhe o nome de Santa Casa de Misericórdia, visto atender com igual atenção a todos que a ela recorrem. No contexto da história, esta a razão de conferir a Santos a designação de Terra da Caridade.

Antes de chegar ao atual imóvel, que foi inaugurado no dia 2 de julho de 1945, ela esteve na Avenida São Francisco, em pequena elevação, no sopé do Monte Serrat, onde hoje se encontra o Túnel Rubens Ferreira Martins. Era um grande prédio construído para atender ao crescimento da população.

Num plano mais alto, bem atrás do corpo principal do hospital, foi construída a Enfermaria de Tuberculosos, que atendia não somente à população santista, mas também a um grande número de enfermos de todo o litoral, na época em que a tuberculose era incurável.

Mas uma tragédia condenou essa casa hospitalar. Em março de 1928, em razão de chuvas torrenciais, desabou uma grande parte do Monte Serrat, atingindo principalmente a grande enfermaria de tuberculosos. Também várias casas que vinham sendo construídas na encosta do morro foram atingidas pela grande avalanche de terra e muitas vidas foram perdidas.

Estava eu com 8 anos apenas, mas pude perceber a tristeza que se abateu em nossa cidade e em minha família. Era madrugada quando avisaram ao meu pai a triste ocorrência, uma vez que ele fazia parte da administração da Santa Casa. Ele devia participar das providências a serem tomadas no sentido de minimizar os efeitos dessa tragédia no tão querido hospital.

Logo cedo percorreu as firmas de café, onde era muito relacionado, e, através de uma lista de contribuições, conseguiu recursos para a Santa Casa. Benquisto como era, amealhou uma grande quantia, provando o quão generoso é o povo desta cidade.

Os jornais deram grande destaque ao acontecimento, fazendo um alerta para que outras famílias não fossem atingidas por um novo desmoronamento, evitando os pontos de maior risco.

Alguns dias depois do sinistro, meu pai recebeu uma coleção de fotografias da grande tragédia, mas não me foi permitido vê-las, certamente para que não ficasse impressionada. Muitos anos depois, quando as conheci, pude avaliar a extensão desse desastre.

Bombeiros, esses heróis que se fazem presentes nos momentos mais trágicos, retiraram os cadáveres das pessoas soterradas pela grande avalanche de terra, fato que fez nascer em mim profunda admiração pelos bombeiros. Eles estão sempre presentes e se destacam pela disciplina, eficiência e coragem, pois não são poucas as vezes em que suas próprias vidas estão em jogo.

Na época dessa grande tragédia, fora construído bem ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat um grande prédio onde passou a funcionar um cassino, inaugurado em 1927. A crendice popular atribuiu a catástrofe a esse fato, pois achava profana a vizinhança de uma casa de jogos, incompatível com um templo religioso.

Mas, na verdade, sabemos que Deus não castiga. O desastre ocorreu em decorrência das fortes chuvas que se abateram sobre a cidade. Até hoje ocorrem nessa época do ano, pondo em risco os que residem nas encostas de outros morros existentes na cidade. Recorda-se que fatos parecidos por mais duas vezes, nos dias 1º e 29 de março de 1956.

Daquela ocorrência de 1927, adveio a necessidade de se construir um novo hospital, em local mais seguro, o que foi feito aos poucos. Pelo vulto da obra, levou muitos anos para ser concluído. Mas valeu o empenho de quantos a ela se dedicaram, pois a Santa Casa continua sua marcha abençoada, símbolo de caridade indistinta, atendendo não apenas a população local, mas também doentes vindos de outras cidades, que nela encontram a acolhida necessária.

Hoje ela é um dos hospitais mais bem aparelhados de nossa época. O seu pioneirismo é seu grande galardão. As finalidades continuam sendo as mesmas desde a primeira Santa Casa, tão modesta fisicamente, mas tão grandiosa em seu desempenho.

Como todas as instituições longevas, a Santa Casa teve momentos difíceis, de lutas enormes, chegando a paralisar seu atendimento. Felizmente por pouco tempo. Mas, graças à generosidade e à dedicação de muitos abnegados cidadãos, que a ela têm se dedicado, ocupando diferentes cargos e enfrentando corajosamente todas as lutas, ela se projeta com a magnitude que merece. E, semelhante a uma mãe amorosa, está sempre de braços abertos para receber a todos que necessitem de assistência médica.

Na pessoa de seu atual provedor Manoel Lourenço das Neves, que há anos vem dando o melhor de si por esse hospital, gerindo-o com grande sabedoria, homenageamos todos aqueles que por ali passaram, dando continuidade a essa grande missão, oferecendo reais serviços por uma nobre e santa causa.

SOCIEDADE HUMANITÁRIA

A Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos foi pioneira no serviço de mutualismo. Em meio à segunda metade do século XIX, despontaram as primeiras idéias no sentido de se organizar uma associação que zelasse pelos interesses de quantos exerciam suas funções nos variados ramos do comércio de nossa cidade, que começava a se desenvolver em todos os sentidos. Mas essas atividades não obedeciam a diretrizes uniformes. Um mesmo funcionário exercia várias funções e nem sempre o seu ganho correspondia ao volume de seus trabalhos. Não tinham qualquer amparo jurídico, nem direito à assistência médica, férias regulares e outras regalias.

Tudo começou quando foi fundado em nossa cidade, em março de 1879, o Clube Literário Xavier da Silveira, uma homenagem a esse ilustre cidadão que nasceu em Santos em 1840 e aqui faleceu em 1874. Ele começou suas atividades no comércio, dando exemplos de dedicação ao trabalho. Foi auxiliar de escritório e guarda-livros. Conseguiu estudar Direito em 1865, mas pouco tempo pôde exercer essa profissão, vez que vitimado pela epidemia de varíola aqui ocorrida.

Fazia parte desse clube Augusto Vieira, que teve a feliz idéia de criar a Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio. Era um sonho acalentado há muito tempo, que viria a se tornar realidade. Havia um professor chamado Antonio Manuel Fernandes, fundador da Escola do Povo, que, interessado pelo assunto, colocou sua residência à disposição do grupo, dando-se então os primeiros passos para a concretização de seus ideais. Ele residia no Largo da Coroação nº 11, hoje Praça Mauá.

No dia doze de outubro de 1879, foi oficialmente fundada a Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos, sendo considerados seus primeiros fundadores Augusto Vieira, José Bento Fernandes e José Bernardes de Oliveira.

Com grande presteza, foram elaborados os seus estatutos sociais, sendo a seguir eleita a sua primeira diretoria: presidente, Floriano dos Santos Castro; vice-presidente, João Nepomuceno Freire; 1º secretário, José Francisco Pinto Martins; 2º secretário, José Bernardes de Oliveira; 1º tesoureiro, Antonio Domingues Martins; 2º tesoureiro, Manoel Joaquim Borges Júnior; Beneficente, José Bento Fernandes; procurador, Antonio Rodrigues Lopes. E, como conselheiros, foram eleitos: Fernando do Amaral Ribeiro, Francisco Antonio de Souza Júnior, José Domingues Martins e Pedro Alcântara de Souza Aranha.

Esses foram os precursores da entidade destinada a defender o mutualismo entre a classe dos comerciários. A princípio, a entidade funcionou na Escola do Povo e, algum tempo depois, no Consistório da Santa Casa. Mais tarde, passou a ocupar uma sala na Rua 28 de Setembro número 1, mas esse imóvel foi adquirido em 1897 pela Câmara Municipal, com o propósito de proceder sua demolição. Não esmorecendo, a sociedade superou os percalços, e alugou uma casa localizada na Rua Santo Antonio número 55.

A par da expansão de suas atividades, a sociedade viu crescer o número de associados e adquiriu um terreno na Rua Amador Bueno número 256, com vistas a ter uma sede própria. Na gestão do presidente Adolf Ferdinand Von Sydow, iniciou-se a construção, ocorrendo sua inauguração aos 7 de setembro de 1891.

Depois da passagem por vários lugares, instalou-se finalmente em casa própria. Mas, dentro de algum tempo, as instalações se tornaram insuficientes, razão da venda do imóvel e retorno a um prédio alugado, desta feita na Rua XV de Novembro.

Vários presidentes passaram pela centenária instituição, todos buscando o progresso da sociedade, que cresceu em todos os sentidos, até que, em 1923, sendo presidente José Abelardo Monteiro de Barros, decidiu-se pela construção da majestosa sede hoje existente na Praça José Bonifácio número 59.

A pedra fundamental foi lançada em fevereiro de 1929 e a edificação inaugurada em outubro de 1931, sob manifestações de alegria de dirigentes e associados, quando a sociedade completava 52 anos de existência.

Intensificaram-se, então, os trabalhos da entidade, especialmente na área de assistência médica. Não eram restritos apenas aos sócios, já numerosos, mas onde quer que sua ajuda fosse necessária. Prosseguindo em sua gloriosa existência, conquistou, em 1949, o galardão de utilidade pública, conferido pela Câmara Municipal de Santos.

Sua atual sede possui várias lojas e salas comerciais alugadas, oferecendo receitas que reforçam seu orçamento. Sua biblioteca, a maior de Santos, possui riquíssimo acervo. É procurada por todos que se envolvem em pesquisas e trabalhos literários ou históricos. É local ideal de leitura, haja vista as ótimas instalações, que oferecem também jornais diários e revistas semanais ou mensais.

No acervo, além de coleções de revistas antigas, que não mais se publicam, estão os livros que pertenceram ao dr. Silvério Fontes. Após sua morte, esses livros foram doados por seu filho, o imortal médico e poeta Martins Fontes, nos termos da carta por ele dirigida ao presidente Armando Monteiro de Barros, até hoje emoldurada em uma das paredes da biblioteca. Martins Fontes atendia em consultório médico instalado na sede da Humanitária e, após as consultas, permanecia na biblioteca, em contato com os livros que pertenceram ao seu pai, seu ídolo, mestre e conselheiro.

A Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos é motivo de justo orgulho para os santistas. Em meados do século XX, sua atual sede foi palco de intensa vida social. Ali se realizaram múltiplos eventos, até mesmo de outras entidades, como festas de formatura de muitas escolas, bailes de carnaval e até festas do Clube Atlético Santista, antes de ocupar sua magnífica sede da Avenida Washington Luiz. Também se realizaram conferências de figuras proeminentes como o dr. Plínio Salgado, político e escritor que foi uma das figuras mais cultas do Brasil em toda sua história.

A Humanitária é hoje presidida pelo sr. Pedro Mahfuz, de larga vivência no comércio de Santos, imprimindo em sua dinâmica gestão, vistas a preservar o patrimônio sócio-cultural da entidade.

O PORTO DE SANTOS

Embora houvesse ancoradouros em vários pontos da costa brasileira, em Santos foi construído o primeiro porto. Este teria papel significativo no comércio exterior, bem como na entrada de imigrantes que, entusiasmados com o crescimento de nosso país, aqui desembarcaram para tentar uma nova vida, contribuindo para o vertiginoso desenvolvimento da agricultura e da indústria. Seus ideais e sonhos eram elevados e muitas fortunas se fizeram no Brasil, resultantes do trabalho e esforço desses sonhadores.

Naquela época era comum a presença de corsários, de aventureiros que aqui aportavam para nos atingir de alguma forma. Para se precaver contra eles, Braz Cubas, que recebera as terras ao largo do povoado de Enguaguaçu, transferiu o primitivo Porto da Vila de São Vicente, do local onde hoje se encontra a Ponte dos Práticos, na Ponta da Praia, para local próximo ao outeiro. Passou a chamar-se Porto do Bispo e o notável pintor Benedito Calixto usou-o como inspiração de muitas de suas telas, retratando, com fidelidade e beleza, as embarcações que ali aportavam.

O movimento cresceu com o passar dos anos, daí a necessidade de se construir um ancoradouro mais eficiente, que viesse a corresponder à evolução da indústria naval. Em 1888, Francisco de Paula Ribeiro, J. Pinto de Oliveira, Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle, assinaram com o governo um contrato para construção do cais, cujo início seria em 1889. Foi então constatado que, por uma lei criada em 1866, o conde de Estrela e Andrade Pinto, haviam obtido a concessão para a mesma obra, mas, como não puderam viabilizá-la no prazo estipulado pelo governo da Província de São Paulo, a concessão foi declarada caduca.

Logo depois, um novo projeto foi apresentado, e aberta concorrência pública, vencida pelo mesmo grupo liderado por Francisco de Paula Ribeiro. Eles se atiraram à construção do porto, cercados de grandes dificuldades, sobretudo as de ordem econômica. Mas, finalmente, venceram todas as adversidades e construíram o tão necessário cais de Santos, cujos benefícios todos nós conhecemos.

O porto foi crescendo paulatinamente, de acordo com o volume de navios que aqui aportavam, tornando-se o maior da América Latina. Só na área insular de Santos, ele se estende da Alemoa até a Ponta da Praia. Há muito tempo que o porto já se estendeu à Ilha Barnabé, na área continental, e extrapolou para a chamada margem esquerda do estuário, no antigo bairro santista do Itapema, hoje Distrito de Vicente de Carvalho, município de Guarujá. A empresa que iniciou essa ampliação foi a Companhia Docas de Santos que, durante muito tempo, gerenciou o porto.

Hoje, o porto é administrado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), e sua expansão chega a Cubatão, pelo Canal de Piaçaguera, e à área continental de Santos, pelo Canal de Bertioga.

Vale citar uma curiosidade! Na época da concessão, a Docas construiu uma grande casa, na esquina das ruas da Constituição e Sete de Setembro, que ainda hoje se mantêm original, ao lado do centenário Colégio Santista. Construída pelo engenheiro Ramos de Azevedo, o mesmo que construiu o belíssimo Teatro Municipal de São Paulo, serviu de moradia a altos funcionários da concessionária. Mais tarde, essa casa foi adquirida pelo comendador Francisco Bento de Carvalho, que ali residiu com sua esposa, pois não tinha filhos.

A casa foi herdada por um sobrinho que sempre se recusou a vendê-la por ofertas tentadoras. A casa despertava curiosidade, poucos a visitavam, tornando-se um mito, até que, premidos pela idade, seus últimos donos a venderam por um preço módico, após o seu tombamento pelo Condepasa. Adquirida pelo antiquário Rafael de Moraes Gonçalves, nela foi recentemente lançada a pedra fundamental do Instituto Cultural que levará meu nome, homenagem que me honra e desvanece, para abrigar o Museu Martins Fontes, concentrando seu acervo e tornando-se mais um espaço cultural da cidade.

Relevem-me todos abrir este parêntese, na narração sobre o nosso cais, pelo relacionamento que a referida casa teve com a empresa que o construiu e pela alegria com que reconheço uma dívida de gratidão a quantos participaram do citado evento. E, acrescente-se, pelo entusiasmo em razão do que ali vai ser realizado.

Vencido o prazo para a concessão e transferido o acervo da concessionária para a estatal, houve uma transformação enorme em todo o funcionamento do porto. Empresas diversas arrendaram espaços em toda a faixa do cais, em ambas as margens. Impunha-se a modernização. A tecnologia atual facilitou todo o trabalho, reduzindo oportunidades aos portuários de Santos, já que substituídos por máquinas cada vez mais aperfeiçoadas.

Seu gerenciamento tem dado lugar a disputas políticas e seus cargos diretivos raramente ocupados por pessoas de nossa cidade, conhecedoras de tudo que é feito no nosso porto, o maior da América Latina. Muitas barreiras são opostas à regionalização do mesmo.

Lembro do tempo em que o estivador era de muito considerado, de tal forma que sua credencial como portuário era suficiente para abertura de crédito em lojas comerciais. Com alto poder aquisitivo, o trabalhador portuário geralmente possuía casa própria. Volto a dizer que o progresso traz benefícios, mas também prejuízos para o homem.

São inúmeros os problemas a solucionar no contexto portuário, visando o melhor desenvolvimento dos trabalhos de importação e exportação. Entre eles, um dos mais graves é o estacionamento de caminhões que aqui chegam carregados de mercadorias e produtos de exportação. Formam-se filas enormes, condenando os caminhoneiros a grandes sacrifícios, com o maior tempo de espera e permanência em nossa cidade.

ANJO DA GUARDA

A Associação Espírita Beneficente Anjo da Guarda pode ser considerada como pioneira em nossa cidade, na divulgação e estudo da doutrina fundada por Allan Kardec, que subentende Ciência, Filosofia e Religião.

Sabemos que outras instituições congêneres contemporâneas foram fundadas em alguns lugares do nosso país, porém não sobreviveram. Depois de muita pesquisa e conhecimento desses insucessos, concluímos que essa sociedade espírita é a mais antiga da América do Sul. Sua trajetória foi de muita luta; sofreu perseguições e ataques de toda sorte, mas venceu-os e permanece altaneira, cumprindo as finalidades para as quais foi fundada.

Essa associação nasceu na casa de Maria Patrícia, em 2 de novembro de 1883, no local onde hoje se ergue o prédio da Sociedade Humanitária. Integrando o grupo disposto a estudar a nova doutrina, que despertava a atenção de vários países, Maria Patrícia colocou sua casa à disposição para essas reuniões.

Seus fundadores foram: Benedito José de Souza Junior, à época administrador da Recebedoria de Rendas do Estado de São Paulo em Santos, pessoa que gozava de enorme prestígio em nossa cidade, não apenas pelo cargo, mas também pela integridade de caráter e pelos dotes de seu coração voltado para o bem do próximo; Maria Patrícia, Teófilo de Arruda Mendes, Celestino Vieira, João de Souza Guerra, José Bernardes de Oliveira, Antônio José Malheiros, Manoel Geraldo Forjaz, Manoel Alexandre Gonçalves, Olimpio Leomil Vasconcelos e Ernesto Augusto de Azevedo.

Sua fundação ocorreu no dia 2 de novembro de 1883. Esse grupo não se limitava apenas a estudar a Doutrina Espírita. Passaram a fazer o bem aos necessitados de ajuda, não só material, mas também moral, levantando o ânimo daqueles que se mostravam abatidos pelos problemas surgidos em seu caminho.

Na verdade, caridade não se resume apenas em ajuda econômica, mas também na palavra amiga, na solidariedade nos momentos difíceis, no pesar nos momentos em que entes queridos partem para as moradas celestiais.

Pela sua diretoria passaram nomes expressivos de nossa cidade, como Eduardo Mello Couto, Manoel Bento Amorim, dr. Manoel Tourinho, Ataliba Seixas Pereira, Guilherme Aralhe, Polidoro de Oliveira, Alexandre de Miranda, Olinto Paiva, Paulo Fernandes Gasgon, João de Monte Bastos. E mais, João Bernils, Augusto Paulino dos Santos, Lafaiete Pacheco, Ermínio Prandato, Cordovil Fernandes Lopes, Edgard Perdigão, Hamleto Rosato, Cláudio Gianatázio Magalhães, Renato Rodrigues Novaes, Victor Eliezer, Moysés de Azevedo, Prudêncio Nunes e Maurício Guedes, atual presidente.

Benedito Junior foi o pioneiro na aplicação da Homeopatia em nossa cidade. Estudou com muita seriedade a Doutrina de Hanneman e passou a aplicar os medicamentos homeopáticos nos doentes que visitava. A Farmácia 28 de Agosto, cujo próprio nome marca a data de sua fundação, em 1895, foi a primeira farmácia homeopática de nossa cidade. Durante muitos anos era procurada pelos seus adeptos, que confiavam na manipulação das fórmulas homeopáticas, fabricadas no seu grande laboratório.

Lamentavelmente, ela foi fechada por força de circunstâncias adversas, mas será sempre lembrada pelos que dela se serviam. Proporcionava ótimo atendimento aos clientes que ali compareciam com as receitas passadas pelo médico, e pela confiança nas milagrosas gotinhas ou minúsculos comprimidos.

Há de se destacar o quanto ela trabalhou para debelar a gripe espanhola que castigou nossa cidade, por ocasião da 1ª Guerra Mundial. Até do Rio de Janeiro vinham pedidos de remessa de medicamentos para debelar essa epidemia. A Farmácia 28 de Agosto projetava-se além das fronteiras de nossa cidade.

Em razão desse acúmulo no fornecimento de remédios, a sociedade contraiu uma dívida de 5.000$000 (cinco contos de réis), que à época era considerada uma soma vultosa. Uma subscrição foi aberta na Rua XV de Novembro, junto ao comércio cafeeiro, por iniciativa do sr. Luiz Suplicy. Tive a felicidade de poder apreciar essa valioso documento e, entre os que colaboraram para socorrer o Anjo da Guarda, estava o nome de meu saudoso pai. Eu nem nascera ainda!

Como muitas outras sociedades beneficentes, o Anjo da Guarda passou por altos e baixos, mas superou todas as dificuldades e prossegue de portas abertas, sempre fiel ao postulado: "Fora da caridade não há salvação".

"Magnífico aspecto tirado pelo nosso fotógrafo, no alto do Monte Serrat, à beira do precipício.
O clichê mostra a parte da cidade que fica na encosta do morro"

Legenda e foto: jornal santista A Tribuna, em 16 de março de 1928