RELÍQUIA - Um casarão em estilo neocolonial, na Vila Nova, em Santos, está à venda.
O imóvel, com 104 anos, desperta o fascínio de milhares de pessoas que passam pelo
local.
Preço da jóia: R$ 700 mil.
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
RELÍQUIA
O passado à venda
O centenário casarão da Vila Nova pode mudar de proprietário em breve
Carlos Ratton
Da Reportagem
Setecentos mil reais. Esse é o valor a ser pago por quem
adquirir o casarão em estilo neocolonial, localizado no cruzamento das ruas 7 de Setembro e Constituição, na Vila Nova, e
considerado uma das maiores e mais bem conservadas relíquias arquitetônicas de Santos.
Praticamente impenetrável por boa parte de seus 104 anos de existência, o imóvel, que
está à venda e que já despertou a curiosidade e fascínio de milhares de pessoas que passaram pelo local, foi aberto na quinta-feira, com
exclusividade, para A Tribuna, que desvendou um pouco do mistério que o envolvia.
Construído pela antiga Companhia Docas de Santos,
segundo registros do centro de Documentação da Universidade Católica de Santos (UniSantos), o casarão, que possui 21
cômodos e 1.200 metros quadrados de área construída, já está em fase de tombamento no Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico de Santos (Condepasa).
Isso quer dizer que quem comprar o imóvel, que possui uma área total de 1.00 metros
quadrados e tem como único herdeiro o português José Duarte Castelo Branco, terá que mantê-lo original.
Erguida para ser residência de funcionários das Docas, por volta de 1900, e comprada,
oito anos depois, pelo comendador Francisco Bento de Carvalho - um próspero comerciante da Rua XV de Novembro - a casa
permanece praticamente intacta e proporciona ao visitante uma viagem no tempo. Época em que a Vila Nova, com suas ruas iluminadas por lampiões e
suntuosos palacetes, era o glamour da sociedade santista.
Escadaria de mármore e corrimão de madeira dá acesso à cozinha
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Detalhes - Com sua fachada repleta de azulejos portugueses e espanhóis, cercada
por grades de ferro trabalhadas e preservadas, a residência encanta já a partir de sua entrada principal (Rua da Constituição, 278), onde o
visitante se depara com uma grande escadaria em mármore, que dá acesso ao piso superior.
Cercada por calçadas conservadas, bancos de alvenaria construídos entre largas
pilastras (em forma de arco) e belos jardins, que abrigam flores e árvores frutíferas, a casa é uma verdadeira obra de arte a cada metro quadrado.
A parte de trás, composta por uma imensa área verde, abriga vários viveiros de
pássaros e alguns equipamentos - lavanderia, barracão para guarda de equipamentos de jardinagem, coberturas para eventos externos e outros cômodos
destinados aos antigos funcionários. Um caramanchão, ao lado da entrada de veículos, completa o charme do lugar.
Projetado pelo engenheiro Ricardo Severo, da empresa Ramos de Azevedo (a mesma que
construiu o Teatro Municipal de São Paulo), o imóvel, em seu entorno, já dá sinais da grandeza de quem o ocupou. Em uma de suas paredes externas, um
azulejo possui a seguinte inscrição, datada de 1938: "Bem-vindo quem venha por bem".
A frase transcrita nos azulejos dá as boas-vindas aos visitantes
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Térreo - Ao circular na parte térrea da casa, o visitante se depara com 11
cômodos - seis quartos, uma despensa, uma cozinha, uma sala, um salão de jogos e um banheiro. O piso de alvenaria e o contra-piso de cortiça (talvez
para evitar umidade) demonstram a preocupação de seus antigos ocupantes.
Ao subir por uma escadaria de mármore branco e de corrimão de madeira, o visitante
chega a uma cozinha (que ainda possui fogão à lenha), cercada por uma copa e um banheiro, com bidê e banheira do início do século 20.
Na cozinha, o contraste dos fogões, fabricados em épocas distintas
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Depois, seguindo por um extenso corredor de piso de madeira, cujo brilho chama atenção
até de pessoas menos detalhistas, o visitante se depara com mais sete cômodos - dois quartos, um escritório e quatro salas. Na de jantar, existe um
grande e pesado lustre de ipê - madeira também escolhida para compor o piso, as janelas, as portas e outras peças. Nos quatro cantos da sala existem
luminárias de teto. Outros detalhes também chamam a atenção, como as maçanetas de ferro e porcelana, assim como os demais lustres da parte superior
do imóvel.
As salas de estar, recepção e leitura (que ainda possui livros e revistas antigas)
completam o ambiente, que remonta aos velhos tempos de grandes reuniões, onde os destinos da Cidade eram debatidos por comerciantes do ramo
cafeeiro, empresários, profissionais liberais e políticos.
Ainda na sala de leitura, existe um quadro com a foto do comendador Francisco Bento de
Carvalho, outro de sua esposa e ainda alguns diplomas, entre eles um que tornou o comerciante sócio honorário do Gabinete Português de Leitura,
datado de 1944.
Em cada ambiente, a iluminação possui um lustre diferente
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Dono pretende se transferir para Bertioga
Estabelecido em Santos desde 1950, o comerciante José Duarte Castelo Branco, de 73
anos, que está vendendo o imóvel e deverá mudar-se para Bertioga, onde possui um sítio, não esconde que a casa representou muito em sua vida.
Com parentes em Portugal, seu país de origem, Castelo Branco disse que sempre se
manteve longe da popularidade e que a propriedade, desde sua construção, praticamente ficou restrita à apreciação de familiares.
"Cerca de 11 anos atrás, a casa era ocupada ainda pelos meus tios, que eram
comerciantes e sobrinhos de Francisco Bento de Carvalho. Minha mãe, irmã deles, sempre morou em Portugal. Também moravam aqui seis funcionários.
Depois que meus tios faleceram, eu passei a ocupá-la", conta o comerciante, que não possui filhos. O comerciante ainda lembra de muitos momentos
gostosos, vividos no interior da residência.
José Duarte, ladeado pela enfermeira Ana Maura e a cozinheira Isabel
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Funcionária - Funcionária da família desde os 20 anos de idade, a cozinheira
Isabel de Góes Lima, hoje com 53 anos, disse que irá se aposentar no dia em que José Duarte se mudar para Bertioga.
"A única funcionária viva sou eu. Quando o senhor José for embora, vou morar com um
sobrinho e viver o resto da minha vida, que teve muitos momentos felizes, principalmente dentro desta casa", disse, ressaltando que a casa sempre
foi palco de grandes festas de família, principalmente durante a geração dos tios de Castelo Branco.
A enfermeira Ana Maura Leopoldina, que vai continuar dando assistência ao comerciante
José Castelo Branco, acredita que a casa dará muita satisfação a quem adquiri-la. "Ela é muito espaçosa e rodeada de muito verde. Quem comprar esse
imóvel fará um grande negócio", comenta.
A despensa é um dos cômodos da parte térrea do imponente casarão
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
O corretor responsável pela venda do imóvel, Nélson de Freitas Domingues, da Expoente
Assessoria e Empreendimentos Imobiliários, disse que quatro pessoas já se interessaram pelo imóvel.
"As três primeiras tinham intenção de demolir, o que é impossível, devido ao processo
de tombamento. A quarta ofereceu um imóvel no Guarujá, proposta que está sendo estudada pelo proprietário", finaliza.
Em estilo colonial, o imóvel é considerado uma das maiores relíquias arquitetônicas
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
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