O CLUBE XV
Desde os tempos mais
remotos, Santos contou com várias agremiações freqüentadas por pessoas da sociedade, algumas delas para promover em especial o carnaval, outras
emprenhadas na prática do esporte. Não faltavam também os bailes a rigor, sempre muito prestigiados.
Na segunda metade do século XIX, a população crescia vagarosamente, mas o espírito
comunitário sempre prevaleceu entre os santistas. Prosseguindo nos pioneirismos de Santos, impossível não falar do Clube XV.
Não foi o primeiro aqui fundado, mas a todos sobreviveu, e ocupa hoje o honroso título de clube social mais antigo do Brasil.
O XV nasceu de uma divergência entre associados da Sociedade Carnavalesca Santista,
agremiação freqüentada por famílias de nossa melhor sociedade. Em assembléia realizada em 12 de junho de 1869, havendo discordâncias entre seus
associados, retirou-se da sala Antonio Pinho Brandão. Rumou para sua residência, juntando-se a ele vários dissidentes, que partilhavam sua maneira
de pensar, decididos a fundar nova sociedade, o que ocorreu no mesmo dia.
Logo pensaram qual nome dariam ao novo grêmio, alguém logo sugeriu que fosse Clube dos
XV, o mesmo número de pessoas presentes. Mas, parecendo denominação restritiva, prevaleceu, no dia seguinte, apenas Clube XV.
Foram seus fundadores: Adolfo Augusto Millon, Alberto Bittencourt, Antonio Alves da
Silva, Antonio Freire Henriques, Antonio de Pinho Brandão, Benedito Aires da Silva, Bernardino Bernardes Pereira, Bernardo Martins dos Santos,
Eugênio de Oliveira, Isaias Mariano de Andrade, João da Luz Pimenta, João Moreira de Sampaio, Joaquim Otaviano da Silva, João Marques de Carvalho e
Raimundo Gonçalves Corvelo.
Nessa época, Santos estava com 9.000 habitantes e tinha apenas 1.300 moradias. Sem
dúvida nenhuma, o Clube XV tem um valor histórico no contexto social da cidade de Santos. Todos que participam desse clube mantêm sempre viva a
chama de seu amor por ele.
Sempre que se fala em tradição, vem à lembrança a história dessa associação, cuja
trajetória desafia o tempo e se mantém inalterável em seu valor intrínseco. Martins Fontes, nosso inesquecível
poeta, definiu a entidade com uma frase de beleza ímpar: "O Clube XV é o cofre de prata de nossas tradições".
Ao longo de sua existência, pessoas de grande expressão na cidade participaram de seu
quadro associativo, muito fazendo para que se projetasse social e culturalmente. Podemos imaginar o cenário daquela época, quando não tínhamos a luz
elétrica. Iluminação se fazia com lampiões a gás. Os meios de transporte eram precários: as famosas gôndolas que foram substituídas pelos bondes
puxados por burros. Não havia saneamento. O Porto do Bispo era formado por alguns trapiches, mas não ofereciam grande
segurança para as embarcações que aqui chegavam, depois de longas e exaustivas viagens.
Só 20 anos depois da fundação do Clube XV, começava a ser construído o cais do porto.
O progresso era lento, pois as dificuldades eram muitas. Vivíamos ainda sob a égide do Império.
Apesar de todos esses percalços, já fervilhava a luta pela abolição da escravatura e
pelos ideais republicanos.
O primeiro presidente do Clube XV foi o capitão João Antonio Pereira dos Santos. O
número de sócios crescia gradativamente. Fixadas suas finalidades: a promoção de reuniões literárias, artísticas e sociais.
Sua primeira sede foi na Rua Áurea 152, hoje Rua
General Câmara. Seu primeiro hino carnavalesco foi composto pelo maestro Wanckeggine.
A segunda sede foi no palacete construído no
Valongo pelo comendador Manoel Joaquim Ferreira Neto, ali realizando festas carnavalescas deslumbrantes. Este prédio foi
sede do governo municipal, transferido para a Praça Mauá em 1939, em meio aos festejos
comemorativos do centenário da elevação da vil de Santos à categoria de cidade. Lamentavelmente atingido por um incêndio, só restam desse prédio as
paredes externas, mas nem todas.
Depois o XV se mudou para a sua terceira sede, na Rua Itororó 25, em casa
pertencente à senhora Filipina Emmerick, onde ficou por muitos anos.
A quarta sede foi na Rua General Câmara 87, onde se realizaram bailes famosos,
de grande luxo.
Em 1894, o XV fixou-se em sua quinta sede social, na Rua
Amador Bueno, 193, esquina da Rua da Constituição, onde, em 1894, comemorou o 25º aniversário de fundação, com muita
pompa. Nessa sede Martins Fontes iniciou sua vida social e veio a afirmar: "No Clube XV me fiz poeta, porque, precisamente num dos seus bailes
fidalgos, fiz a minha primeira declaração enamorada".
A sexta sede, antes residência de duas famílias ilustres, de Carneiro Bastos e
de José Domingues Martins, era um belo palacete, de rica arquitetura, situado na Avenida Conselheiro Nébias, esquina de
Rua Sete de Setembro, onde permaneceu por 15 anos, a partir de 1919. Ali conheci o XV e participei, pela vez primeira, de uma vesperal carnavalesca.
Em 1934, em meio à migração de famílias para a orla da praia, o XV mudou-se para a
sétima sede, na esquina da Avenida Presidente Wilson com Rua Marcílio Dias, onde antes se situara o Jockey Clube de Santos, em sua fase de
grande projeção. Nesse local, seu quadro associativo cresceu consideravelmente e o clube viveu sua melhor fase. Marcaram época os grandes bailes de
Aniversário, da Primavera e de Ano Novo. Os carnavais eram animadíssimos, tanto os bailes adultos noturnos, quanto as vesperais para crianças e
adolescentes. Havia concursos de fantasias e farta distribuição de confetes, serpentinas e refrigerantes. Em seu enorme terraço apreciávamos o corso
e a passagem dos foliões.
Ficaram também famosos os bailes das debutantes, quando as filhas dos associados, já
em idade de freqüentá-los, sempre em companhia dos pais, eram apresentadas à sociedade. Sinto indisfarçável orgulho, ao lembrar do vestido, bordado
de pedrarias, que fiz para minha filha, e que exigiu dois meses de dedicação total. As passagens de ano eram comemoradas com grandes festas de
confraternização, sempre a rigor. Em todas as festas adultas, exceto carnaval, o ponto alto se dava à meia noite, ao som da Valsa Clube XV,
composta por Oscar Ferreira. Nenhum casal permanecia na mesa, todos dançavam.
Há pouco tempo, o famoso pianista Pedrinho Mattar, em apresentação na Pinacoteca
Benedito Calixto, homenageou o Clube XV, tocando a valsa que ele considera o verdadeiro hino da cidade de Santos. Comovente!
A influência do Clube XV na evolução social, literária e artística de Santos foi muito
grande. Nele se realizaram grandes apresentações da Orquestra Sinfônica de Santos, de pianistas e de cantores famosos. Personalidades ilustres
fizeram ali brilhantes conferências. Podemos dizer que, na sede da Marcílio Dias, ocorreu a fase áurea do tradicional clube.
Mas a gente quinzista queria mais, aspirava uma sede mais ampla e confortável.
Inúmeras discussões levaram à compra do terreno com quatro frentes, onde se construiu sua oitava sede, na esquina do Canal 3 com a praia,
lado do Boqueirão.
A sede antiga, vendida para a família Paiva, só foi entregue aos novos proprietários,
por deferência dos mesmos, após a mudança do Clube XV para a nova sede, ainda incompleta, onde, aos 12 de junho de 1969, em memorável festa a rigor,
festejou o centenário da sua fundação.
Os chamados anos dourados constituíram um época de grandes transformações, nem sempre
para melhor. Marcaram também uma fase de mudanças de comportamento. Atraídos para outros entretenimentos, como boates e barzinhos, os jovens da
época abandonaram o hábito das encantadoras reuniões sociais, onde as famílias se entrelaçavam fraternalmente.
O pioneirismo do XV mostrou-se até mesmo na antecipação da crise que hoje abala os
alicerces de outros grêmios. Na oitava sede, o XV passou por momentos difíceis, sempre em função da insuficiência de recursos financeiros para
custear a manutenção de suas amplas instalações, em verdade nunca completadas embora integralmente ocupadas.
Ao longo desse tempo, novos debates enfocaram as soluções para se vencer a crise.
Finalmente, em razão de alteração da lei de ocupação do solo, o terreno do Clube XV se valorizou bastante, permitindo um novo projeto, aprovado
pelos órgãos diretivos e pelo quadro associativo, através da Assembléia Geral de Sócios.
Instalado provisoriamente em casa alugada na Rua Azevedo Sodré 149, que pode ser
considerada sua nona sede, os associados do XV aguardam com otimismo a conclusão da décima sede. A edificação é composta de dois
enormes prédios interligados, abrigando hotel, "flats", conjuntos para escritórios e, principalmente, um novo Clube XV, ansiosamente
aguardado pela coletividade. A décima sede, no mesmo endereço da oitava, terá todos os equipamentos das anteriores, além de 60 vagas para
estacionamento de veículos, de que o clube muito se ressentiu nos últimos tempos.
Prepare-se a sociedade santista para a grande festa de aniversário, na novíssima sede,
comemorativa dos 137 anos de fundação do glorioso e imortal Clube XV, sob a presidência de Jorge Guedes Monte Alegre Filho.
Meus amigos! Eu disse que o XV é o clube do meu coração, e direi por quê. Dele guardo
as mais doces recordações, das vesperais, dos bailes, das grandes amizades... Foi nele que meu filho tocou piano em público pela primeira vez. Foi
nele que minha filha debutou. Nesse clube, que tanto amo, namorei e passei momentos felizes ao lado de meu saudoso companheiro. Por tudo que nele
tenho vivido, é meu dever amá-lo intensamente. |