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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - LIVROS
Séc.XX - por Edith Pires Gonçalves Dias (04)

Um passeio pela cidade de Santos, com os olhos que a viram durante boa parte do Clique na imagem para ir ao índice deste livroséculo XX: assim é a obra Santos de Ontem, de Edith Pires Gonçalves Dias, publicada em 2005 pela autora, com apoio cultural da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e Museu Martins Fontes (mantido pelo Instituto Cultural Edith Pires Gonçalves Dias), todas instituições santistas.

Com 179 páginas, o livro teve curadoria de Rafael Moraes, revisão de Manuela Esquivel Rodriguez Montero e Manuel Leopoldo Rodriguez Montero, capa de Marco A. Panchorra, projeto gráfico de Marcelo da Silva Franco, colaboração de Cynthia Esquivel e impressão Cromosete. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 38 a 50:

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Santos de ontem

Edith Pires Gonçalves Dias

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MODA E COMÉRCIO

Nossas vestimentas foram das coisas que mais se transformaram. Quando eu era criança, elas eram feitas em casa. Não havia comércio de confecções. Mas havia lojas onde encontrávamos o necessário para produzir nossas vestes com grande apuro. Para os tecidos procurávamos a Casa Alemã, Casa Lemcke, Casa das Novidades, Casa 61.

Para aviamentos tínhamos o Bazar das Crianças, a Casa Reis, Casa Leal e Casa dos Plissês. Quando o comércio começou a se expandir nas proximidades do Gonzaga, apareceram a Casa Afonso Moreira e A Original Magazine. Ambas tinham grande estoque de lãs de novelo e linhas para bordar. Usando a nossa criatividade, produzíamos roupas lindas para todas as ocasiões. Havia grandes e hábeis costureiras. Eram chamadas de modistas. Com o aparecimento das confecções, elas foram abandonando a profissão. Hoje se encontra tudo pronto, desde as roupas simples do dia-a-dia e para a prática de esportes, até as mais sofisticadas, para grandes ocasiões. As modistas são raras.

Apareceram lojas, como a Casa Rouxinol, que alugavam todo tipo de roupa, trajes para casamentos, vestidos para bailes de gala e até mesmo vestidos de noiva, bem como trajes masculinos a rigor. Houve, à época, certo preconceito, mas hoje, e cada vez mais, ainda existe esse tipo de locação, através de outras lojas.

Muitos preferem alugar um traje para ocasiões especiais, o que fica menos dispendioso, com a vantagem de não repeti-lo em outra ocasião. A grande verdade é que o poder econômico de hoje é bem menor que o do passado. Todos procuram economizar, dispensando o que é supérfluo.

Na minha infância, quando precisávamos comprar calçados, era só telefonar para a loja e eles mandavam exemplares de vários modelos para que os experimentássemos. A mais famosa nessa época era a Casa Ribeirão. Lembro ainda da Branca de Neve, na Praça Mauá, cujas filiais lembravam os personagens Sete Anões e o Príncipe Encantado. Em meio aos anos cinqüenta, apareceu a Sapataria Internacional, com várias filiais, e que teve sua época de glória. Hoje o mercado de calçados é imenso. Há uma quantidade enorme de lojas atendendo a todos os gostos, desde o popular até o requintado. Os tênis vieram para imperar. Os jovens não querem outro tipo de calçado e contam com uma variedade enorme de modelos e marcas.

Antigamente não havia a facilidade de se comprar pelo crediário. Isso, na verdade, veio favorecer quem não pode pagar a compra à vista, mas facilitou a assunção de dívidas. Essa facilidade criou compradores compulsivos. Não resistem a comprar qualquer coisa que lhes agrade e, quando se percebem, estão atolados em dívidas.

O Super Centro Comercial Boqueirão, tido como o mais antigo da América Latina, deu início ao surgimento de galerias como a Ipiranga, a A. D. Moreira, a Nova Azevedo Sodré e outras, antes dos modernos centros de compras, como o Parque Balneário, o Miramar e o Praiamar. A cada passo dessa migração, fecharam muitas lojas estabelecidas no centro velho de Santos. Que saudades da Lausanne, da Modas Teixeira, da Casa Sloper, da Etam, da Casa Gato, do Paraíso das Sedas, da Casas Regente, da Tapeçaria Schultz, do Ao Preço Fixo e muitas outras que foram apagadas de minha memória. Todas elas tinham estoques para todos os gostos e de acordo com o poder econômico diferenciado.

Na minha idade, exacerba-se a capacidade de avaliação. Cada perda é sentida de uma maneira dolorosa. Custa muito modificar hábitos arraigados e adaptar-se às novas formas de viver. A "hora da saudade" se faz sentir com uma freqüência indesejável. Mas não se pode negar que reviver um passado de marcas indeléveis é sempre um renovador de energias. Parece-me que resistimos melhor às inovações compatíveis com nossa maneira de ser e pensar.

Vivem também na nossa lembrança e saudade outras firmas que desapareceram paulatinamente. Casa Pedro dos Santos, na Rua do Comércio, que possuía um grande estoque de pratarias, cristais e louças, a maioria importados, ainda não contávamos com essas indústrias em nosso país. A Casa Globo, de louças e ferragens. A Joalheria Montandon, que não se restringia às jóias, mas oferecia belas peças de cristal Baccarat, Val St. Lambert e os famosos Gallés e Sèvres. Quem os tem, sabe que, com o desaparecimento dessas fábricas durante a 2ª Guerra Mundial, estes produtos tiveram seu valor muitas vezes multiplicado.

Em tempo, que saudade da Tipografia Carvalho, onde comprávamos todo o material escolar! E, mais recentemente, encerrou atividades a centenária Ferreira de Souza & Cia.

E que dizer do fechamento da Balneária, em pleno Gonzaga, após 87 anos de atividades? Era um restaurante muito procurado pelos turistas que aqui chegavam, pois oferecia um cardápio em que predominavam os frutos do mar, pratos típicos do litoral. Muitos sócios proprietários passaram por esse estabelecimento. Homenageio a todos na pessoa do saudoso Luiz Dell'Aringa, amigo de minha família desde adolescente e que durante anos dirigiu a padaria e restaurante A Balneária, onde fez um grande círculo de amigos, pelo atendimento que dava aos seus freqüentadores. Ao Gigi, como era chamado, a expressão de nosso afeto e saudade.

Esse fato me trouxe à lembrança o também famoso Restaurante Marreiro que funcionava na Praça da República, cuja especialidade um peixe à escabeche, servido em vasilhas de barro. Lá se manteve por muitos anos, após passar por vários donos, até que toda aquela quadra foi demolida, dando lugar a um terreno onde se fez um estacionamento. Com a tradição do nome, ainda existe o Marreiro no Canal 2, mas ficou uma lacuna no centro de Santos.

Seu fundador, Augusto Paulino dos Santos, foi uma das pessoas mais caridosas de nossa cidade. Na época em que o Orfanato Dona Joana Monte Bastos passava por uma fase difícil, ele assumiu a presidência dessa entidade, que passou a chamar-se Orfanato Santista, hoje Educandário Santista. Teve participação destacada em outras entidades assistenciais como o Anjo da Guarda, o Asilo Anália Franco e ainda o Albergue Noturno. Foi uma alma generosa que veio à Terra para semear o bem e amenizar as carências dos menos favorecidos.

O ABASTECIMENTO DA CASA

Antigamente havia armazéns de secos e molhados, açougues, quitandas, padarias. Abastecer a cozinha e a despensa era muito fácil e não obrigava a dona-de-casa a constantes excursões pelo comércio de alimentos. O dono do armazém tinha o costume de passar pela residência dos fregueses, de caderninho na mão. Ali ia anotando os pedidos dos produtos necessários que, logo depois, eram trazidos pelos entregadores até a porta de nossa cozinha. Os preços eram anotados e pagava-se no fim do mês. Quando a conta era alta, ganhava-se um presente que variava da garrafa de vinho à lata de doce. Uma espécie de reconhecimento pela preferência dada ao seu estabelecimento.

Quando morávamos no Casarão Branco, gastávamos no armazém 5 de Outubro, o mais antigo ponto de comércio do bairro do Boqueirão, fundado em 1917. No momento em que esse tipo de comércio começou a declinar eles fizeram uma manobra inteligente. Transformaram-no em Bazar onde tudo o que imaginamos em matéria de louças, ferragens, utensílios domésticos e até pequenos móveis e colchões podem ser encontrados numa grande variedade. O que não encontramos em outras lojas, lá está nos aguardando e satisfazendo. Também gastávamos em um armazém mais modesto, na esquina da Rua Benjamim Constant com a Avenida Epitácio Pessoa, cujo proprietário, sr. Vicente, era extremamente atencioso.

Antes das seis horas da manhã, o entregador da padaria colocava a encomenda em nossa porta. Via de regra, leite e pão eram postos dentro do saco, no fecho da porta. Nunca eram roubados!

Esse hábito ainda persistia quando construímos uma casa na Ponta da Praia, em 1953. Mas logo depois surgiram os primeiros roubos de leite e pão deixados em nossa porta. Nessa época, ninguém trancava à chave os portões de entrada. As muretas e grades eram baixas e de fácil acesso. Pouco a pouco, providências foram tomadas no sentido de ter mais segurança. As casas, hoje, assemelham-se a fortalezas, tal a altura de seus muros e grades.

Antes do almoço, o entregador de pão vinha com o cesto ao ombro, para que escolhêssemos de acordo com nossa preferência. Não faltavam os queijos e geléias. Muitas vezes também o pão de minuto feito em casa. Uma delícia!

Pela manhã ligava-se para o açougue para pedir a carne que queríamos para as duas refeições, almoço e jantar. E aquela carne fresca chegava rapidamente! Da mesma maneira ligávamos para a quitanda, pedindo as verduras e frutas necessárias.

Donas-de-casa de hoje! Eu ainda gozei dessa mordomia. Nos anos cinqüenta houve um tempo em que eu fazia uma lista de tudo o que precisava, entregando-a nas firmas especializadas, como a Casa Aymoré, na esquina da Rua João Pessoa com a Riachuelo, cujo proprietário era o sr. Moura, muito atencioso com a freguesia, logo recebia o meu pedido.

Havia também a Casa Haia, na Rua João Pessoa, e que possuía uma filial igualmente bem montada, a Mercearia Natal. A concorrência ficava por conta da Mercearia Monte Castelo, na Rua Frei Gaspar.

Também de gloriosa memória o Laticínio Lambari, do saudoso Cláudio Alba, onde encontrávamos toda a sorte de queijos e conservas. Havia outras firmas menos famosas, mas que atendiam muito bem aos seus clientes. Quando queríamos comer peixe, ficávamos atentos à passagem do peixeiro que, carregando nos ombros uma grande vara donde pendiam dois tabuleiros, trazia-nos o peixe fresquinho, assim como os camarões. Era um trajeto direto do barco dos pescadores para nossa cozinha.

Havia também bem montadas avícolas, onde escolhíamos o frango ou galinha que desejávamos. Eles eram mortos e depenados à nossa frente. Chegavam quentes na nossa cozinha, ao contrário dos frangos congelados hoje comprados nos supermercados!

Também contávamos com lavadeiras que vinham buscar nossas roupas em domicílio. Quando limpas e passadas, retornavam com a trouxa na cabeça. Para evitar extravios, era feito o "rol de roupas". Nele eram anotados os preços, para pagamento no final do mês...

Vieram os eletrodomésticos para nos ajudar. As roupas passaram a ser lavadas em poderosas máquinas, mas temos de passá-las a ferro. Já as máquinas de lavar louças são mais generosas, porque também as enxugam. Retiradas da máquina, vão logo para os devidos lugares. Quando pagávamos a conta da padaria, sempre nos davam biscoitos ou sacos vazios a serem utilizados para a limpeza da casa.

Meus amigos! Tudo isso é pura verdade. Nós, os da "melhor idade", gozávamos de todas essas facilidades e privilégios. Com o aparecimento dos supermercados, os pequenos comerciantes foram fechando suas portas. Não podiam concorrer com eles. E quem mais sofreu foram as donas-de-casa que tiveram de abdicar de muitas comodidades e aderir à romaria desses grandes centros de compras. Passamos a pilotar os seus carrinhos e proceder a um cuidadosa escolha para não errar. Para a compra de frutas e verduras, bem como outros gêneros de primeira necessidade, ainda temos as feiras, onde tudo é bem fresquinho. Mais uma vez, pilotando os célebres carrinhos.

Lembro-me que até aviamentos para costuras, tais como linhas, agulhas, botões, colchetes, rendas, fitas e galões, podíamos comprar na porta. Era um sírio que andava com uma malinha e, para ser percebido, tocava uma matraca. Ele tinha um bigode muito preto, mas deixava que fossem vistos dois dentes de ouro, bem na frente de sua arcada dentária. Eu, muito pequena, achava aquilo lindo e gritava para mamãe, que o "paque-paque" da cara linda estava chegando. Era raro o dia em que ela não comprava algo dele, pois tivemos um costureira que trabalhou em nossa casa durante 23 anos, fazendo não somente as roupas femininas, mas também roupas de cama, camisas e pijamas para os homens.

Mais uma vez tenho de concordar que o progresso trouxe grandes conquistas, mas nos tirou as comodidades que gozávamos. Tudo em nossa vida é relativo. Existem prós e contras, mas temos de nos comportar de acordo com as realidades. Tenho sim, saudades das antigas facilidades. Do tempo em que não tínhamos de correr atrás das coisas necessárias. Tudo parecia fluir com naturalidade. Mas o caminho a seguir é um só: adaptar-nos a todas essas mudanças. E para nos munirmos da coragem necessária, devemos procurar as mãos de Deus. Ele nos encoraja e nos ajuda em nossa caminhada. Há muito me convenci dessa grande verdade, que nasce da Fé, virtude que devemos cultivar com muito amor!

OS BONDES

Já fizemos referência a esse meio de transporte no capítulo referente aos namoros, mas vamos voltar a falar deles, a narrar as muitas saudades que nos deixaram.

Santos foi a primeira cidade do Estado de São Paulo a ter esse meio de transporte. Isso lá pelo ano de 1872. de início eles eram puxados por burros e circulavam em linhas muito limitadas. A cidade começava a se expandir, vagarosamente. O povoado concentrava-se no centro, seu ponto inicial. Sua expansão começou em direção à Vila Nova. Como o próprio nome diz, os santistas começaram a construir um pouco distante da área central. Formava-se um bairro novo e as linhas dos bondes foram estendidas nessa direção.

Algum tempo depois foi aberto um caminho que, vindo pela Rua Luiz de Camões, seguia até a praia, o que deu origem ao nome Boqueirão. Da mesma maneira, surge a Vila Mathias, que recebeu esse nome em razão de ser proprietário de muitos terrenos nesse local, um cidadão chamado Mathias Casemiro Alberto da Costa. Começaram algumas construções bem ao pé do Monte Serrat. Foi quando Domingos Monteiro, que tinha a concessão para explorar as primeiras linhas de bondes, estendeu-as até esse local, bem como as que iam até o Boqueirão.

Mas, logo depois, Mathias da Costa passou a explorar essa linha. Ele também doou alguns terrenos localizados na Vila Mathias para que fosse aberto um novo caminho que, em linha reta, chegava até à praia, tomando o nome de sua mulher, Dona Ana Costa. Esse caminho transformou-se numa das mais belas avenidas do nosso município e que alguns chamam de Avenida Paulista dos santistas.

Assim é que começou o bairro do Gonzaga, o mais importante de nossa cidade. Isso trouxe um desenvolvimento muito grande para o município. As pessoas começaram a se entusiasmar com a idéia de morar na orla da praia, surgindo então as primeiras moradias no Boqueirão, Gonzaga e José Menino.

Até o ano de 1909, os bondes foram puxados por burros, esses animais dóceis e trabalhadores. Os bondes elétricos surgiram no dia 28 de abril desse ano, por iniciativa de uma firma inglesa, The City of Santos Improvements Company Ltda. Ampliaram-se as linhas, logo estendidas a muitos bairros. Sua frota era de 220 carros e as linhas percorridas somavam 144 quilômetros de trilhos. Cada linha tinha um número e o povo se habituou a esse melhoramento, que favoreceu muito a expansão do comércio.

Quem viveu naquela época não imaginava que um dia esse meio de transporte seria extinto, sepultando para sempre aquilo que tanto contribuíra para o crescimento da cidade. Meu neto mais velho ainda chegou a viajar no famoso bonde fechado verde, muito confortável, chamado "camarão" por analogia ao vermelho similar de São Paulo.

No dia 28 de fevereiro de 1971, por ordem do interventor da Cidade, general Clóvis Bandeira Brasil, o serviço foi extinto. Uma vez que ficara decidida a substituição dos bondes por uma frota de ônibus, em cumprimento a uma decisão do Governo Federal. Segundo o que foi publicado nos jornais da época, o general Aldévio Barbosa de Lemos, superintendente da CMTC, chegou a ordenar a destruição de todos os carros, a marretadas, para que não voltassem a ser utilizados. Para nosso consolo e resgate da história, ainda temos um protótipo na Praça das Bandeiras, além do bonde turístico que circula pelo centro da cidade.

Faz ele um belo roteiro cultural pelo centro histórico de Santos, a partir da Praça Mauá, levando a bordo "o condutor e o motorneiro", ambos a caráter, com os trajes da época, além de um guia que, no percurso, relata várias peculiaridades da cidade.

Desfila aos olhos dos passageiros muito da história de Santos e do Brasil, extasiando turistas e encantando crianças. É de ver a alegria estampada no rosto de todos. É de se admirar que esse serviço tenha sido extinto no Brasil, uma vez que em vários países europeus ainda são usados.

Depois de sermos tomados pela saudade do pão e do leite deixados em nossas portas, dos muros baixos nas casas, das janelas abertas nas noites de verão, a esse grupo juntou-se também a saudade dos bondes.

No dia em que circulou pela última vez o carro 258, da linha 42, confesso que as lágrimas correram pelo meu rosto. Muito da tradição santista era destruída de forma impiedosa. Se naquela época houvesse um plebiscito, tenho a certeza de que o povo votaria contra o desaparecimento dos bondes.

A alternativa oferecida, os ônibus elétricos, ou trólebus, não nos foi tão grata. Deram muitos problemas. Por vezes atravancavam o trânsito, por não terem espaço privativo de percurso. Até que deixaram também de circular, sendo o último o da linha 20, que faz hoje o mesmo percurso, entre as praças Mauá e Independência, sem a parafernália da rede aérea.

De marcante lembrança, o bonde Y e o bonde X. O primeiro ia para o José Menino e o segundo para a Ponta da Praia. Havia também o bonde R, que circulava na hora do almoço e à tarde, quando fechava o comércio. Nele só viajavam homens, pois ele apenas diminuía a velocidade, não parava, e os homens desciam ou subiam com ele em movimento.

Mas, de todas as linhas, a que traz mais recordações é a do bonde 13, que percorria toda a praia. De início ele ia até a Rua Newton Prado no José Menino, onde fazia o retorno para a Ponta da Praia. Depois essa linha estendeu-se até a Biquinha, em São Vicente. Era quase que um bonde turístico, uma vez que até a metade do século, poucos possuíam carro particular. Passear com os filhos nesse bonde era uma grande distração.

Quando ele transitava pela praia do Itararé, ainda com raras construções, era uma festa para meu filho mais velho. Havia no local uma enorme pedra, uma espécie de gruta a que o povo deu o nome de Pedra dos Ladrões. Dizia a lenda que a pedra era freqüentada por malfeitores, que ali se escondiam ou dividiam o produto de roubos.

Ansioso por ver algum, ele ficava na ponta dos pés e ficava frustrado por nunca ter visto uma cena que justificasse o nome que fora dado à gruta. Hoje, se ficarmos um pouco na janela, será mais fácil vermos um desses marginais que constantemente assaltam pessoas e casas de comércio.

Quando o bonde 13 chegava ao ponto final, na Praça da Biquinha, a maioria das pessoas descia para tomar um garapa especial, bem perto dali. Voltávamos no próximo bonde e as crianças até dormiam com seu embalo. O outro ponto final era na Ponta da Praia, onde hoje se encontra o Clube Internacional de Regatas. As avenidas da praia, em sua maioria, ainda não estavam calçadas e os bondes corriam nos trilhos colocados sobre dormentes.

Outro bonde que permanece nítido em minhas lembranças é o 22 que, vindo pela Avenida Conselheiro Nébias, dirigia-se para a Avenida Ana Costa. Nele eu ia para o Colégio São José, no correr dos anos 30. Quem se lembra desse bonde é meu velho amigo, dr. Oswaldo Paulino, que também dele se utilizava para retornar à sua casa, após as aulas matutinas.

As amizades feitas naquela época persistem ao longo do tempo. Ele e sua Adelci são amigos irmãos e quando ele me telefona, ou atende uma ligação minha, diz: - "Aqui é o motorneiro do bonde 6", outro que também nos servia.

Muitos de nós lembramos com saudades do mais confortável meio de transporte que tivemos. Do motorneiro que trabalhava com satisfação, tocando a sineta para chamar a atenção de algum pedestre que não estava tendo cuidado no momento de atravessar.

Ou do cobrador, andando pelo estribo do bonde e gritando: - "A passagem!", para alertar os passageiros distraídos. Segurava entre os dedos as notinhas dobradas. Ficava atendo à descida dos passageiros, para então usar o apito preso a um cordão em seu pescoço, sinalizando ao motorneiro que podia prosseguir a viagem. Por isso, o cobrador era chamado "condutor".

É desse tempo uma frase popular, que dizia: - "neste mundo, é tudo passageiro, menos o condutor e o motorneiro". Havia até música de carnaval que falava no bonde: "Seu condutor, tim-tim, seu condutor, tim-tim, pára o bonde pra descer o meu amor"... Hoje, de bom transporte só temos o chamado Seletivo, que nos oferece conforto e tranqüilidade.

Casa das Novidades

Imagem: anúncio publicado no jornal santista A Tribuna, em 15 de janeiro de 1918, página 8

 

Joalheria Montandon, em cartão postal de 1916, mostrando a Rua General Câmara e ao fundo a Praça Rui Barbosa, então Largo do Rosário

Imagem: Acervo José Carlos Silvares/Santos Ontem