Planta da Villa de Santos em 1812
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Memória que mostra a origem da Vila de Santos, e seu estado atual (1809)
...É a Vila de Santos posterior à de
São Vicente, e tendo um bem notável porto, pelo belo e sossegado ancoradouro, de que por todas as partes é revestido
(protegido) e a única praça (escoadouro) da Capitania de São Paulo está na latitude Austral de 23'56" e na longitude de 33'39".
A primeira casinha que Santos teve foi feita por Pascoal Fernandes, genovês, e
Domingos Pires, os quais alongando-se mais da Vila de São Vicente, cultivaram como sócios, o terreno que puderam, antes de terem carta de sesmaria:
um destes vendeu o terreno que lhe pertencia a Braz Cubas, e assim foi crescendo Santos, conservando-se o nome de porto,
como na Vila de São Vicente, até que depois lhe chamaram Porto de Santos, erigindo Braz Cubas o primeiro hospital e
Misericórdia (irmandade) que teve o Brasil, confirmada na Vila de Almerim, a 2 de abril de 1551, pelo
senhor rei D. João III, dando-lhe todos os privilégios, que seu augusto pai tinha dado às Misericórdias de Portugal.
A dita povoação ou Porto de Santos foi sujeita, nos primeiros anos, à Vila de São
Vicente, no temporal e Espiritual, visto que à paróquia da dita Vila estavam sujeitos naquele tempo todos os fiéis desta Capitania, sendo os
santistas, primeiros que todos, os que se livraram daquela jurisdição, por Braz Cubas principiando a exercer o cargo de Capitão-mor em 8 de junho de
1545, teve logo o cuidado de dar foro de Vila ao Porto de Santos, em nome de Martim Afonso de Souza, como seu
loco-tenente, cuja solenidade é verossímil, se concluiu entre 14 de agosto de 1546 e 3 de janeiro de 1547, por haver escrituras de Venda nas ditas
datas, sendo a primeira lavrada na povoação de Santos, em qualquer dos dias intermediários.
Tal é a antiga Vila de Santos que tem por fundador Braz Cubas, o qual morreu em 1592,
segundo vários documentos, sendo um deles o epitáfio da campa que cobriu sua sepultura, na primeira Matriz de Santos, que mudando depois de lugar,
ainda hoje conserva a mesma campa, no presbitério da atual Matriz da mesma Vila.
O berço da Vila foi junto ao outeiro de Santa Catarina (atual
rua Visconde do Rio Branco), mas aumentando depois o comércio com o Planalto, estendeu-se para o Oeste com muito mau gosto por ficar abafada entre
montes que lhe impedem as virações, tão precisas para refrigerar o calor local, na estação mais ardente, o que não sucederia, se povoassem a parte
Oriental (Paquetá e Macuco) que ficou deserta, desde o nascimento da Vila até que nela se
construíram os quartéis dos soldados, perto da Matriz (Rua Xavier da Silveira) de maneira que
sendo posto o primeiro pelourinho por Braz Cubas junto ao local onde existe a Casa do Trem (Rua Tiro Onze) bem perto do dito
outeiro, caindo, levantou-se outro depois, que é o atual, entre a cadeia pública e o
convento dos Religiosos calçados do Carmo (Praça Barão do Rio Branco), no qual se lê gravado (por ignorância) a
inscrição: "D. Pedro, 1697", a qual denotando a ereção do Pelourinho, sem mais explicações, cuidarão alguns que a Vila de Santos foi criada no
Reinado daquele Soberano.
Deve de presente tratar-se de continuar a Vila, pelas grandes e desafogadas planícies,
com que a dotou a Natureza, até a Barra Grande (Ponta da Praia), o que de certo se irá efetuar na presente e feliz época
em que serve de ornamento a todo Brasil, a presença do muito alto, poderoso e amabilíssimo Príncipe Regente Nosso Senhor (a Família Real havia
transmigrado de Lisboa para o Brasil no ano anterior).
Tem a Vila de Santos uma só freguesia, a qual compreende todo o seu distrito, tem
extensão pela Costa Marinha (praias) 17 léguas mais ou menos, e de Latitude tem o sertão setentrional (raiz da serra do Mar) que está deserto e só
povoado pela estrada para a cidade de São Paulo, com seis léguas mais ou menos de largura (cremos que quer dizer extensão).
Tem a Vila de Santos, como Praça, um regimento de infantaria da Linha, o qual está de
presente em ordem, posto no seu verdadeiro pé. Tem mais duas companhias de Infantaria Auxiliar pertencentes ao Regimento disperso pelas Vilas da
Marinha (litoral) desta Capitania, que vêm ser São Sebastião, São Vicente, Itanhaém, Iguape e Xiririca. Tem mais capitanias de ordenanças e um
capitão alferes para forasteiros.
Tem cinco fortalezas que vêm a ser: 1ª e maior, a da
Barra Grande; 2ª na praia do Góis, contígua e precedente à mesma; 3ª a de
Itapema, todas no continente (em terra) e parte da Ilha de Santo Amaro, tendo outra chamada da
Estacada, no continente (Ponta da Praia) da Ilha de Santos (quer dizer de São Vicente) a qual ficando defronte e perto da
dita Fortaleza da Barra Grande, pode muito bem e melhor defender a entrada da barra, e, também tem o Forte Nossa Senhora do
Monte Serrate, no coração da Vila (junto ao mar ao lado da Alfândega) junto aos quartéis militares, que dispara para
o ancoradouro da mesma.
Entrando-se pela Barra Grande, passando as primeiras (3) fortalezas, procedidas de uma
boa enseada, ancoradouro para muitas e boas vazas, sobe-se por um rio morto (mar do Valongo) ficando da parte esquerda o continente de Santos e da
direita, grande e maior o da Ilha de Santo Amaro, chamada outrora de Capitania, a qual, como a de Santos, é cercada tão bem de mar, rios e enseadas,
faz barra na Bertioga, aonde da parte de terra firme e direita (continente) há uma
Fortaleza e da parte da ilha de Santo Amaro e esquerda um forte bem principiado (São
Felipe) havendo também aí uma grande armação para baleias, de maneira que pela Barra Grande de Santos entram as grandes vazas (barcos) que
ancoram sumacas, pequenas e lanchas (embarcações a remo).
Tem a Vila de Santos um intendente de Marinha, e um Juiz de
Fora que sendo o presidente da Câmara exerce os dois empregos anexos à sua jurisdição. Tem um mosteiro da Ordem de São Bento,
e dois conventos, um dos Carmelitas descalços (Carmo) e outro de Franciscanos (Igreja do Valongo).
Tem também um Convento dos extintos jesuítas, cujo terreno
está hoje convertido em Alfândega, Hospital Militar e casas de residências para qualquer autoridade constituída.
Os continentes (terrenos) das Ilhas de Santos (quer dizer São Vicente) e de Santo
Amaro e adjacentes da serra acima produzem café, aguardente de cana, farinha de mandioca, e o melhor
arroz, mas de tudo um pouco, por falta de braços, tendo a mesma aptidão para produzirem, havendo indústrias e cultura, todos os mais efeitos
(produtos) como açúcar etc.
Portanto seria bom haver maior cultura nesta Marinha (litoral) porque as manufaturas
perto de água (mar) poupam, com maior vantagem, o nímio trabalho das conduções do interior de qualquer país.
O maior benefício público de que precisa a Vila e Ilha de Santos é ser esgotada das
muitas águas (pântanos) que tem estagnadas em todo o seu território (incluindo o da Vila de São Vicente), principalmente da parte sul por meio de
uma vala real (canal) comunicada com diversas sarjetas (valetas), pois assim ficaria desembaraçado para todas culturas e até
mesmo para delicadas quintas e pomares, tanto mais se cortassem as matas da parte da Barra do Sul, quanto mais sementeiras se podiam fazer de arroz,
talvez com menos trabalho e mais proveito, do que têm os povos, que neste artigo se costume empregar na Carolina Meridional (EEUU)
[N.E.: sigla em desuso no século XXI, substituída por EUA = Estados Unidos da América.
O autor refere-se à atual Carolina do Sul].
No tempo que esta Vila teve Donatários, punham estes na mesma Capitães-mores como seus
loco-tenentes (parece mas ficando a Vila depois, da Coroa, acabaram-se aqueles capitães-mores e o primeiro que houve confirmado por S.A.R.
[N.E.: = Sua Alteza Real], é o presente e atual, abaixo assinado,
VILA DE SANTOS, 2 DE FEVEREIRO DE 1809
O Capitão-mor Francisco Xavier da Costa Aguiar
1868: Monte Serrate, caravelas e o povoado, em foto feita desde a margem oposta do
Estuário
Foto por Edward Haigh, de Londres, cedida a Novo Milênio
por Bruce Baryla, de New York/EUA
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