Há algo de forte e mágico nesse bairro operário de tantas lendas e
tradição. Muita coisa da história do Macuco é também parte da vida de Oswaldo Martins, nascido ali há 70 anos. Os fatos lembrados por ele com
tanta lucidez mostram uma região muito diferente da de hoje: não existem mais os famosos comícios, nem os campos de várzea e nem os barcos de
areia na Bacia do Macuco. Mas ainda se pode encontrar alguns bares onde os moradores mais antigos se reúnem para rememorar fatos passados. Cada um
deles lembra dos valentões que marcaram época e tenta esquecer que a especulação imobiliária expulsa a população e modifica seus hábitos.
Muita tradição e folclore subsistem no Macuco,
apesar de ter perdido boa parte de sua área para formar outros bairros
As palmas ressoam no portão. "Seu" Oswaldo olha, veste o
paletó e atravessa o quintal de terra batida e árvores frondosas, na Av. Senador Dantas, 267, onde vive há 70 anos. Os passos são firmes, a
memória infalível, mas a voz já não tem o mesmo vigor dos tempos em que presidia o Comitê Popular do Bairro do Macuco e organizava comícios que
reuniam milhares de pessoas, defronte do Bar do Rosinha, hoje Bar e Restaurante Tremendão, na Bacia do Macuco. Comícios acalorados, onde não
faltavam choques com a polícia e mortes.
Com seu Oswaldo, um pouco da história
Oswaldo Martins
foi considerado revolucionário e preso várias vezes, mas como nunca se provou nada contra, acabava solto. Sem falsa modéstia, diz que representou
uma grande força. Com a mesma naturalidade, afirma que a Bacia do Macuco está acéfala desde 31 de dezembro, quando a Escola Pan-Americana, na
Avenida Siqueira Campos, 83, que fundou aos 21 anos, encerrou suas atividades. Mais de 30 mil alunos passaram por suas mãos nesses 50 anos, a
decadência começou em 1964, mas prefere não apontar detalhes.
É capaz de contar toda a história do Macuco e ajudou, muito, a fazer essa história. Além de ter presidido o
comitê por vários anos, contribuindo para que o Macuco ficasse conhecido como o bairro da política, sempre esteve ao lado dos moradores na hora de
reivindicar melhorias e protestar contra injustiças sociais.
Tranqüilo, mãos cruzadas sobre o abdômen, desfia uma série de recordações, desse jeito: "Agora vamos falar sobre
as agremiações desportivas; agora vamos falar sobre os blocos carnavalescos; agora..." De vez em quando variava: "Que mais você quer saber?". E
prosseguia, feliz.
Vulcão, passado - História que se preza tem que começar do começo. Por isso, olhos fixos em um ponto
qualquer, Oswaldo Martins conta que o nome do bairro provém da tradicional família Macuco, possuidora de grande parte da gleba onde se formou a
Vila Macuco. Na verdade, Macuco não era propriamente um sobrenome, mas acabou sendo incorporado porque Francisco Manoel do Sacramento gostava de
caçar macucos, ave galinácea. O apelido "pegou", surgiu a vila e, daí para a frente, nunca faltou motivo para se falar sobre o lugar.
Nascidos nesse bairro ou não, muitos santistas sabem que existiu até o "vulcão" do Macuco. Era terça-feira, 29
de dezembro de 1896, e um engenheiro da Comissão de Saneamento observava, com uma sonda exploratória, os terrenos que ficavam entre o Estuário e a
Rua Dona Ana Carvalhais, hoje Almirante Tamandaré, fundos do número 39. De repente, gases começaram a se desprender com muita força e logo correu
o boato: um vulcão entrara em erupção.
Muitos, temerosos, abandonaram Santos. Mas os curiosos eram em número bem maior, pois nos dias 29 e 30 os bondes
da Companhia da Viação transportaram 17.076 pessoas, para o local, fora os que chegavam em barcos e a pé. Surgira uma grande atração turística.
O vulcão continuou sendo atração mesmo depois que o chefe da Comissão Geológica e Geográfica do Estado, Orville
Derby, explicou o que se passara: a sonda encontrou uma camada de areia porosa, impregnada de água e gás, armazenados sob forte pressão, e, ao
rompê-la, provocou o fenômeno. A "erupção" durou até a segunda quinzena de janeiro de 1897, e muitos ganharam bom dinheiro vendendo refrigerantes
e comestíveis em barraquinhas instaladas nas imediações.
Mais famosa que o vulcão talvez só mesmo a Bacia do Macuco, que hoje já nem faz parte do bairro. Quantos não
lembram que ali ficavam concentrados os barcos que descarregavam areia? As crianças aprendiam a nadar lá, e embora isso ainda aconteça, há uma
grande diferença: a Bacia está abandonada e suas águas, malcheirosas e poluídas, servem como depósito de detritos. Junto a ela, havia um chafariz,
e, bem no meio, um lugar apropriado para os burros beberem água.
A saudade aumenta quando Oswaldo Martins relembra que a Afonso Pena do começo do século não passava de um
caminho em meio a árvores de mais de 30 metros de altura e um metro de diâmetro. Sem falar que, próximo ao local até hoje conhecido como
Pau-Grande, havia várias prainhas, onde se pescava à vontade.
Com seu Oswaldo, um pouco da história
Os
peixes desapareceram, assim como os campos de várzea, onde treinavam os grandes clubes desportivos rivais: União Tecelagem, União Brasil, Flamengo
e Flor do Norte. A especulação imobiliária venceu outra vez, e, dos clubes de então, restou apenas o Afonso Pena, hoje com outras características.
As agremiações foram extintas, mas muitos atletas moram até hoje no Macuco. Diamantino de Souza, que várias vezes fez a travessia do canal pelo
Flamengo, é um deles.
Só restam lembranças do Bloco dos Sujos e do Bloco do Boi, das sociedades carnavalescas. Lenhadores e
Carvoeiros. Os vários cinemas - Dom Pedro, São José, Macuco, Santo Antônio e outros - foram demolidos ou transformados em depósitos.
Não há mais opções de lazer, dizem os moradores. Passou o tempo em que as crianças armavam verdadeiras batalhas
para ver quem soltava ou pegava mais balões. Os meninos ainda podem empinar papagaios, com tantos fios de eletricidade para atrapalhar? As ruas já
não são prolongamentos dos quintais, as mulheres não sentam em frente às casas para conversar, os homens não se juntam para tomar porre na Noite
de São João. O que foi feito da malandragem?
Malandros em recesso - O Macuco não é mais um reduto de valentões, embora o preconceito permaneça. Os
malandros, sempre alinhados, trajando ternos brancos de linho ou de palha de seda, marcaram época. Quem não se lembra do "Antônio Navalhada", o
estivador número 1 de Santos, gordo feito leitão? Lutador de luta romana, não levava desaforo para casa, mas tinha "um coração de pérola", no
dizer do professor Oswaldo.
Tanto o "Navalhada" como o "Peixinho", o número 2 da Estiva, faziam ponto na Bacia do Macuco. Este, pernambucano
com apenas dois dedos na mão esquerda, era bom no gatilho e, dizem, matava dando risada. Mesmo assim, Oswaldo Martins o chama de "nosso querido
Peixinho".
Quem podia competir com o "Niaça", estivador número 3, assaltante, "valente como Lampião"? Tinha também o "Pirolão",
que ouvia os conselhos do professor Oswaldo e retrucava: "O meu pai diz que o que o senhor fala é bom, mas o senhor está pobre e ele rico". O
Simeão teve a petulância de matar o Navalhada, e passou a ser o mais temido e respeitado. Era muito querido entre as crianças, pois distribuía
balas e doces. Sem falar no "Negro Pimpão", "Lalau" e "Cabeleira". Dizem que o Simeão ainda mora em algum canto do Macuco, mas a maioria dos
valentões da época morreu tragicamente. Se sobrou algum, na certa se aposentou e passa as tardes num bar, jogando dominó. |