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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Praia do Góes, no tempo dos piratas

Quem visita hoje a pequena praia do Góes provavelmente nem desconfia que um muro de pedras ali quase despercebido já foi parte de um fortim, destinado a proteger a Baía de Santos - que domina a paisagem, no horizonte - do ataque de piratas e outros inimigos. Essa história foi contada pelo pesquisador J.Muniz Jr. no antigo jornal Cidade de Santos, cerca de 1980 (data não citada no recorte), em matéria com programação visual de José Coriolano Carrião Garcia:


A Armada Cabotina, com a bandeira de Castela, foi a primeira
a fundear nas águas da pequena praia da antiga Ilha do Sol
Imagem publicada com a matéria

Praia do Góes, recanto histórico

A Fortaleza de Santo Amaro ou da Barra Grande foi o assunto que abordamos no domingo passado, dando seqüência a uma série histórica alusiva aos fortes e fortificações locais. E uma vez que falamos da velha Fortaleza da Barra, não poderíamos deixar de retratar o antigo fortim da praia do Góes, que era uma extensão da mesma, e que dava o seu apoio tático pelo lado da praia.

Mas, para podermos entrar na história daquela trincheira, faz-se mister retroceder a um passado bem distante, na época pré-afonsina, pois, segundo rezam antigas documentações, embora pequena - com cerca de duzentos metros de extensão - a praia do Góes é um verdadeiro recanto histórico. Isso não só pelo fato de ter sido sede de uma fortificação, mas também por ter servido de ancoradouro de antigos navegadores que por aqui aportaram em épocas remotas.

As antigas crônicas e documentos publicados, que relatam a passagem de expedições marítimas por essa parte da costa do Atlântico, revelam que antes da chegada do donatário Martim Afonso de Souza, por aqui estiveram inúmeras expedições clandestinas, e houve inclusive naufrágios, cujos sobreviventes se juntaram aos primeiros habitantes brancos do nosso litoral.

Sabe-se que o cosmógrafo Alonso de Santa Cruz, que fazia parte da Armada de Sebastião Caboto, narrou no seu Islario General de todas as islas del mundo aspectos do povoado existente em São Vicente, antes mesmo da chegada da Armada afonsina.

Procedente do Rio da Prata em 1530 (para onde fora em 1526) e a caminho da Espanha, a expedição cabotina esteve no primitivo porto vicentino, episódio que levou o cosmógrafo oficial do reino ibérico [a] tratá-lo detalhadamente no seu comentário, que diz num dos trechos: "Dentro do porto de S. Vicente há duas ilhas grandes habitadas de índios; e na mais oriental, na parte ocidental dela, estivemos mais de um mês surtos..."

"Tal ocorria em 1530 - relata o comandante Eugênio de Castro em A Expedição de Martin Afonso de Sousa - única vez que passava por essas paragens Alonso de Santa Cruz". E por suas palavras, como pelas Probanzas e demais documentos transcritos por Turíbio Medina, se poderá concluir que a força naval de Caboto demandou a abra do porto de São Vicente (barra e baía de Santos), antes da armada colonizadora, e veio procurando fundo junto à atual ilha de Santo Amaro: "na parte ocidental dela, tomou um fundeadouro em que permaneceu um mês e o que certamente, para a sua segurança, era abrigado dos ventos que ali cursam com maior intensidade - provável fundeadouro que vai por nós assinalado no pama II, montada a ponta da Capetuba ou dos Limões já em águas remansosas que banham a atual praia do Góes".

Segundo o Diário de Pero Lopes de Sousa, quando a expedição chefiada por Martin Afonso aqui chegou a 20 de janeiro de 1532, de volta do Rio da Prata, em sua nau Nossa Senhora das Candêas, devido aos fortes ventos do Itaipu, e a menos de duas milhas daquele ponto lançou âncoras, isso por volta do meio-dia. À tarde, diante de uma imprevista tormenta, afastou-se do local, indo abrigar dos ventos ao Oeste e ao Sudoeste da Ilha do Sol (atual Santo Amaro), bem perto de uma ilhota, hoje chamada de Ilha das Palmas, onde chegaram de madrugada.

E com o raiar do dia (21 de janeiro), a nau suspendeu novamente e veio finalmente fundear junto de uma pequena praia, bem no local "assinalado por Alonso de Santa Cruz para fundeadouro de Caboto em 1530", conforme observou o comandante Eugênio de Castro numa conferência, realizada a 20 de janeiro de 1932, no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em comemoração ao IV Centenário da fundação de São Vicente.

Ainda sobre a pitoresca prainha que serviu de ancoradouro para os primeiros navegadores, o historiador Francisco Martins dos Santos revela o seguinte na sua História de Santos: "...o nome desta praia prende-se à chegada da Armada de Martin Afonso de Sousa que a ela aportou no dia 21 de janeiro de 1532, e na qual vinham os notáveis fidalgos, Pedro, Luiz, Gabriel e Scipião de Góes, de quem procede o referido nome por algum motivo particular que nos foge. Isso dizemos, porque a denominação Praia do Góes é antiguíssima, como se vê na carta de D. Luiz Antônio de Souza ao Vice-Rei do Brasil, em 1767. Esta praia é a mesma praia da Ilha do Sol a que refere o Diário da Navegação de Pedro Lopes de Souza..."


Projeto da Fortaleza de Santo Amaro no século XVIII, 
que passou a contar com o apoio do fortim do Góes
Imagem publicada com a matéria, reproduzida do livro Os Andradas

O Forte do Góes - Construído nos idos de 1766 e 1767, ao lado da Fortaleza da Barra Grande, o forte da Praia do Góes - que nunca chegou a ter uma denominação oficial, embora tenha sido também chamado de Santo Antônio - não passava de uma simples trincheira ou fortim. Era dotado de uma bateria para proteger a retaguarda da aludida fortaleza.

E sabido que a ereção do Fortim do Góes ocorreu durante o governo do capitão-general D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, que em carta endereçada ao vice-rei do Brasil em janeiro de 1767 (Documentos Interessantes, volume XXVIII), dizia num dos trechos da mesma: "...já posso dizer a V. Exa. que fica acabado o Forte que mandei fazer na Barra Grande da Vila de Santos na Praia chamada Do Góes, porque até o fim deste mez se lhe completa o parapeito, e as guaritas que só lhe falta. Este Forte é muito necessário para impedir os desembarques que podem haver naquela praia, que tem fundo, e podem chegar a ela as embarcações sem serem vistas da Fortaleza de Santo Amaro e desembarcando gentes, e ganhando o morro sem impedimento, ficam enfiando do alto, sem nenhum obstáculo, com os mosquetes, todos que andarem dentro da dita Fortaleza de Santo Amaro, que se descobre toda, e por conseqüência é logo tomada".

"O Forte consta de uma cortina de dois ângulos abertos de 213 palmos de comprimento, e de 20 de alto, a qual forma três faces, uma virada para a praia, que defende o desembarque, e as duas para o mar, da parte de trás e pegada no morro. Levará dezoito peças, foi feito com muita comodidade na despeza, parece que andará por três mil cruzados...".

Como se pode observar pelo relato acima, o governador da Capitania de São Paulo e Minas, seguindo recomendações do Vice-Rei, além de guarnecer as fortificações marítimas, ordenou que fosse levantado um pequeno forte na praia do Góes, visando impedir uma incursão de desembarque do inimigo naquela faixa de areia, e que dali pudesse subir o morro e tomar facilmente a fortaleza pela retaguarda, sem despertar a atenção das sentinelas daquela Praça Fortificada ou mesmo em combate.

Mas, anteriormente, o Conde de Sarzedas, na qualidade de Governador da Capitania, já havia informado tal falha ao Rei D. João V, e solicitando inclusive que aquela praia fosse fortificada para evitar possíveis ataques de surpresa à Fortaleza da Barra.

Dessa maneira, já em princípios do ano de 1767, a pequena fortificação da praia do Góes estava quase concluída, mesmo a sua cortina de pedra e cal, e que foi assim descrita pelo professor Francisco Meira no seu Santos Histórico e Tradicional: "Consta de um parapeito de pedras e argamassa muito espesso e de 100 passos de extensão. Duas muralhas laterais penetram até o morro, formando assim um ângulo obtuso à direita e outro à esquerda. A grande muralha fica frente ao mar coroada por um sólido parapeito. Interiormente uma barbeta fortemente lageada avança até o morro que lhe fica revez. O fortim batia a Ponta dos Limões, toda a praia, cruzava fogos com o Forte Augusto e defendia a Fortaleza..."

Em princípios do século passado (N.E.: século XIX), contava o fortim da praia do Góes com oito peças de artilharia, quatro das quais montadas e algumas sem condições de serem utilizadas em combate. O certo é que, com o correr do tempo, a trincheira do Góes foi perdendo toda a sua utilidade, entrando então em decadência.

Decadência e Armação - Num antigo manuscrito (Documentos Interessantes, volume 44), dirigido ao capitão-general da Capitania, provavelmente entre fins do século XVII e princípios do século XIX, encontrado entre as documentaçoes do marechal José Arouche de Toledo Rendon, consta um amplo relato das fortificações marítimas da Praça de Santos, com a seguinte referência ao fortim do Góes:

"No forte do Góes se acham oito peças, quatro montadas e quatro desmontadas e muito mal tratadas, de sorte que algumas já estão em estado de não poder dar fogo. Este forte defende o único desembarque que há desde a barra até a fortaleza e este desembarque deve ser bem defendido. O forte se acha em boa posição, porém se o inimigo consegue pôr o pé em terra com facilidade toma o dito forte e, por conseqüência, a fortaleza da Barra Grande. Este forte tem capacidade para se lhe fazerem um telheiro, onde se guarda a artilharia afim de a ter em bom estado quando a ocasião o pedir servir-se dela..."

Um relatório apresentado na Assembléia Legislativa em janeiro de 1897 dava conta que continuava desarmado e desorganizado, pois anteriormente já havia até servido de sede-sul da Armação de Baleias a Bertioga (extinta por volta de 1830), onde funcionava uma indústria de óleo de baleia que alimentava toda a iluminação da região, época em que ficou conhecido como Armação da Praia do Góes.

No seu Santos Noutros Tempos, o historiador Costa e Silva Sobrinho transcreve o Aviso Régio nº 125, de 1817, referente à Armação da Praia do Góes: "...Setecentas braças de testada, e trezentas de fundo, água vertente para a entrada da Barra Grande: parte de um lado com terras da Fortaleza de Santo Amaro, e do outro com terras de Icanhema e Issangaba, pertencentes a Ana Luísa da Silva. Este terreno pertence ao Real Contrato de Pescaria de Baleias, e é ocupado no tempo das pescarias pelos que ocupam neste exercício; tem dois agregados com suas famílias, e dois escravos que servem de zeladores e guardam a casa do mesmo contrato".

Informa ainda o mesmo historiador que, em 1834, foi requerida a venda das lanchas existentes nas Armações de Bertioga e da praia do Góes. E que, a 18 de janeiro de 1850, a casa existente naquela praia foi avaliada por ordem do inspetor de Tesouraria da Providência, a fim de ser posta em leilão público.

Apesar da ação demolidora do tempo e do efeito das marés, durante um certo tempo ainda podia-se avistar a murada e as guaritas do fortim do Góes, mas tudo foi desmoronando pouco a pouco e só restou ruínas num dos cantos da praia. Não sabemos ao certo se até os dias atuais existe qualquer vestígio daquela antiga fortificação.

No entanto, o erguimento de tal praça fortificada naquele histórico recanto representa um marco a mais na nossa história  militar, devido ao seu sentido estratégico, que foi o de interceptar o desembarque do inimigo, tendo contribuído assim para o fortalecimento da defesa da barra e do porto de Santos.

No local do antigo fortim da praia do Góes poderia ser erguido um monumento ou mesmo um marco com dizeres alusivos ao que representou outrora, pois uma vez que nada restou de suas muralhas, alguma coisa deveria registrar a importância daquele reduto, por ter participado de nossa história como ancoradouro no século XVI e posteriormente como posto avançado da Fortaleza da Barra Grande.

(Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.)


Vista da praia do Góes que serviu de ancoradouro para os antigos navegadores
Foto publicada com a matéria, de cerca de 1980

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