Aspecto do antigo Campo da Chácara (atual Praça dos Andradas),
onde aparece,
além dos animais pastando, a Casa da Câmara e Cadeia (hoje
Casa da Cultura),
e, num segundo plano, à esquerda, a Igreja de São Francisco de
Paula
Foto da Coleção Arnaldo Aguiar Barbosa, publicada com a matéria
(aqui, reprodução direta do copião fotográfico original do jornal)
Vetustas igrejas continuam desafiando o tempo
Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.
Na matéria de domingo passado, intitulada "As Primeiras
Capelas e Igrejas da Antiga Vila de Santos", focalizamos a capelinha de Braz Cubas, sob a invocação de Nossa Senhora da
Misericórdia; a capela de Santa Catarina, junto ao outeiro do mesmo nome, levantada por Luiz de Góes e sua mulher dona
Catarina de Andrada e Aguillar; a Igreja de Nossa Senhora da Graça, fundada por José Adorno e sua mulher dona Catarina
Monteiro; a Igreja do Colégio dos Jesuítas, do convento e igreja de Nossa Senhora do Monte Carmelo e a
ermida de Nossa Senhora do Monte Serrate, todas construídas do século XVI para o século XVII.
Dando seqüência à matéria anterior, estaremos focalizando hoje outras capelas e
igrejas que se destacaram na história santista, sendo que algumas resistiram ao tempo e ao progresso sempre crescente, e continuam firmes como
verdadeiros monumentos arquitetônicos da cidade, que nos fazem voltar a um passado longínquo, repleto de recordações.
Logo após a chegada da Armada Colonizadora em terras vicentinas, em 1532, o donatário
Martim Afonso, cumprindo a sua missão de povoar, consignou terras aos seus companheiros de viagem, cabendo a
Bartolomeu Gonçalves ou Bartolomeu Domingos Gonçalves, conhecido por Mestre Ferreiro, o sítio que abrange o atual morro de
São Bento e adjacências.
Logo que se estabeleceu em sua nova morada, o legendário ferreiro da Armada, além de
construir um abrigo junto à gruta do Desterro, na subida do Morro, levantou uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora do Desterro, no morro
central de sua sesmaria, isso nos idos de 1568. Posteriormente, seu filho, Bartolomeu Fernandes Morrão ou Murrão, mandou erguer uma capela com a
denominação da antiga ermida, que foi instituída oficialmente no dia 11 de abril de 1644. A fundação desta capela verificou-se a 25 de abril de
1649, cuja licença de confirmação ostentava a data de 2 de janeiro de 1650. Todavia, com o falecimento do filho do Mestre Ferreiro em 1649, o sítio
onde fora erguida a capela, bem como as terras adjacentes, foram doadas pela viúva à Ordem dos Beneditinos, que já vinha demonstrando interesse em
construir um convento na Vila de Santos.
Assim é que, logo após a doação, os religiosos da Ordem de São Bento tomaram posse da
ermida e do sítio e a partir de 1650 começaram a levantar o mosteiro, cujas obras ficaram a cargo do provincial Frei
Gregório de Magalhães. Existem versões históricas de que houve uma segunda edificação, sob a direção do Frei Pedro de São Caetano, em 1725, e que a
sua construção teria mesmo ocorrido em meados do século XVII.
Tanto o mosteiro como a igreja passaram por inúmeras reformas no decorrer do tempo,
sofrendo, inclusive, uma mudança nas suas linhas arquitetônicas em fins do século passado (N.E.: século XIX).
Devido à Segunda Guerra Mundial, o Mosteiro de São Bento foi abandonado em princípios da década de 1940, até que foi tombado pelo Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional em 1948, juntamente com a igreja.
Depois de restaurado pelo IPHAN, o antigo mosteiro foi transformado em Museu de Arte
Sacra. Quanto à igreja, continua ao seu lado, constituindo-se, sem dúvida alguma, numa verdadeira relíquia histórica e numa atração turística da
cidade.
A quase (N.E.: em relação à data da matéria, 1983)
tricentenária Igreja do Valongo, inaugurada em 24 de março de 1691, e cuja pedra fundamental foi lançada em 1641, vem
atravessando as décadas e centúrias. Tanto a estrutura do convento, como a da igreja, obedeceu ao estilo e a voga da época. Ambos foram erguidos
junto ao porto do Valongo, que era um dos núcleos onde residiam as famílias mais abastadas da Vila naqueles tempos.
As terras que passaram a pertencer à Ordem dos Franciscanos se estendiam desde o
ancoradouro de canoas, conhecido por Porto do Bispo, até as imediações do Morro do Desterro (atual São Bento) e foram doadas
à Ordem pelos seus proprietários: João Barbosa, Bartolomeu Fernandes Murrão (Morrão), Felipa Ferreira e Gonzalo Ferreira. As construções foram
iniciadas na parte que dava para o mar, abrangendo, inclusive, o local onde foi erguida a estação da Estrada de Ferro
(antiga Inglesa).
Depois de várias restaurações, que ocorreram desde o setecentismo ao oitocentismo, o
convento acabou sendo adquirido pela estrada de ferro para a construção de um terminal, enquanto que o templo seguiu sua trajetória através do tempo
e continua no mesmo local onde foi erguido em fins do século XVII.
Desde os primeiros tempos que a Vila de Santos teve várias igrejas desempenhando as
funções de Matriz, como, por exemplo, a igrejinha da Misericórdia, erguida por Braz Cubas, nas imediações do Outeiro de Santa Catarina; a igreja do
Colégio de São Miguel, inclusive a do Campo da Misericórdia, levantada em 1652, pela Irmandade da Misericórdia, sob a
invocação de Santa Isabel.
No entanto, a primeira Matriz definitiva da Vila de Santos foi concluída em 1746 e
demolida em 1908. Erguida no local onde hoje se encontra a Praça da República - onde Braz Cubas erguera a primeira igreja
de Nossa Senhora da Misericórdia, que serviu de Matriz provisória -, dava fundos para o lado da Praça Antônio Teles.
Inaugurada em 1746, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida de Santos, em
princípios deste século (N.E.: século XX), já estava num estado deplorável, ameaçada até
de demolição, uma vez que, para poder continuar servindo de igreja paroquial, necessitava de uma reforma completa. Depois de constatado o seu
condenamento, acabou sendo mesmo demolida em 1908, após cento e sessenta e dois anos de atividades.
A partir de 1906, a Igreja do Rosário foi elevada à categoria de Matriz, em caráter
provisório e, falando da vetusta Igreja da Praça Rui Barbosa (antigo Largo do Rosário) -
remanescente da Capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, construída em 1765 -, foi a mesma levantada posteriormente, em
1822, com a ampliação do terreno. Com o desmoronamento da torre em 1881, a igreja passou a ser reconstruída, cujas obras se estenderam de 1886 até
1905, tendo sido concluída no mês de julho daquele mesmo ano. Foi a partir de outubro de 1934 que tomou a denominação atual de
Nossa Senhora do Rosário.
É válido ressaltar que, com a demolição da antiga Matriz em princípios de 1908, para a
ampliação da Praça da República, logo no ano seguinte as autoridades eclesiásticas compraram um terreno localizado entre as ruas Braz Cubas e Amador
Bueno, onde foi lançada a pedra fundamental da nova igreja episcopal, isso no dia 24 de junho daquele ano de 1909.
Apesar da bênção da Cruz da sua cúpula ter ocorrido em 1921, a sua inauguração
aconteceu três anos depois, em outubro de 1924. Mesmo assim, as obras prosseguiram através dos anos e tanto a torre como a sua conclusão total só
foram concretizadas posteriormente.
Existiu outrora na antiga Rua da Praia (atual Tuiuti), defronte para o mar
(N.E: equívoco de vários historiadores: na verdade, situava-se no Largo dos
Gusmões), a Capela de Jesus, Maria, José - Santíssima Trindade, que foi edificada pelo
sargento-mor Antonio José Carvalho em fins do século XVII e que também ficou conhecida por Capela do Carvalho e Capela do Terço, pois na sua última
fase veio a pertencer à Irmandade de Nossa Senhora do Terço.
A Capela da Rua da Praia chegou a pertencer (por herança)
ao coronel José Antonio Vieira de Carvalho (sobrinho do sargento-mor), rico proprietário do solar do antigo Largo da Praça,
prédio ainda existente no Largo do Vergueiro. Depois de sua morte, o coronel foi sepultado na capela, que passou
assim para a Irmandade de Nossa Senhora do Terço. Mas acabou abandonada e ficou em estado de ruínas, fato que levou a Intendência Municipal mandar
levar a cabo a sua demolição, o que foi feito em 1902 e, depois da retirada das ossadas das pessoas que estavam enterradas, o terreno foi vendido
para uma firma em 1904.
Quando a igreja Matriz do Campo da Misericórdia encontrava-se em ruínas, as imagens
foram transladadas para a Capela de São Francisco de Paula, erguida na encosta do Monte Serrate
por pessoas que mantinham devoção pelo aludido santo. Devido à existência da capela naquela elevação (ao lado do atual túnel),
passou a mesma a ser chamada de Monte de São Francisco, denominação que acabou sendo dada à rua que saía dali em direção ao Paquetá e que perdura
até os tempos atuais: Avenida de São Francisco.
A partir de 1835, o consistório da capela - então incorporada aos bens patrimoniais da
Santa Casa - passou a servir de hospital provisório até a construção do definitivo, inaugurado em setembro do ano
seguinte. E, no dia da inauguração do novo hospital, foi celebrada missa comemorativa na capela, que continuou assim, anexada à Santa Casa até 1945,
quando foi inaugurado o atual hospital do Jabaquara, tendo sido demolida juntamente com a Santa Casa velha em princípios
da década de 1950.
Em relatório datado de 27 de março de 1950, o saudoso historiador Francisco Martins
dos Santos informa o seguinte sobre a igreja de Santa Isabel e São Francisco de Paula: "A Igreja que tem estas invocações é a que fica ao lado do
antigo Hospital da Santa Casa de Misericórdia, na encosta do Monte Serrat. Conserva ainda hoje quase o mesmo aspecto de 1835/36, quando foi
reformada e construído junto dela o novo Hospital da Misericórdia (o terceiro hospital próprio), pelo então Provedor Capitão Antônio Martins dos
Santos.
"A igreja é anterior ao
hospital cerca de sessenta anos e teve como primeira invocação o nome de São Jerônimo (antigo nome do Monte Serrat), que trocou para São Francisco
de Paula no princípio do século XIX, por Provisão do Bispo D. Matheus de Abreu Pereira. Depois que se fez o novo hospital, em 1835/1836, recebeu
tamém a invocação de Santa Isabel, que possuía ao tempo em que ficava no Campo da Misericórdia (hoje Praça Mauá, de área
reduzida).
N.do R. - Sobre as igrejas de Santos já publicamos no
Cidade de Santos as seguintes matérias: "Nossa Senhora do Carmo: Nove Séculos de História" (17/7/1971); "Da Velha Matriz à Beleza
Gótica da Catedral" (10/8/1980); "N. S. do Monte Serrat: um culto de Milênios" (7/9/1980); "Na Igreja do
Valongo, Séculos de História" (5/9/1982); "De Mosteiro a Museu de Arte Sacra" (12/9/1982) e outras.
A velha Capela de Jesus, Maria, José, que ficava nas imediações do Largo dos Gusmões,
defronte ao atual Armazém dois da Docas, e que foi demolida em 1902
Foto da Coleção Arnaldo Aguiar Barbosa, publicada com a matéria
(aqui, reprodução direta do copião fotográfico original do jornal)
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