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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TÚNEIS SECRETOS
A história de Mestre Bartolomeu

Uma história que ainda não tem um final
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A história é antiga: remonta aos primórdios da colonização do Brasil. Teve um desenvolvimento no século XX: ao desmoronar a encosta do Monte Serrat, em 1928, a entrada da gruta teria reaparecido, mas a instabilidade da encosta obrigou os operários a tampar a entrada, perdendo-se novamente sua localização na memória dos santistas. Falta uma pesquisa ampla para colocar um ponto final na história, cujo primeiro capítulo é contado assim pelo historiador Francisco Martins dos Santos, no livro Lendas e Tradições de Uma Velha Cidade do Brasil, em capítulo intitulado A gruta de Nossa Senhora do Desterro:
 
O espírito religioso de Mestre Bartolomeu, o ferreiro vindo na Armada de 1532, deixara a Santos, naquele final da era seiscentista, como lembrança duradoura de sua passagem, escondida no morro central de sua sesmaria, a Capela de Nossa Senhora do Desterro.

Muitos anos sonhara Mestre Bartolomeu com a volta para os campos de sua saudosa província alentejana, mas sonhara em vão, em vão contemplara por anos e anos a fio, a partida alegre e triste daquelas dezenas de velas grandes, que se punham, barra a fora, rumo ao seu saudoso Portugal; jamais pudera abandonar a gleba feiticeira de Enguaguassú, a humildade das posses com que provera em tão longos anos de vida, as necessidades da multiplicação com que Deus abençoara o seu lar. Nunca se maldissera porém, ou imprecara contra o destino que transformara os dois anos que devia ficar na nova terra, em cinqüenta.

Anos antes de morrer, Mestre Bartolomeu começara uma grande obra para a Vila - era o que sempre dizia a todos - mas nunca chegara a revelá-la e muito menos a exibi-la, talvez por não haver conseguido terminá-la em vida. Ao morrer, porém, declarou aos amigos que sua grande obra estava quase terminada, e que um dia saberiam dela.

Chegaram a pensar mal de Mestre Bartolomeu, o lutador, que tantos e tão bons serviços prestara a Santos e à colonização, fabricando todas as ferramentas que trabalharam o chão, que fizeram os objetos de uso e levantaram as casas de toda a região vicentina. Muita gente pensou que fosse cousa da idade, mania de um velho de oitenta anos. Seu filho, porém, recebera dele uma secreta incumbência e prometera cumpri-la.

Fazia agora dez anos da morte do ferreiro. Corria o ano de 1590, quase ao fim. Bartolomeu Fernandes, o filho, acabara de completar a obra prometida por seu pai, e declarava estar para breve a sua revelação ao povo de sua terra.

Um acontecimento forte e imprevisto viera precipitar as coisas. Na noite de 16 de dezembro daquele ano, noite escura e tormentosa, investia a barra de Santos, penetrando a luzes apagadas em seu porto, Cook, corsário inglês, lugar-tenente do famigerado Cavendish, antecipando-se à arribagem do pirata chefe. A manhã de 17 veio encontrá-lo surto no porto da Vila, em frente ao Forte da Praça, baterias assestadas contra a pequena fortificação, que, intimada a render-se, em breve assim procedia, convencida sua gente da inutilidade da resistência.

O aparato bélico com que se apresentava o pirata em seus dois fortíssimos galeões de guerra, dispensou outras apresentações. Cook vinha buscar provisões, água, mantimentos, e tudo mais de que careciam, mas, via-se logo, pela gente brutal que ele despejava em terra - gente desgrenhada, horrível, varada de necessidades e privações de toda natureza -, que sua atuação ali iria muito além da coisa objetivada.

Alguém, que o pudera fazer a tempo, correra pela Vila, a anunciar o fato, pintando os piratas com as piores cores e aconselhando a fuga.

Uma parte do povo já estava na Igreja de Santa Catarina e no Colégio dos Padres, ouvindo a primeira missa, ambos ali mesmo ao pé do desembarcadouro. Ao terrível aviso, alguns ficaram onde estavam, agarrados aos santos e aos sacerdotes, enquanto a maioria punha-se em fuga. Eram calvinistas, e decerto não respeitariam as igrejas.

Os sinos da Capela de Santa Catarina, do Colégio, de Nossa Senhora da Graça, e do Conselho (onde os havia também para isso) soaram a rebate, desesperadamente. A Vila inteira despertou assustada, preparando trouxas com mantimentos e valores, para a debandada, como sempre acontecia nas invasões.

Um homem surgiu então, em toda parte, transfigurado, gritando às famílias que o seguissem, com todos os seus valores, pois estariam todos salvos... era o filho de Mestre Bartolomeu, era o Messias surgido na polvorosa da Vila.

Nos grandes pavores, as grandes solidariedades.

- Venham comigo! - gritava ele, correndo as poucas ruas e caminhos do pequeno burgo que era a sua terra.

Confusamente, enquanto os homens válidos da Vila, com João de Abreu e Diogo de Unhate à frente, resistiam aos piratas na estacada da Alfândega e do Conselho, com seus bacamartes afeitos à luta, velhos, mulheres e crianças se reuniam em torno de Bartolomeu Fernandes, seguindo, varados de sustos e temores, de indecisões e desconfianças, atrás dos passos do filho do ferreiro, rumo a esse ponto certo e distante, onde ele dizia estar a salvação do povo e de seus valores dali por diante.

Muitos murmuravam e descriam do auxílio do moço.

Surgiam em frente deles, o morro e a Capela de Nossa Senhora do Desterro. Que aflição para todos! Parecia-lhes que a gente corsária já lhes vinha no encalço, crispando as unhas e arreganhando os dentes. Eram mais de trezentos, e rezavam, e lastimavam-se em voz alta, pronunciando os nomes dos santos da devoção.

A fila de retirantes galgava o morro. Já viam o porto, lá da altura em que todos se achavam. Pouco à frente, lá estava, bem perto, alegre como um sorriso, de tão clara, a Capela de Nossa Senhora. O caminho terminava pouco além, mais ao fundo, e uma touceira compacta de bananeiras, embiocava o talude pedregoso do morro.

- Bartolomeu! Bartolomeu! Onde está a salvação que nos prometeste? - perguntavam nervosos, descrentes, os principais fugitivos, enquanto choravam e soluçavam as crianças.

Bartolomeu galgou uma rocha solta. Estava a cavaleiro de todo o vasto cenário santista, a perder-se ao longe, em todas as direções, no círculo azul da cordilheira; sorriu, inflando as narinas e enchendo o peito. Parecia-lhe naquele momento ver na curva ampla do céu enfarruscado a figura luminosa do pai, o velho ferreiro, feliz por ver cumprida a sua promessa.

O moço saltou, lépido, da rocha em que estava, deu alguns passos, e recuando as folhas balouçantes das bananeiras, mostrou a todos, entre as rochas do talude, a entrada ampla de uma gruta.

Bico-de-pena existente no livro de Francisco Martins dos Santos
Bico-de-pena existente no livro de Francisco Martins dos Santos

- É a obra de meu pai! A gruta de Nossa Senhora do Desterro! Penetrai por ela! Vai para o Tachinho (N.E.: atual Morro de Nova Cintra), para a floresta livre, caminho seguro e desconhecido para São Vicente!

Dando exemplo à turba indecisa, Bartolomeu penetrou, escuro a dentro, como um bandeirante.

Naquele momento, os bárbaros de Cavendish, afugentados os últimos defensores de Santos, pela superioridade das forças e pelo imprevisto do ataque, acabavam de tomar posse da Vila, saqueando os armazéns, incendiando o que lhes era inútil, procurando as mulheres, as jóias, a prata e o ouro que supunham existir...

Apesar da estadia de mais de um mês em Santos, não puderam os piratas compreender o desaparecimento parcial e misterioso de sua gente, nem descobrir o seu esconderijo, entrando a fazer represálias contra a propriedade imóvel e até contra os pobres animais da terra, por despeito.

E só assim, após a retirada dos corsários, dez anos decorridos sobre o desaparecimento de Mestre Bartolomeu, pode o povo santista compreender a promessa do "Ferreiro", arrepender-se do juízo que fazia do bom velho e prestar públicas homenagens à sua memória, concentrando-as na pessoa do filho.

Pelo tempo adiante, ao rebate das novas invasões corsárias e tamoias, o refúgio seguro do povo santista, passou a ser a famosa gruta de Nossa Senhora do Desterro, ignorada dos invasores, cavada em vinte anos, com as últimas ferramentas fabricadas pelo ferreiro de Martim Afonso.

Depois, a pequena Vila cresceu. Sessenta anos mais tarde, um neto do colonizador doava aos capuchinhos as antigas terras de seu avô. Desapareceu Nossa Senhora do Desterro; implantou-se São Bento em seu lugar. Passara a época das invasões, por assim dizer, e o esquecimento caiu sobre a velha gruta, cercada nos últimos tempos, de crendices e superstições.


A rocha, com a inscrição D. P. II - 1846, e o mosteiro de São Bento
(Foto publicada no suplemento A Escolinha, do Diário Oficial de Santos, em 28/8/1972)

Vale citar que os monges que receberam a doação, ao contrário do acima afirmado, não eram da ordem dos capuchinhos, mas beneditinos. Em artigo publicado a 22/10/1997 no jornal santista A Tribuna ("O monumento histórico do morro"), o pesquisador J. Muniz Jr. reconta essa história, fundindo-a com a da visita do imperador D. Pedro II a Santos em 1846 e complementando:

[citando relato do historiador Francisco Martins dos Santos]

"(...) Ao pé do morro existia uma fonte, cujas águas foram captadas desde o século XVII, muito servindo ao povo e aos navios desde aquele tempo com suas águas abundantes..."

Em 1650, a viúva e o filho do mestre ferreiro doaram aos religiosos da Ordem de São Bento (beneditinos) a primeira ermida e respectivamente terras, onde se estabeleceram. Tempos depois, em 1725, foram lançados os assentamentos do mosteiro definitivo sobre uma "aprazível eminência de forma granítica, junto de uma fonte, cujas águas brotavam das rochas e de onde corria o ribeiro do Desterro ou de São Bento". Todo o reduto em volta da rocha ou pedra grande, bem como da fonte, era um sítio coberto de vasta vegetação.

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