O colégio dos Jesuítas e a velha Matriz, em meados do século XVIII,
vistos pelo pincel do pintor-historiador Benedito Calixto
Da velha matriz à beleza gótica da Catedral
Já se disse que a Catedral de Santos - considerada o
orgulho da cidade - é o mais belo e perfeito monumento arquitetônico da região, e que chega a causar admiração nos turistas estrangeiros que a
visitam, que revêem na sua soberba construção a majestade do estilo gótico das mais belas catedrais do Velho Mundo, principalmente pela
originalidade da sua cúpula de bronze. Sem dúvida alguma, a Catedral é bela e majestosa, ampla e com linhas altas e que, desde 1924, veio a
transformar-se no mais importante templo católico da cidade, e onde vêm sendo realizados os principais atos litúrgicos da Diocese.
Nos seus quatrocentos e trinta e sete anos de história (N.E.:
contados em 1980), Santos teve várias igrejas servindo de Matrizes, destacando-se uma, construída para esse fim,
erguida entre as atuais praças Antonio Telles e da República, e que foi demolida, em 1908. Mas, como em todos os fatos históricos existem
controvérsias, o assunto em pauta também não foge à regra, havendo uma certa discórdia entre os pesquisadores e historiadores.
Na sua Memórias para a História da Capitania de São Vicente, o monge
historiador Frei Gaspar da Madre de Deus observa que a Matriz da Praça da República era a terceira e que "as subseqüentes foram edificadas no
próprio lugar da Misericórdia antiga". Outro historiador, Alberto Sousa, assinala em Os Andradas (1922) que houve
três Matrizes, "...a provisória que era a a primeira misericórdia; ... a de 1614, tida como definitiva, e a
terceira de 1754, que foi demolida em 1908". E que "a primeira Igreja Matriz que nesse local existiu foi
a antiga Igreja da Misericórdia, edificada por Braz Cubas e pertencente à respectiva Irmandade".
Referindo-se ao assunto na sua História de Santos (1937), o historiador
Francisco Martins dos Santos exprimiu-se nos seguintes termos: "Em 1746 era acabada de construir a nova Matriz de
Santos, inaugurando-a o vigário Francisco de Oliveira Leitão. Essa Matriz foi a primeira construída especialmente para esse fim, visto que, até
então, os vigários locais haviam dado funções de Matriz, primeiro à igreja da Misericórdia, que era a mesma de Santa Catarina, construída junto ao
outeiro desse nome, depois à Igreja do Colégio, situada na atual Praça da República (onde elevou-se um dia esta de 1746), e mais tarde ainda, por
abandono da Igreja dos Padres do Colégio, à nova igreja Misericórdia construída em 1665, que foi por eles ocupada sempre sob protesto dos Irmãos da
Misericórdia até o referido ano de 1746, quando foi inaugurada a Matriz definitiva e separada..."
"A confusão de Frei Gaspar - prossegue o historiador
(obra mencionada) - declarando que essa matriz era a terceira construída naquele mesmo lugar, provém do fato de ignorar
ele, por não constar de um documento claro, a localização da primeira igreja da Misericórdia, que foi a Matriz dos primeiros tempos e por ter sido
construída ali a Igreja do Colégio que desempenhou as funções de segunda Matriz; justificando-se desta forma a afirmação do sábio monge santista..."
A tal respeito, dom Paulo de Tarso Campos registra, no Anuário da Diocese de Santos
(1942), que foi o padre Leitão "quem, em 1746, concluiu e inaugurou a Matriz de Santos, demolida em 1908";
e que "essa foi a primeira Matriz propriamente dita", acrescentando ainda: "Antes dela,
funcionavam como Matriz as Igrejas da Misericórdia e do Colégio São Miguel dos Padres Jesuítas..."
Como se pode observar pelas revelações dos historiadores mencionados, chega-se a uma
provável conclusão de que, embora outras igrejas tenham servido de matriz noutros tempos, "a primeira Matriz
propriamente dita" foi aquela erguida junto da Praça da República, conforme consta no Anuário de d.
Paulo.
Fachada da antiga Matriz da Praça da República, em princípios do século XX
(há uma anotação no canto esquerdo: ..6/9/1907)
Foto da coleção Jaime M. Caldas, publicada com a matéria
A velha Matriz - Concluída no paroquiato do padre doutor Francisco de Oliveira
Leitão, que foi Vigário da Vara e Encomendado de Santos, no período de 1742 a meados de 1746, a antiga Matriz, com a invocação de Nossa Senhora
Aparecida de Santos, foi inaugurada em 1746, sendo que o ato de bênção somente veio a ocorrer no dia 1º de junho de 1746, a cargo do então Vigário
da Vara, padre Faustino Xavier Prado.
Segundo consta nos antigos documentos tirados do Livro do Tombo da Paróquia, a Igreja
Matriz de Santos tinha ao todo sete altares - o maior sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário dos Brancos -, além de capela do Santíssimo
Sacramento, do altar onde ficava o Sacrário. Contava igualmente com irmandades e confrarias, com obrigações e compromissos, e inclusive uma
irmandade dos pretos e outra dos pardos, ambas sem compromissos. Também tinha uma pia batismal, onde os irmãos Andradas foram batizados.
A freguesia da antiga Igreja Paroquial abrangia cinco capelas espalhadas pela Região:
a de São João, da Bertioga; a da Senhora da Apresentação, de Garumahy; da Nossa Senhora das Neves; a de São Sebastião, no sítio de João Batista de
Saes, junto da Barra Grande, e a de Santo Amaro. Além dessas capelas, existiam ainda a de Invocação de Santo Amaro, na Fortaleza da Barra, além de
dois oratórios, um no sítio de Martinho de Oliveira, com a Invocação de Santa Rita e de Santa Quitéria, e outro, no sítio de Francisco Vicente
Ferreira, junto ao Jurubatuba, com a Invocação de São José, segundo registro do Livro do Tombo da Paróquia.
Abrimos aqui um parêntese para um fato curioso:
persiste até os dias atuais uma dúvida sobre os restos mortais de Braz Cubas, se estariam ou não junto da sua
estátua na Praça da República, inaugurada em 1908, ano em que a velha Matriz foi abaixo, e onde existia a
sepultura do fidalgo português.
Vejamos o parecer do historiador Jaime Mesquita Caldas, observador minucioso de nossa
história, com uma vasta documentação em seu arquivo particular e que assim se expressou a respeito:
"Dos 38 antigos vigários de
Santos desde 1546 até 1900, convém ressaltar a figura do padre Urbano da Silva Monte, vigário na antiga Matriz no período de 11 de novembro de 1886
a 15 de abril de 1895.
"Foi no seu vigariato que desapareceu a primitiva lápide tumular de Braz Cubas que se
encontrava sob o altar-mor da Igreja Matriz; mandou ele retirá-la nas reformas que se procedeu junto ao altar-mor em 1893, sem ligar a mínima
importância a essa respeitável pedra, que representava a fundação da nossa cidade. Assim, resultou não só a perda irreparável do epitáfio primitivo
de Braz Cubas com as respectivas datas, como a perda e confusão da mesma sepultura na velha Matriz de Santos.
"Quando se quis exumar os restos mortais do fundador de Santos, para serem
transferidos para a cripta do monumento, que então se erigiu em 1908, na mesma cidade, - nada se encontrou. A sepultura de Braz Cubas não foi
encontrada, porque a lousa de mármore polido substituiu, noutro lugar, a primitiva laje, idéia lamentável do padre Urbano da Silva
Monte.
"Parece-nos - concluiu - que
a velha Matriz não vinha sendo bem administrada, pois o padre José Joaquim de Souza Oliveira, que antecedeu o padre Urbano, no período de 22 de
dezembro de 1885 a novembro de 1886, contribuiu para que o Diário de Santos de 2 de abril de 1889 dele fizesse a seguinte referência:
"O vigário de Santos, José Joaquim de Souza Oliveira, vivia em sua fazenda, deixando a paróquia em abandono, o que deu motivos
a reclamações"." Além desses
fatos lamentáveis, Jaime Caldas revela ainda que, depois da demolição da Matriz, até a sua pia batismal desapareceu.
Parte dos fundos da Matriz que dava para a Praça Antônio Teles (então Praça Telles)
Foto da coleção Jaime M. Caldas, publicada com a matéria
Com o passar do tempo, todos os acontecimentos marcantes tanto da Vila (depois
cidade), como da Província ou do Império (depois República), repercutiam na Matriz, que se engalanava para comemorar tais efemérides, e segundo o
historiador Costa e Silva Sobrinho (obra mencionada), suas dependências serviam até para a qualificação eleitoral e para local de eleições.
E dentre as festividades marcantes, ali comemoradas, destacaram-se as cerimônias
religiosas alusivas à Independência em 1822, o Te Deum celebrado por motivo da elevação de Santos à categoria de cidade em 1839, bem como da
abolição da escravatura e da proclamação da República, que foram levadas a efeito com grande brilhantismo.
Entretanto, a sua marcante existência foi interrompida em 1908, quando foi demolida,
como parte de um acordo celebrado entre o bispado de São Paulo e a Câmara Municipal de Santos, encerrando assim uma trajetória de cento e sessenta e
dois anos.
É sabido que, em princípios do século (N.E.: século XX),
a vetusta Matriz já se encontrava em mau estado de conservação, com ameaça de desabamento e necessitando de uma reforma urgente e completa, para
poder continuar servindo de igreja paroquial. Também se cogitava a transferência de sua vigararia para a Igreja do Rosário, o que acabou sendo
concretizado a 4 de abril de 1906. Assim é que a Igreja do Rosário foi elevada à categoria de Matriz, passando então a ter "caráter
de Matriz Provisória, desde 20 de maio de 1906", conforme registro do historiador Jaime Franco, na História da
Igreja do Rosário.
O certo é que, depois de vistoriada por um engenheiro enviado pela Câmara Municipal,
em fevereiro de 1906, foi constatado que a Matriz estava condenada e não tinha mais condições para comportar o grande número de fiéis durante as
cerimônias religiosas. Diante do laudo apresentado, ficou resolvido que a mesma deveria ser demolida para que a praça da República pudesse ser
ampliada.
Flagrante da solenidade de lançamento da pedra fundamental da Catedral em 1909,
aparecendo ao fundo o Arcebispo de São Paulo sentado no trono improvisado
Foto da coleção Jaime M. Caldas, publicada com a matéria
A catedral da praça - Com a demolição da antiga Matriz em princípios de 1908,
as autoridades eclesiásticas começaram a procurar um local para a construção da nova Matriz, já que haviam sido indenizadas pela desapropriação do
imóvel da Praça da República, que foi assim incorporado ao patrimônio municipal.
Logo em fevereiro de 1909 foi lavrada a escritura de um imóvel que ficava entre as
ruas Braz Cubas e Amador Bueno, sendo divulgado em seguida o projeto do novo templo, elaborado pelo engenheiro prussiano Maximiliano Emílio Hehl,
que já havia se encarregado do projeto da construção da Catedral de São Paulo e do quartel acastelado do Corpo de Bombeiros de Santos.
O aludido imóvel era de propriedade de Daniel Teotônio Ferreira e Henrique Cupertino
Botelho, dois dos herdeiros do marinheiro açoriano José Maria Botelho, que havia adquirido o terreno no século passado
(N.E.: século XIX) e onde construiu casa e passou a residir com a família até o seu falecimento. Após a fixação do
local e a apresentação da planta, foi marcado, para o dia 24 de junho daquele mesmo ano, o lançamento da pedra fundamental da nova igreja episcopal,
que chegou a receber da Câmara Municipal a quantia de 170 contos de réis para as suas obras.
Tal solenidade transcorreu com grande brilhantismo, com a honrosa presença do
arcebispo de São Paulo, dom Duarte Leopoldo e Silva, e o local, todo ornamentado com palmeiras e bandeiras, tinha, além do trono do arcebispo,
arquibancadas que foram ocupadas pelas autoridades. Ao lado dos mestres-de-cerimônia, monsenhor Benedito de Souza, cônego doutor Sebastião de Leme
(lente do Seminário Episcopal) e os padres Miguel Nogueira e Pedro Fialho, dom Duarte, paramentado com suas insígnias arquiepiscopais, de mitra e
báculo, procedeu à bênção da pedra fundamental do futuro templo.
Após o ato, o pergaminho onde fora lavrada a ata do faustoso acontecimento e com as
assinaturas das autoridades foi encerrado numa lata de zinco, juntamente com exemplares dos jornais da época, moedas de prata, níquel e cobre (do
Império e da República), embutida na pedra fundamental e coberta com pedra de mármore, com a seguinte inscrição: "24 - JUNHO - 1909"
Coube ao arcebispo lançar a primeira argamassa com uma colher de prata, dando assim
início ao novo templo. E, do trono improvisado, D. Duarte ouviu atentamente a oração inaugural proferida pelo monsenhor Benedito, bem como a
aclamação popular.
O festivo acontecimento revestiu-se de grande pompa, contando com a participação de
várias irmandades, associações e colégios religiosos, que haviam saído em procissão da Igreja do Rosário, ostentando seus estandartes, enquanto que
os alunos empunhavam galhardetes. Também contou com banda de música, além da realização de queima de fogos e tantas outras manifestações de júbilo.
Passados nove anos de trabalho na construção da Catedral, teve lugar no dia 23 de
novembro de 1951 (N.E.: 1951??? há referências a 1917) a bênção da cruz da cúpula pelo
cônego Juvenal Koehly. É válido ressaltar que tanto a cruz como a cúpula foram doadas pelo dr. Cândido Gaffrée, então diretor-presidente da
Companhia Docas de Santos.
Recorrendo mais uma vez ao historiador Jaime Caldas, eis a sua descrição a respeito: "Tendo
ao seu lado os srs. Ato Macuco Borges e António de Almeida Jr., chefe das oficinas da Companhia Docas, que serviram de paraninfos da cerimônia, o
cônego Koehly lançou a bênção à cruz que, a seguir, foi elevada, por meio de cabos, para a plataforma da cúpula, sobre a qual seria colocada. Da
cerimônia foi lavrada uma ata. Ficou deliberado que a cruz seria descoberta por ocasião da passagem da procissão de Nossa Senhora do Monte Serrat,
no dia 8 de dezembro, desse mesmo ano. E foi justamente o que veio a ocorrer".
Quanto á inauguração da nova Matriz - que, devido às suas linhas no estilo gótico passou a
ser considerada uma verdadeira Catedral, mesmo com as obras inacabadas - somente veio a ocorrer de 4 a 5 de outubro de 1924, com a entrega das
chaves e missa solene, celebrada por Dom Duarte Leopoldo e Silva, o arcebispo metropolitano.
As obras prosseguiram através dos anos, e tanto a torre como a sua conclusão total
foram concretizadas posteriormente, inclusive as estátuas de São Pedro e São Paulo que foram colocadas no alto, na frente do templo, e que foram
bentas, juntamente com os sinos, no dia 4 de outubro de 1951. (Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.)
A Catedral de Santos, considerada um dos mais belos monumentos da região, em 1980
Foto publicada com a matéria
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