Charles Mitchell nasceu na escócia em 1820 e, desde muito jovem, empregou-se numa fundição de sua cidade natal, Aberdeen, onde fez seu aprendizado. Aos 22 anos de idade, mudou-se
para Newcastle (Inglaterra), indo trabalhar num dos estaleiros pioneiros na construção naval em ferro da época, estaleiro este pertencente ao sr. John H.S. Coutts, também ele originário de Aberdeen.
Após 1844, C. Mitchell fez de novo sua bagagem, desta vez para morar e trabalhar em Londres, num outro estaleiro, o de Maudslay, Son & Field. Por conta destes, o jovem Mitchell teve oportunidade, no decurso de suas funções, de viajar extensivamente
pela França, Itália e Alemanha.
Este último país teria grande influência no decurso de seu futuro. Ao voltar à Inglaterra em 1850, Mitchell decidiu montar seu próprio estaleiro de construção naval e, dois anos mais tarde, estabelecia-se por conta
própria em Newcastle, abrindo as portas para o desenvolvimento de seus próprios negócios.
Seu novo estaleiro, situado em Low Walker, às margens do Rio Tybe, iniciou em 1853 os trabalhos num pequeno vapor de cabotagem (linha de navegação doméstica) destinado à Austrália, sendo o primeiro de nada menos do
que outros 450 navios que seriam construídos por John C. Mitchell & Co. até o ano de 1888.
Em 1869, C. Mitchell associou-se aos armadores Watts e Milburn, ambos de Newcastle (Inglaterra), e ao sr. August Bolten, originário de Hamburgo (Alemanha) e intermediário de negócios marítimos, para a criação
de uma nova empresa armadora, que levou o nome de Hamburg Brasilianische D.G. (HBDG). Esta nova companhia marítima tinha por finalidade - como seu próprio nome indicava - estabelecer um serviço de linha de vapores entre a Alemanha e o Brasil.
O navio Santos, da Hamburg-Sud, construído em 1899, tinha capacidade para 50 passageiros em primeira classe e 400 na terceira. O cartão-postal, datado 1905, mostra o navio atracado nas
proximidades da Alfândega do Porto de Santos
Imagem: cartão postal no acervo do despachante aduaneiro e cartofilista Laire José Giraud,
publicada na rede social Facebook em 26/9/2014
Primeiro no nome - Foi assim que, em 1869, C. Mitchell construiu em seu estaleiro o pequeno vapor batizado Santos, o primeiro a levar este nome, jamais até então utilizado, e que realizou viagem
inaugural entre Hamburgo e Santos em junho de 1869. Neste mesmo ano, outros dois vapores foram entregues à HBDG, o Brazilian e o Rio, ambos também produtos do estaleiro de C. Mitchell.
Chegamos então ao ano de 1871, quando os três sócios da HBDG, apoiados por substancial financiamento por parte do Commerz & Disconto Bank de Hamburgo, puderam estabelecer uma nova empresa, que se sucederia à HBDG e
na qual seriam incorporados os três vapores citados e outros ainda a serem construídos.
A primeira assembleia anual geral dos acionistas foi realizada em 23 de novembro de 1871, e a nova empresa registrada seis dias depois. Foi eleito presidente o sr. Heinrich Amsinck, e esta prestigiosa família
hanseática, os Amsinck, estaria diretamente ligada à empresa nos primeiros 100 anos de existência.
A nova companhia recebeu o nome de Hamburg-Südamerikanischen D.G. (HSDG) e ficaria conhecida mundialmente como Hamburg-Süd, armadora que, mais de um século depois de sua fundação, é uma potência de primeiro plano
no mundo dos negócios e transportes marítimos.
Em 1872, incorporando os três vapores da antiga HBDG, a Hamburg-Süd iniciou suas operações para a costa Leste da América do Sul com a famosa bandeira da casa (quatro triângulos invertidos, dois em campo branco e
dois em campo vermelho) e com seus navios levando chaminé inteiramente em cor negra. Tão logo formada, a HSDG providenciou a compra de um vapor que se encontrava em construção no estaleiro de J.Laing, de Sunderland.
Em 27 de março de 1872, este vapor foi-lhe entregue: o Bahia, seguido por um quarteto de novos vapores construídos durante o ano de 1872 e que realizariam suas viagens inaugurais no
decurso de 1873. Eram estes o Buenos Aires, Montevideo, Argentina e Valparaiso, dos quais o segundo e o terceiro mencionados eram produtos dos estaleiros de C. Mitchell. Em 1885, a Hamburg-Süd possuía uma frota de 16
vapores, metade dos quais tinha menos do que quatro anos de existência.
No início da última década do século XIX, transcorridos 20 anos de distância no tempo desde sua fundação, a Hamburg-Süd possuía um total de 27 navios, representando 58 mil toneladas, operando exclusivamente entre
os portos da Alemanha e aqueles do Brasil e dos países do Rio da Prata.
No ano de 1876, uma outra companhia alemã, a Norddeutscher Lloyd (NDL), ou Lloyd Alemão, como ficaria conhecida no Brasil, e que havia sido fundada em Bremen no ano de
1857, iniciou a operar seus navios na Rota de Ouro e Prata em aberta concorrência com a Hamburg-Sud.
Entre 1876 e 1889, a NDL utilizou 17 navios diferentes para o tráfego sul-americano, culminando com o lançamento, em 1889, do Karlsruhe, o primeiro navio alemão acima de 5 mil toneladas a ser construído e
utilizado para a rota do Brasil e do Prata.
Para fazer face a seu concorrente germânico, a HSDG iniciou uma guerra de fretes, baixando as suas tarifas e aumentando a oferta de navios na linha e a frequência de viagens. Estas passaram, em 1879, de 25 a 34 por
ano (viagens completas, de ida e volta), com duas saídas mensais para o Brasil e uma para o Rio da Prata.
Em 1888, porém, a frequência de saídas para a Rota de Ouro e Prata havia se tornado bimensal, tal era grande a demanda para o transporte de passageiros (a maioria dos quais eram imigrantes) e de carga.
Na ida entre a Europa e a América do Sul, embarcavam-se emigrantes; na volta, os navios eram carregados com trigo, lã e carne argentina ou uruguaia, e café, açúcar e cacau brasileiros.
Em 1889, os 35 navios da empresa realizaram 107 viagens redondas para o Brasil e Bacia do Prata, transportando naquele ano 14 mil passageiros, um quarto dos quais pagou a tarifa da primeira classe.
O sucesso financeiro daquele ano permitiu um aumento do capital social e o pagamento de um dividendo acionário de 14%. Além disso, a Hamburg-Sud previa manter bons resultados nos anos que se seguiriam, já que a
América do Sul, como um todo, vinha se desenvolvendo a grandes passos, graças à imigração europeia.
Diante de tal conjuntura, a HSDG passou ordens de construção de quatro novos navios para sua rota sul-americana, a serem construídos em três estaleiros diferentes. No ano seguinte, esse novo quarteto entrou em
serviço. O Itaparica, realizando a viagem inaugural em janeiro, o Paraguassu em junho, o Amazonas em novembro e o Patagonia em dezembro.
Encomendas - A partir de meados de 1892, a Hamburg-Süd lançou-se num ambicioso projeto de novas construções para a sua linha sul-americana. Subsídios financeiros generosos por parte do Governo Imperial da
Alemanha permitiam-lhe passar novas ordens aos estaleiros alemães (tal como exigido pelas autoridades em contrapartida aos subsídios).
Assim sendo, foram planejados em dois estaleiros diferentes dez novos vapores, que passaram a ser entregues a partir de 1893. Neste ano, surgiram o Buenos Aires e o Rosario, ambos produtos do
estaleiro Blohm & Voss, de Hamburgo (Alemanha).
No ano seguinte, entraram em linha o Mendoza e o Corrientes, produtos do mesmo estaleiro; em 1895, apareceram o Argentina e o Paranagua (construídos pela firma Reiherstieg, de Hamburgo),
o Desterro, o Guahyba, o Tucuman e o Asuncion (produzidos pela firma Blohm & Voss, também de Hamburgo). A estes dez vapores com capacidade mista (cargas e passageiros), devem ser acrescentados
outros três de carga e com limitada capacidade de passageiros (somente 12 em primeira classe): o Antonina, o Babitonga e o Pelotas, lançados em 1893.
Dos 59 navios lançados pela Hamburg-Süd na Rota de Ouro e Prata no decurso do século XIX, o último foi batizado com o nome de Tijuca, de dimensões médias, similar em desenho de
prancha ao Santos, lançado no mesmo ano de 1899.
A fim de atender a crescente demanda de passagens para emigrantes, a Hamburg-Süd encomendou navios cada vez maiores, e na aurora do século XX, entre os vários navios que entrariam para sua frota, surgiu o
Cap Verde, o primeiro a ser construído pelo estaleiro Flensburger Schiffsbau para a empresa, e lançado ao mar em 8 de maio de 1900.
1ª Guerra Mundial - Bahia Blanca, Buenos Aires, Bahia Castillo e Bahia Laura foram os nomes que receberam quatro vapores de uma série similar ordenados
sequencialmente para a linha específica Hamburgo-Buenos Aires-Hamburgo, sem escalas intermediárias em portos do Brasil. Construído em 1912 e 1913, vésperas do início da Primeira Guerra Mundial, este quarteto de transatlânticos estava destinado a
servir por pouco tempo a bandeira da Marinha Mercante Germânica.
Possuidora, em 1914, de uma vasta frota de 56 vapores oceânicos (e outros cinco em fase de construção) - representando cerca de 350 mil toneladas - e 181 pequenos navios auxiliares (rebocadores, barcaças e barcos),
a Hamburg-Süd encontrou-se em 1919 sem nenhum dos seus grandes navios. Os que não foram afundados ou apreendidos no decurso do conflito, foram, a partir da assinatura do Tratado de Versalhes, confiscados como reparação de guerra e entregues aos
vencedores aliados, através das autoridades da Comissão de Navegação Aliada, agência oficial interaliada encarregada de coordenar os aspectos marítimos do imediato pós-guerra. Dos quatro vapores, só o Bahia Castillo voltaria a navegar, em
1922, sob as cores da Alemanha e na Rota de Ouro e Prata.
Cap Polonio em 1927, passando pelo trampolim de madeira que existia na Ponta da Praia, em Santos (substituído
em 1945 por outro em cimento e demolido por volta de 1970 . Nota-se a presença de um fotógrafo com seu tripé na praia.
Foto do livro Navios e Portos do Brasil, de João Emilio Gerodetti e Carlos Cornejo,
divulgada pelo cartofilista e despachante aduaneiro Laire José Giraud na rede social Facebook (acesso: 19/3/2014)
Renascimento - Em 1920, a Hamburg-Süd renasceu das cinzas da guerra. Utilizando seis navios alugados, sua bandeira voltou a flutuar nos mastros, reabrindo a linha para o Brasil e o Prata. No ano seguinte, o
vapor Argentina, construído para a HSDG em 1918, tornou-se o primeiro navio de propriedade da armadora a retomar o rumo dos mares do Atlântico Sul, sendo seguido pelo Espanha, também construído sob as ordens da empresa, em 1921.
Outros cinco navios (entre os quais o Cap Polonio) foram readquiridos pela HSDG a autoridades da Grã-Bretanha e reintegrados à frota em 1921.
Esta evolução gradual levou os dirigentes da empresa à decisão de construir dois transatlânticos de passageiros, destinados à Rota de Ouro e Prata. Estes dois navios receberiam os nomes de Antonio Delfino e
Cap Norte, seriam construídos pelo mesmo estaleiro A. Vulkan, de Hamburgo (Alemanha), e lançados ao mar com poucos meses de diferença um do outro, respectivamente em 1921 e 1922.
Em 1922, o volume de carga transportado pelos vários navios da HSDG na linha alcançava 170 mil toneladas, e o número total de passageiros embarcados em viagens redondas realizadas por todos os seus navios foi de 35
mil.
Nos planos da HSDG, a expansão da frota era a palavra-chave e o início dos anos 20 era tão promissor em termos de demanda de espaço de carga e passageiros que a companhia alemã não hesitou em projetar a construção
de outros cinco transatlânticos para o Atlântico Sul.
O primeiro desses navios a sair da prancheta de desenho para as rampas do estaleiro foi o transatlântico misto (cargas e passageiros) Monte Sarmiento, que entrou em serviço no mês de novembro de 1924 -
sendo, ao mesmo tempo, por alguns meses, o maior navio a motor até então construído.
O Monte Sarmiento deu início à série Monte, e o segundo dessa série foi batizado com o nome de Monte Olivia, sendo seguido em 1928 pelo Monte
Cervantes e, em 1931, pelos Monte Pascoal e Monte Rosa.
Eram os anos de ouro do transporte mundial de passageiros, e os lançamentos de grandes navios transatlânticos se sucediam num ritmo impressionante. A HSDG ainda lançou, em 1927, o mais esplêndido de todos os seus
navios, o Cap Arcona, destinado a substituir na Rota de Ouro e Prata o velho Cap Polonio, construído em 1914.
Em 1927, a Hamburg-Süd realizava 62 viagens redondas, representando 200 mil toneladas de carga e 40 mil passageiros anuais. Eram também realizados alguns cruzeiros de turismo, no Mar do Norte e no Mediterrâneo e
até mesmo com saídas de Buenos Aires em direção das águas gélidas da costa patagônica.
Racionalização - Cinco anos mais tarde, o governo da Alemanha decidiu impor um programa de racionalização do transporte marítimo das companhias daquele país, e a HSDG foi obrigada a vender algumas de suas
unidades.
No decurso de 1932, registraram-se dois acontecimentos que provocariam uma forte diminuição do tráfego sul-americano: de um lado, fracassaram as negociações para a renovação do acordo da Conferência de Fretes para
a Linha do Prata, e os preços sofreram, como consequência, uma forte queda: do outro lado, a Revolução Constitucionalista, em São Paulo, obrigou o fechamento do porto de Santos e a perda de carga naquela escala aumentou as dificuldades financeiras
da empresa.
A partir da segunda metade dos anos 30, a situação econômica global havia melhorado muito e a Hamburg-Süd, como também outras armadoras da época, conheceu um período de crescimento e bons resultados financeiros.
Nestes idos, a frota de navios de passageiros da Hamburg-Süd utilizada na Rota de Ouro e Prata era a mais importante de todas as armadoras, pois, além do Cap Arcona, eram empregados nada menos do que outros 13 navios no serviço para a costa
leste da América do Sul.
A Hamburg-Süd utilizava também cerca de 30 navios puramente de carga que escalavam em quase todos os portos da costa Leste brasileira (até mesmo aqueles de pequeno tráfego, como Paranaguá, Ilhéus e Maceió) e do
Prata. Carne congelada, café, frutas, cereais e algodão eram as principais mercadorias embarcadas no sentido Sul-Norte, enquanto equipamentos, máquinas e produtos de consumo o eram no sentido inverso.
Os três grandes condutores da armadora no período do entre as guerras foram os doutores Theodor e Herbert Amsinck e John Eggert, homens de grande valor moral e incansáveis líderes de um grande grupo de navegação
comercial.
Com a declaração de guerra em setembro de 1939, entre os países aliados de um lado (Inglaterra, França e Alemanha) e a Alemanha sob o jugo nazista de outro, este último país viu desaparecer dos mares o oceanos sua
grande frota mercante.
Centenário - Ao completar 100 anos de existência, em 1971, a Hamburg-Sud, já então integrada em um único conglomerado jurídico-financeiro, decidiu renovar em parte a frota de cargueiros, adotando, ao mesmo
tempo, o conceito de transporte modal por meio de navios porta-contêineres. Foi naquele ano que entraram em serviço, na rota do Atlântico Norte, os primeiros navios desse tipo de armadora (Columbus New Zealand, Columbus Australia e
Columbus America).
Entre 1969 e 1972, vários navios da frota da Hamburg-Sud foram vendidos, já que haviam alcançado o limite de idade e uso impostos pela armadora. Entre estes, encontravam-se o Santa Rita e o Santa Rosa,
integrantes da segunda série, além dos 14 cargueiros da primeira série do tipo Cap. A maioria desses navios era utilizada na rota sul-americana e, a fim de substituí-los, a Hamburg-Sud decidiu, em fins de 1970, encomendar um par de
cargueiros para carga seca não conteinerizada.
A ordem foi passada ao Estaleiro Lubecker Flanderwerk AG, do Porto de Lubeck, resultando meses mais tarde no aparecimento do Santa Cruz, lançado ao mar em novembro de 1971, e do Santa Fe, em janeiro
de 1972. Este par de cargueiros entrou em serviço no decorrer de 1972, sendo utilizado na linha entre Hamburgo e Buenos Aires, via os tradicionais portos de escala da rota.
Os outros três cargueiros desta série foram encomendados em 1974 ao Estaleiro Kherson, do porto, então soviético, do mesmo nome, situado no Mar Negro. Tal encomenda marcou o fim de uma
tradição estabelecida pela Hamburg-Sud, desde os tempos da fundação, que consistia em encomendar a construção de seus navios em estaleiros da Alemanha (a grande maioria), ou da Grã-Bretanha (em número menor). Receberam os nomes de Santa Rita,
Santa Elena e Santa Rosa, entrando em serviço na rota sul-americana no decorrer de 1976.
"Cap Polonio - Este raro cartão-postal circulado entre alemães no Brasil em maio de 1930 mostra o navio Cap Polonio, da armadora alemã Hamburg-Sud (Hamburg-Südamerikanischen
Dampfschiffahrts Gesellschaft), em uma de suas últimas viagens, fundeado no canal do estuário do Porto de Santos, mais ou menos na direção do Armazém 14. O navio ficou muito conhecido por trazer centenas de imigrantes alemães e de outros países
europeus para o Brasil. Tinha 20.576 toneladas e 194,39 metros de comprimento, com três chaminés e dois mastros. Foi construído a partir de 1914 no estaleiro Blohm & Voss, em Hamburgo, mas em 1919 foi aprisionado pelos britânicos e alugado para a
armadora Union Castle e depois para a P&O, fazendo uma viagem para cada uma. Em 1921 foi vendido para a Hamburg-Sud e passou a fazer a rota Hamburgo-Buenos Aires, com escalas no Rio de Janeiro e Santos. Em 1931 ficou retido em Hamburgo e em 1935
foi demolido num estaleiro de Bremerhaven, na Alemanha".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006) |