A imigração alemã no Brasil teve suas origens estabelecidas no I Reinado, de Dom Pedro I. A esposa deste, a imperatriz Leopoldina, natural da Áustria, via com bons olhos a
possibilidade de povoar o imenso território da jovem nação com os arianos de olhos azuis. A Alemanha e seus países limítrofes viviam então uma crise de crescimento que fora a seqüência lógica dos
efeitos da euforia do período pós-napoleônico europeu. De um lado existia, portanto, a vontade política de abrir as fronteiras, e, do outro lado, a debilitada condição econômica da nação germânica favorecia a idéia de passar a fronteira, isto é,
emigrar.
O povoamento sistemático do Brasil meridional com imigrantes germânicos iniciou-se em 1824 e, no primeiro período de colonização (1824-1830), foi fundada no Rio Grande do Sul a colônia pioneira de São Leopoldo, à
margem do Rio dos Sinos. Neste mesmo período, entraram, no então "Império do Brazil", cerca de 7 mil cidadãos germânicos.
Após os acontecimentos históricos da abdicação de Dom Pedro I (1831) e a Revolução Farroupilha (1835-1845), que fortemente diminuíram o afluxo de imigrantes, houve uma retomada de interesse no fenômeno migratório,
seja por parte brasileira, seja por parte européia.
Crescimento - A imigração alemã teve seu período de fausto durante o período de governo pessoal de Dom Pedro II, a partir do fim da década de 1840. Floresceram então colônias importantes, como Petrópolis
(Rio de Janeiro), Blumenau e Joinville (Santa Catarina) e Novo Hamburgo (Rio Grande do Sul).
Entre 1838 e 1884, entraram no Brasil cerca de 70 mil imigrantes teutônicos e, entre 1884 e 1893, outros 23 mil. Pode-se, assim, concluir esta breve análise, dizendo que entre o ano pioneiro de 1824 e 1894, isto é,
num período de 70 anos, foi aproximadamente 100 mil o número de alemães entrados no Brasil.
Com o fator multiplicação (a prole de descendência era numerosa naqueles tempos), e com a preponderância quase absoluta de casamentos intra-raciais, o número de teutônicos e seus descendentes diretos vivendo no
Brasil era de cerca de 300 mil indivíduos em fins do século XIX.
Em 1892, vários acontecimentos de grande importância histórica se produziram no cenário marítimo brasileiro: a abertura da barra do porto de Rio Grande (Rio Grande do Sul), dando acesso às águas da Lagoa dos Patos
e à cidade de Porto Alegre; a inauguração do primeiro trecho de cais linear do porto de Santos; os trabalhos de melhoramentos dos portos do Rio de Janeiro e de Salvador (Bahia).
Estes esforços de viabilizar o acesso ao País através da porta de entrada de seus principais portos eram, por sua vez, frutos de outros acontecimentos na história da nação brasileira: a abolição do regime de
escravidão em 1888, a proclamação da República em 1889, a lei da grande naturalização de dezembro do mesmo ano, a liberdade dos cultos religiosos, o reconhecimento internacional da nova República no decorrer de 1890 e a Carta da Constituição
de 1891.
O Asuncion foi entregue pelo estaleiro construtor em 16/10/1895 e navegou durante 48 anos
Imagem: reprodução, publicada com a matéria
Encomendas - A partir de meados de 1892, a Hamburg-Süd lançou-se num ambicioso projeto de novas construções para a sua linha sul-americana. Subsídios financeiros generosos por parte do
Governo Imperial da Alemanha permitiam-lhe passar novas ordens aos estaleiros alemães (tal como exigido pelas autoridades em contrapartida aos subsídios).
Assim sendo, foram planejados em dois estaleiros diferentes dez novos vapores, que passaram a ser entregues a partir de 1893. Neste ano, surgiram o Buenos Aires e o Rosario, ambos produtos do
estaleiro Blohm & Voss, de Hamburgo (Alemanha).
No ano seguinte, entraram em linha o Mendoza e o Corrientes, produtos do mesmo estaleiro; em 1895, apareceram o Argentina e o Paranagua (construídos pela firma Reiherstieg, de Hamburgo),
o Desterro, o Guahyba, o Tucuman e o Asuncion (produzidos pela firma Blohm & Voss, também de Hamburgo). Este último era o maior em tonelagem de arqueação (4.663 toneladas), enquanto o Desterro era menor, com 2.543
toneladas.
A estes dez vapores com capacidade mista (cargas e passageiros), devem ser acrescentados outros três de carga e com limitada capacidade de passageiros (somente 12 em primeira classe): o Antonina, o
Babitonga e o Pelotas, lançados em 1893.
O Asuncion, que nos interessa de mais perto, foi entregue pelo estaleiro construtor em 16 de outubro de 1895, iniciando, 15 dias depois, sua viagem inaugural entre Hamburgo e Santos. Deste último porto, o
Asuncion foi um assíduo freqüentador, permanecendo atracado em seus cais por centenas de ocasiões, na sua longa carreira de 48 anos.
Senão, vejamos: num primeiro período de quase 20 anos, sempre a serviço da Hamburg-Süd, permaneceu na linha Alemanha-Brasil-Prata, transportando sobretudo emigrantes no sentido Norte-Sul e café e algodão no sentido
oposto. Suas inúmeras passagens em Santos foram esquecidas no cinzento da rotina e nenhum acontecimento digno de maior registro a ser mencionado.
Primeira Guerra - Em 4 de agosto de 1914, encontrava-se pela enésima vez no porto santista, porém naquele dia o destino do navio tomava outro rumo: estourava no Velho Continente a primeira grande
conflagração deste século e findava o período obscuro do pequeno navio anônimo Asuncion.
Sempre atracado em Santos, foi logo alvo das atenções da Ettapen. Seus porões foram rapidamente tomados por importante carga de carvão (o petróleo da época) e materiais diversos, que seriam de utilidade para
a Marinha Imperial.
Seu comandante, o capitão Frisch, em contato com as autoridades consulares alemãs no Brasil, aguardava instruções. Estas se concretizaram operacionalmente duas semanas mais tarde: zarpar em direção Norte, fugindo
aos eventuais controles britânicos e em veste de navio auxiliar da Armada alemã.
No artigo dedicado ao vapor Patagonia, descrevemos o início das atividades bélicas do cruzador Karlsruhe, da Marinha Imperial alemã. Em agosto de 1918, o Karlsruhe,
sob o comando do capitão Köhler, iniciou, a partir do Caribe, um cruzeiro de guerra no Atlântico Central e ao longo das costas brasileiras, cruzeiro este que duraria até o início de novembro do mesmo ano, quando o Karlsruhe foi destruído por
uma explosão acidental interna, que fez 260 vítimas entre os 400 homens da tripulação.
Nos três meses de duração deste cruzeiro de guerra, foram apresados ou destruídos 16 vapores aliados, entre os quais o importante Vandick, navio de linha da Lamport & Holt, da
Grã-Bretanha.
Encontros no mar - Mas, retornemos ao Asuncion. Após sair de Santos, navegou bem rente à costa para fugir ao controle dos cruzadores britânicos e em direção Norte. Por volta do dia 28 de agosto,
recebeu comunicação telegráfica do Karlsruhe para um encontro numa posição do Atlântico Sul, bem ao largo das costas do Rio Grande do Norte. Além do Asuncion, também fora convocado o vapor Crefeld e o
encontro realizou-se no dia 30 daquele mês.
Na tarde do dia seguinte, foi capturada a primeira vítima, o Strathroy, que, com 5.600 toneladas de carvão, viajava de Norfolk (Virginia, Estados Unidos) para o Rio de Janeiro. Os tripulantes de origem
européia do Strathroy foram transferidos como prisioneiros a bordo do Asuncion, enquanto os de origem chinesa foram mantidos a bordo. Em setembro, além do Strathroy, foram interceptados outros seis vapores e seus tripulantes
repatriados a bordo do Crefeld e do Asuncion.
Este último servia também como pombo-correio, passando e recebendo comunicações telegráficas codificadas para o Karlsruhe - que obviamente, por razões de segurança, não podia correr o risco de usar seu
telégrafo.
O Asuncion e o Crefeld, segundo as ordens operacionais do capitão Köhler, eram também destacados para ir depositar em terra os seus prisioneiros que se encontravam a bordo. Assim, ambos os
vapores, aproveitando o estado de neutralidade brasileira, iam para Recife (Pernambuco) por poucas horas, desembarcavam os passageiros e se reabasteciam de víveres frescos e jornais, estes últimos grandes fontes de informação sobre o tráfego
marítimo da época (!!!) e colaboradores involuntários da estratégia de destruição alemã.
Após servir o Karlsruhe durante outubro, o Asuncion foi dispensado no dia 27, com instruções de levar para porto brasileiro no Pará a última partida de prisioneiros feitos naquele mês. Estavam então a
bordo do Asuncion nada menos do que 461 prisioneiros e, enquanto navegava em direção à costa, foi avistado pelo Kronpriz Wilhelm, cruzador auxiliar armado alemão e um encontro entre os dois comandantes aconteceu a bordo do
Kronprinz, trocando-se assim informações de grande importância operacional.
No Pará - O Asuncion fundeou no Pará no dia 2 de novembro, e nesse mesmo dia teve encerrada sua carreira de navio-auxiliar da Marinha alemã. No entretempo, as autoridades brasileiras fizeram saber ao
governo alemão, via canal diplomático, que não seriam mais tolerados os atos que violavam o status de neutralidade do Brasil no conflito - e as idas e vindas dos diversos vapores auxiliares, tais como o Asuncion, o Crefeld e outros
não seriam mais permitidas na costa brasileira.
O Asuncion permaneceu internado no Pará até abril de 1917, quando o Brasil rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha. A partir dessa data, foi apresado pelas autoridades locais e entregue ao
Lloyd Brasileiro, com o novo nome de Campos.
Sempre sob essa denominação, o ex-Asuncion serviu durante 26 anos a marinha mercante nacional, realizando emprego em quase todas as linhas de cabotagem (navegação doméstica) criadas pelo Lloyd Brasileiro.
O fim do valente vapor chegou na forma de um torpedo disparado pelo submarino alemão U-170, do comandante Pfeffer, que em outubro de 1943 pairava nas águas entre Santos e Rio de Janeiro em busca de vítimas.
Pfeffer conseguiu certa noite fazer penetrar seu submergível nas águas internas da Baía de Santos, mas naquela ocasião a barra estava vazia.
No dia 23, avistou o Campos, que realizava solitário passagem do Rio de Janeiro para o porto de Rio Grande (Rio Grande do Sul), sem carga, e às 8 horas mandou-lhe um torpedo, que foi explodir a boreste (lado
direito) da proa (frente) do vapor. Quinze minutos depois, novo disparo do submarino e o Campos, ainda com seu hélice funcionando, foi para o fundo do mar.
Dos 57 tripulantes e seis passageiros, pereceram 12 homens. Uma baleeira de salvamento foi colhida pela pá do hélice do navio e seus ocupantes, jogados à água, sete dos quais não conseguiram se salvar.
O ataque ocorreu a 25º 07' Sul de latitude e 45º 40' Oeste de longitude, com o vapor afundando nas coordenadas aproximadas de 24º 42' Sul de latitude e 45º 45' Oeste de longitude, próximo à ilha de Alcatrazes. |