Ao se iniciarem as hostilidades que em 1914 seriam o ponto de partida da Grande Guerra Mundial, a companhia alemã Hamburg-Süd (HSDG)
possuía uma frota de 56 navios em atividades e outros cinco em fase de construção. Estes 61 vapores representavam cerca de 350 mil toneladas, excluídos porém os 181 navios-auxiliares que a companhia
possuía nos diversos portos de sua rota principal, a de Ouro e Prata.
O primeiro conflito mundial seria fatal não só para as ambições da Alemanha Imperial como também para a HSDG, pois - no decurso ou logo após a guerra - seus navios teriam sido ou afundados, ou apreendidos após
internamento, ou capturados, ou consignados como compensação.
Em 1920, a Hamburg-Süd renasceu das cinzas da guerra. Utilizando seis navios alugados, sua bandeira voltou a flutuar nos mastros, reabrindo a linha para o Brasil e o Prata. No ano seguinte, o vapor Argentina,
construído para a HSDG em 1918, tornou-se o primeiro navio de propriedade da armadora a retomar o rumo dos mares do Atlântico Sul, sendo seguido pelo Espanha, também construído sob as ordens da empresa, em 1921.
Outros cinco navios (entre os quais o Cap Polonio) foram readquiridos pela HSDG a autoridades da Grã-Bretanha e reintegrados à frota em 1921.
Esta evolução gradual levou os dirigentes da empresa à decisão de construir dois transatlânticos de passageiros, destinados à Rota de Ouro e Prata. Estes dois navios receberiam os nomes de Antonio Delfino e
Cap Norte, seriam construídos pelo mesmo estaleiro A. Vulkan, de Hamburgo (Alemanha), e lançados ao mar com poucos meses de diferença um do outro, respectivamente em 1921 e 1922.
O Antonio Delfino foi lançado na mesma época do Cap Norte, pelo mesmo estaleiro
Austero - Relativamente lento, o Cap Norte tinha características de construção que visavam sobretudo a sobriedade de emprego em tempos difíceis: linhas austeras e compactas, espaço ocupacional
pequeno, mas racional, grande número de passageiros em relação à tonelagem (o que explica também a existência de nada menos do que 24 botes salva-vidas a seu bordo) e economia no consumo de combustível.
Sua viagem inaugural para o Brasil e o Prata iniciou-se no dia 14 de setembro de 1922, com saída de Hamburgo, e nessa linha permaneceria por 17 anos.
Nesse longo período, o Cap Norte realizava viagens redondas (de ida e volta) entre Alemanha e os portos do Rio da Prata em 38 dias, escalando em Vigo, Lisboa, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santos.
Enquanto se dirigia para o Hemisfério Sul, seu irmão gêmeo Antonio Delfino procedia em sentido oposto, numa rotação operacional articulada, o que permitia saídas mensais dos principais portos de escala.
Em 1922, o volume de carga transportado pelos vários navios da HSDG na linha alcançava 170 mil toneladas, e o número total de passageiros embarcados em viagens redondas realizadas por todos os seus navios foi de 35
mil.
Em 1927, já contando com outros três grandes navios de passageiros, a Hamburg-Süd realizava 62 viagens redondas, representando 200 mil toneladas de carga e 40 mil passageiros anuais. Eram também realizados alguns
cruzeiros de turismo, no Mar do Norte e no Mediterrâneo e até mesmo com saídas de Buenos Aires em direção das águas gélidas da costa patagônica.
Racionalização - Cinco anos mais tarde, o governo da Alemanha decidiu impor um programa de racionalização do transporte marítimo das companhias daquele país, e a HSDG foi obrigada a vender algumas de suas
unidades.
No decurso de 1932, registraram-se dois acontecimentos que provocariam uma forte diminuição do tráfego sul-americano: de um lado, fracassaram as negociações para a renovação do acordo da Conferência de Fretes para
a Linha do Prata, e os preços sofreram, como consequência, uma forte queda: do outro lado, a Revolução Constitucionalista, em São Paulo, obrigou o fechamento do porto de Santos e a perda de carga naquela escala aumentou as dificuldades financeiras
da empresa.
Assim, os dois gêmeos Cap Norte e Antonio Delfino foram cedidos à Norddeutscher Lloyd (NDL), que os rebatizou com os nomes de Sierra Salvada e Sierra Nevada, respectivamente. Apesar da
mudança de nome e de proprietário, ambos foram mantidos em serviço na Rota de Ouro e Prata.
Em 1934, a Hamburg-Süd recuperou seus dois navios, e os nomes foram mudados, revertendo aos originais. No entretempo, modificações estruturais haviam dado ao Cap Norte a capacidade de transportar 1.600
passageiros, ao invés dos originais 1.886. Em 1938, tal capacidade era de somente 1.125 passageiros.
O Cap Norte, nesta foto feita em Hamburgo, era um navio compacto e sólido
Segunda Guerra - Setembro de 1939. Estoura a Segunda Guerra Mundial. O Cap Norte encontra-se em pleno Atlântico Sul no dia 3 daquele mês, navegando em direção Norte. Havia zarpado de Pernambuco
algumas horas antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, com 171 tripulantes a bordo e algumas dezenas de passageiros. Seu comandante recebe instruções de desembarcar todos os passageiros no porto de Lisboa.
Isto feito, o transatlântico recebe ordens de tentar alcançar a Alemanha, navegando pelo Norte das Ilhas Britânicas, procurando assim furar o bloqueio imposto pela Royal Navy (Marinha Real Inglesa).
O Cap Norte, então disfarçado no navio sueco Ancona, encontrava-se no dia 9 de outubro a Noroeste das Ilhas Faröe, quando apareceu no horizonte o HMS Belfast, cruzador da Marinha Britânica, que
patrulhava aquelas águas.
Devido ao mar agitado, o comandante alemão hesitou em dar ordem de implodir seu navio, e, assim, os marinheiros britânicos puderam subir a bordo do transatlântico e capturá-lo intacto.
O Cap Norte, levado para a base naval de Scapa Flow, foi, em 1940 e em Newcastle, transformado em navio-transporte-de-tropas com o novo nome de Empire Trooper. No dia de Natal daquele mesmo ano, o
Empire Trooper, navegando no comboio WS-5A em direção Oeste no Atlântico Norte, cai na mira dos canhões do cruzador pesado alemão Hipper e recebe um projétil de grosso calibre na altura do porão nº 2. A explosão provoca um buraco no
casco e o navio-transporte-de-tropas (que viajava vazio) aderna de proa (frente) e a boreste (estibordo, lado direito).
Apesar do dano e do adernamento, o Empire Trooper consegue alcançar o porto de Ponta Delgada, nas Ilhas Açores. Mais tarde, ele seria escoltado até a base naval inglesa de Gibraltar, onde seria reparado.
Subseqüente emprego como transporte de tropas veria o Empire Trooper navegando em várias missões no Atlântico Norte, no desembarque para a conquista de Diego Suarez e Majunga (Oceano Índico) em 1942, e no
ano seguinte, nos desembarques das tropas aliadas na Sicília e em Salerno.
Anos finais - Antes do término do segundo conflito mundial, o desgastado navio foi levado novamente a Newcastle para uma reforma geral, da qual sairia em 1944, com capacidade de transportar 1.500 pessoas em
beliches e 350 passageiros em cabinas, e, por uma coincidência, voltaria a serviço entre Tílburi e Cuxhaven, transportando familiares de soldados britânicos (estacionados nos territórios conquistados da Alemanha) ao lado de seu irmão gêmeo ex-Antonio
Delfino, também transformado em trooping (transporte de tropas), com o nome de Empire Halladale.
Em 1949, mais uma vez, o Empire Trooper vai para doca seca, desta vez em Falmouth (Sul da Inglaterra) para modernização. Tonelagem aumentada para 14.106 toneladas e capacidade diminuída para 1.000 soldados.
Mais cinco anos de utilização militar até o dia 12 de abril de 1955, quando atracou em Southampton (Inglaterra) proveniente de Hong Kong, com 1.100 pessoas a bordo. Seria sua última viagem oficial.
Em outubro daquele ano, foi entregue aos demolidores no porto de Inverkeithing, onde, antes de ser desmontado a maçarico, sofreria um incêndio, afundando nas águas baixas da Baía Garelock.
O Empire Trooper, ex-Cap Norte, nos 33 anos de sua existência, transportou - entre civis e soldados - mais do que um milhão de pessoas.
O Cap Norte, passando pela Ponta da Praia, em Santos, por volta de 1928 em cartão postal com texto manuscrito em alemão
Imagem divulgada
na rede social Facebook em 30/3/2014 pelo cartofilista Laire José Giraud |