Construído às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o vapor estava destinado a ter uma carreira muito curta
Bahia Blanca, Buenos Aires, Bahia Castillo e Bahia Laura foram os nomes que receberam quatro vapores de
uma série similar ordenados seqüencialmente pela Hamburg-Südamerikanischen D.G. para a linha específica Hamburgo-Buenos Aires-Hamburgo, sem escalas intermediárias em portos do Brasil.
O primeiro e o terceiro navios mencionados foram produtos do estaleiro Reiherstiegwerft, de Hamburgo, deste levando respectivamente os números 444 e 446 de construção. Os outros dois sairiam das rampas do famoso
Bremer Vulkan, em Vegesack, na costa báltica da Alemanha. Construído em 1912 e 1913, vésperas do início da Primeira Guerra Mundial, este quarteto de transatlânticos estava destinado a servir por pouco tempo a bandeira da Marinha Mercante Germânica.
O Bahia Blanca teve seu fim nas praias de Pamplida, nas proximidades de Leixões, em Portugal
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Frota - A Hamburg-Süd, possuidora, em 1914, de uma vasta frota de 56 vapores oceânicos e 181 pequenos navios auxiliares (rebocadores, barcaças e barcos), encontrou-se em 1919 sem
nenhum dos seus grandes navios.
Os que não foram afundados ou apreendidos no decurso do conflito, foram, a partir da assinatura do Tratado de Versalhes, confiscados como reparação de guerra e entregues aos vencedores aliados, através das
autoridades da Comissão de Navegação Aliada, agência oficial interaliada encarregada de coordenar os aspectos marítimos do imediato pós-guerra. Dos quatro vapores, só o Bahia Castillo voltaria a navegar, em 1922, sob as cores da Alemanha e
na Rota de Ouro e Prata.
Este quarteto de navios, do tipo misto, possuía dois hélices e duas máquinas de propulsão alternativa de tríplice expansão, com potência de 4.300 cavalos-vapor. Construídos especialmente para fazer face ao grande
fluxo de emigração européia para a América do Sul que então se registrava, na sua configuração original estes navios possuíam acomodações para passageiros em segunda classe e 2.300 em terceira - steerage.
Mas passemos ao rápido histórico dos destinos desses quatro navios a partir da data fatídica de 3 de agosto de 1914, que marcou o início da guerra.
Bahia Laura - Encontrava-se em navegação no Atlântico Sul, em viagem Buenos Aires-Hamburgo, tendo a bordo 1.500 cidadãos alemães residentes na Argentina. Aqueles homens retornavam à Alemanha,
respondendo ao apelo de convocação militar pelas autoridades do país, que já previam o conflito.
Ao receber comunicação, via telégrafo sem fio, o seu comandante não hesitou em procurar refúgio no Porto de Pernambuco, onde o vapor permaneceu internado até 1917, quando foi apreendido pelas autoridades
brasileiras. Passou ao gerenciamento operacional do Lloyd Brasileiro em 1918, com o nome de Caxias. Em 1923, foi definitivamente adquirido por essa armadora nacional e, rebatizado como Ruy Barbosa, foi
utilizado em diversas rotas internacionais.
O seu fim chegou em julho de 1934, quando foi encalhar na Praia da Pamplida, próxima a Leixões, na costa portuguesa, em viagem de Hamburgo para o Rio de Janeiro e Santos. Declarado perda total, o navio foi
despojado de tudo o que pudesse ser salvo, e seu casco vendido para demolição in situ.
Bahia Castillo - Encontrava-se em Hamburgo e neste porto permaneceu durante a guerra. Em 1922, foi vendido pela Comissão de Navegação Aliada para a empresa A.G. Hugo Stinnes, de Hamburgo, sendo
rebatizado General Belgrano. Com este nome, voltou a servir a Rota de Ouro e Prata até 1932, quando foi demolido.
Buenos Aires - Internou-se no porto insular de Las Palmas da Grande Canária, em agosto de 1914, e aí permaneceu até o fim do conflito. Posteriormente, foi repassado pela Comissão de Navegação Aliada
ao governo da França, que, por sua vez, em 1932, o vendeu para a Messageries Maritimes.
Com o novo nome de Cephee, foi utilizado nas linhas para a Austrália e Nova Caledônia a partir de julho de 1922. Permaneceu servindo a rota do Pacífico Sul até a sua venda para demolição, na Inglaterra, em
1935.
Bahia Blanca - Encontrava-se atracado em Buenos Aires, quando da eclosão da guerra européia, e aí ficou internado até abril de 1918. Em seguida, foi negociada a sua venda para o governo argentino.
Sob a bandeira desse país, navegou durante 18 anos, sobretudo sendo empregado em viagens regulares no tráfego de emigrantes de Hamburgo, via portos espanhóis e portugueses, levando na chaminé as cores azul e branca
da nação platina. Na época, já tinha superestrutura de dois conveses, dos quais o inferior era inteiramente fechado e o segundo servia como ponte de passeio aberta.
Em 1935, foi revendido para o consórcio semiestatal Italia Di Navigazione, reformado e rebatizado como Umbria. Realizou então algumas viagens como navio-transporte de tropas entre a
Itália e o Leste da África para as guerras coloniais da Eritréia e Abissínia. Em 1º de janeiro de 1937, foi concretizada a sua venda para o Lloyd Triestino, baseado em Trieste. O vapor foi então pintado com as cores branca (para casco e
superestrutura) a amarelo-ouro (para a chaminé). O Lloyd Triestino o empregou então em linhas regulares entre portos italianos e portos da Espanha, da Líbia, da Cirenaica, da Albânia ou da Eritréia.
Final épico - A última viagem do Umbria teve caráter épico. Zarpou de Gênova em maio de 1940, escalando em seguida em Livorno e Nápoles. Nos três portos italianos, embarcou grande carregamento: 360
mil obuses de canhão, correspondentes a 6 mil toneladas, 60 caixas de detonadores e respectivas bombas, 8.487 sacos de cimento e materiais de construção diversos, 5.500 toneladas de cargas diversas, entre as quais centenas de pneus para veículos
militares, três automóveis Fiat do tipo 1100 e dezenas e dezenas de outros itens.
Encontrava-se sob o comando do capitão Lorenzo Muiesan, nativo de Trieste, e tinha como destino final o Porto de Calcutá, devendo, porém, realizar escalas intermediárias em Messina, Massaua e Áden. No dia 3
de junho, escalava em Port Said, onde embarcava 1.000 toneladas de carvão e 130 toneladas de água. A travessia do Canal de Suez foi extremamente lenta, o que despertou a suspeita dos tripulantes italianos de que o piloto-oficial tinha ordens
superiores para retardar o Umbria.
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Durante a guerra, refugiou-se no Brasil |
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Interceptação - Finalmente, na madrugada de 6 de junho, o vapor italiano saía das águas do canal, mas logo em seguida era interceptado pela corveta britânica Grimsby, que ordenava ao capitão Muiesan
para se dirigir a Port Soudan, a fim de passar por inspeção e controle de contrabando de guerra.
Às 7h30 do dia 9, o Umbria largou âncoras ao largo de Wingate Reef, na entrada de Port Soudan. A bordo, subiram diversos oficiais e marinheiros da fragata HMS Leander, que informaram Muiesan de
que a inspeção levaria pelo menos 36 horas. Na manhã do dia seguinte, 10 de junho, à hora do almoço, Muiesan - que estava na escuta permanente da Rádio Adis-Abeba, a qual transmitia em italiano - ficou sabendo que o seu país havia declarado estado
de beligerância com os países da Aliança Franco-Britânica.
Face ao estupor de todos, Muiesan convocou o engenheiro-chefe, de nome Costa, e ordenou-lhe que sabotasse imediatamente o Umbria, abrindo vários compartimentos e válvulas do seu fundo. Costa recusou-se a
fazê-lo, achando que a medida extrema era ainda prematura. Enquanto o bate-boca prosseguia entre os dois, o Umbria mudou ligeiramente de inclinação: outros oficiais haviam executado a ordem que Costa recusara!
O Umbria começou lentamente a afundar e, quando os oficiais do Leander, ancorado ali perto, se deram conta do que estava acontecendo, já era tarde demais para salvar o vapor.
Foi assim que o Umbria (ex-Bahia Blanca) chegou ao seu fim, pousando a 38 metros de profundidade, adernado sobre o seu flanco de bombordo, nas coordenadas 37º 19’ Norte de latitude e 19º 38’ Leste de
longitude, a 200 metros do recife Wingate. A natureza da sua carga desaconselhou os britânicos a qualquer tentativa de retirá-lo das águas e ainda hoje é possível mergulhar nos seus restos, onde permanecem praticamente intactos os largos pneus
destinados aos carros blindados do Exército italiano. |