Em 1869 foi fundada, em Hamburgo, a Hamburg-Brasilianische Dampfschiffahrts Gesellschaft, a qual asseguraria uma ligação marítima entre o porto de Hamburgo e os do Brasil.
August Bolten, agente marítimo de Hamburgo, tendo como sócios W. Milburn & Co. e C. Mitchell & Co., ambos de Newcastle (Inglaterra), figuraram como precursores daquela que seria uma das maiores e mais prestigiosas
empresas de navegação no serviço da América do Sul.
Dois anos mais tarde, ou seja, em 1871, o sucesso da empresa era tal que August Bolten, entusiasmado, criou uma empresa de maiores proporções.
No dia 4 de novembro desse mesmo ano, em Hamburgo, foi fundada a Hamburg-Südamerikanische Dampfschiffahrts Gesellschaft, cujo capital inicial era de 5 mil ações, distribuídas entre 250
acionistas.
A primeira assembléia anual geral dos acionistas foi realizada em 23 de novembro de 1871, e a nova empresa registrada seis dias depois. Foi eleito presidente o sr. Heinrich Amsinck, e esta prestigiosa família
hanseática, os Amsinck, estaria diretamente ligada à empresa nos primeiros 100 anos de existência.
Vapores - A frota inicial da Hamburg-Süd, como ficou conhecida, constituiu-se de três vapores: Santos, Rio e Brazilian, provindos dos ativos da Hambug-Brasilianische.
A esses, juntaram-se os vapores: Bahia, cuja inauguração marcou a extensão dos itinerários até os portos do Sul do Brasil; Valparaíso, o primeiro navio de propriedade da empresa construído
inteiramente em um estaleiro alemão; Hamburg e Paranaguá, os quais iniciaram o serviço que, a partir de 1878, se estenderia até o Rio da Prata.
Na década de 1880, o crescimento da empresa fortaleceu as relações comerciais entre os países sul-americanos e a Alemanha, fato este que deu novo impulso à expansão de sua frota.
Em 1889, o efetivo da empresa contava com 25 navios, totalizando 50 mil toneladas, transportando, na ida, milhares de passageiros que buscavam nova vida no continente sul-americano, e levando, na viagem de retorno
à Alemanha, café e cereais.
Perdas - Na década de 1890, a Hamburg-Süd sofreria suas primeiras perdas; o Buenos Aires naufragou nas proximidades do Rio de Janeiro e o Corrientes foi ao fundo ao largo de Montevidéu,
Uruguai.
Não obstante, novos navios continuaram a ser construídos por conta da armadora, superando o efeito das perdas. Nessa mesma década, surtos epidêmicos de febre amarela em Santos, aliados ao cólera, levaram a empresa
a alugar a paradisíaca Ilha das Palmas, na entrada da barra de Santos, onde as tripulações e os passageiros entravam em quarentena, protegidos dos mosquitos que infestavam porto e cidade.
A fim de atender a crescente demanda de passagens para emigrantes, a Hamburg-Süd encomendou navios cada vez maiores, e na aurora do século XX, entre os vários navios que entrariam para sua frota, surgiu o Cap
Verde, o primeiro a ser construído pelo estaleiro Flensburger Schiffsbau para a empresa.
Lançado ao mar em 8 de maio de 1900, o Cap Verde foi entregue aos seus armadores em 27 de julho do mesmo ano e a 5 de agosto saiu de Hamburgo em viagem inaugural ao Brasil e Rio da Prata.
Navio de proporções limitadas, o Cap Verde media 125,10 metros de comprimento entre perpendiculares (extensão do navio na linha de flutuação) e 14,70 metros de boca moldada (largura interna no cavername),
possuía 5.909 toneladas de arqueação bruta e 3.609 de arqueação líquida. Era impulsionado por um jogo de maquinário a vapor de quadrúplice expansão, desenvolvendo 2.900 HP e dando-lhe a velocidade de apenas 12 nós.
Com respeito às acomodações de passageiros, o Cap Verde podia levar 80 de primeira classe, bem como 500 emigrantes em beliches localizados em salões. Sua tripulação compunha-se de 184 pessoas.
O Cap Verde teria vida longa, e sobreviveria aos dois grandes conflitos mundiais, porém sua vida sob a bandeira do Império Germânico seria breve.
O ex-Cap Verde, rebatizado como Raul Soares, em foto posterior a 1925
Compensação de guerra - Ultrapassada a Primeira Grande Guerra, o Cap Verde foi entregue aos aliados como reparação de guerra, indo parar em mãos britânicas. A Allied Shipping Comission (Comissão de
Transporte Aliado) da Grã-Bretanha apossou-se do navio, entregando-o à Peninsular & Oriental (P&O), de Londres, que passou a operá-lo.
Entre 24 de maio de 1919, data de sua entrega à Inglaterra, e 10 de outubro de 1920, data em que a Comissão Aliada tomou posse dele, o Cap Verde permaneceu inativo.
Ele continuou desativado do serviço de passageiros e carga até março de 1921, quando foi vendido a uma empresa britânica, a Anglo-Yugoslav Transatlantic Co. Ltd., a qual também não chegou a empregá-lo em serviço
ativo.
Rebatizado - Em 20 de maio de 1922, estando ainda em boas condições para serviços, foi recomprado pela Hamburg-Süd, que o rebatizou com o nome de Madeira, colocando-o em serviço ativo, sempre na linha
da América do Sul, para a qual ele havia sido projetado e construído.
A primeira passagem do Madeira na Rota de Ouro e Prata, após a Primeira Guerra Mundial, foi realizada entre agosto e outubro de 1922. Esta viagem reinaugurava o serviço da HSDG para o Brasil. O Madeira
escalou em Rotterdam, Leixões, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santos. Na viagem de retorno à Europa, zarpou de Santos em 22 de setembro de 1922.
Com o reinício da construção naval na Alemanha no primeiro período pós-guerra, a Hamburg-Süd colocou novos e mais confortáveis navios de passageiros na linha de Brasil e Argentina.
O Madeira, então, tornou-se aquém das exigências e, posto à venda, foi comprado em julho de 1925 pelo Lloyd Brasileiro, que o colocou na linha do Brasil à Europa do Norte, com
terminal em Hamburgo, seu antigo porto de registro.
Raul Soares - Rebatizado Raul Soares, nome que seria conhecido por muitas gerações de passageiros e marinheiros brasileiros, teve longa carreira. Sobreviveu ao conflito mundial de 1939-1945 e,
graças à sua robusta construção, chegou ao ano de 1964 quando, ao largo do porto de Santos, serviu de presídio para presos políticos.
No ano seguinte, com seu casco enferrujado e de aparência fantasmagórica, o antigo Cap Verde da Hamburg-Süd - que durante 40 anos navegara sob o pavilhão verde, amarelo, azul e branco - foi demolido sob a
ação dos maçaricos de acetileno do ferro-velho naval, na Cidade Maravilhosa, aonde ele chegara pela primeira vez na aurora do século XX. |