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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Cap Arcona

1927-1945

 

O navio de passageiros Cap Arcona era o mais famoso dos transatlânticos a singrar os dois lados do Oceano Atlântico na rota para o Brasil e o Prata

Segundo a levar este nome por conta da armadora Hamburg-SudAmerikannischen Dampfschiffarthrits Gessellschaft (Hamburg-Süd), o Cap Arcona foi, de todos os tempos da Rota de Ouro e Prata, um dos cinco transatlânticos de maior prestígio a freqüentar os portos sulamericanos. Os outros quatro grandes foram o britânico Alcantara, da Royal Mail; o francês L’Atlantique, da Sud-Atlantique; e os italianos Augustus, da NGI, e Conte Grande, da Italia Navigazione.

Embora não tenha sido em absoluto o maior por dimensão e tonelagem, o mais luxuoso por requinte ou mais rápido por velocidade de cruzeiro, este soberbo transatlântico foi, sem dúvida, o mais famoso de todos a singrar os dois lados do Atlântico, na rota para o Brasil e Prata. Sua entrada em serviço deu-se num período de acirrada concorrência entre as diversas grandes armadoras que disputavam o movimentado tráfego de passageiros e seu aparecimento nos mares assinalou, de maneira espetacular, o verdadeiro renascimento das grandes unidades oceânicas da marinha mercante da Alemanha, inteiramente desaparecida após a tragédia da guerra de 1914-1918.

Na época de sua construção, o Cap Arcona era o maior navio construído em estaleiros alemães no período pós-guerra. Fora precedido pelos transatlânticos de classe intermediária lançados pela Hamburg-Süd na linha da costa leste da América do Sul a partir de 1922 (Antonio Delfino, Cap Norte, Monte Sarmiento e Monte Olivia), assim como por outros três de porte médio armados por conta da NordDeutscher Lloyd (NDL) e que também entraram em serviço na rota sul-americana a partir de 1923-1924 (Sierra Ventana, Sierra Cordoba e Sierra Morena).


O Antonio Delfino foi lançado na mesma época do Cap Norte, pelo mesmo estaleiro

Imagem: reprodução de foto da coleção do autor

Reconstrução - A Hamburg-Süd, após o término da Primeira Guerra Mundial, havia praticamente desaparecido. Sua poderosa frota de 56 navios mercantes, do período anterior a agosto de 1914, fora totalmente desintegrada no decurso ou logo após as hostilidades, seja por atos bélicos, seja por confisco ou apresamento, seja por efeito das compensações econômicas impostas pelo Tratado de Versalhes à Alemanha derrotada. A partir de 1922, lentamente a princípio, a Hamburg-Süd começou sua construção como armadora e já no ano seguinte era proprietária de 17 navios, representado 130 mil toneladas de arqueação bruta (TAB).

Em 1924, sua frota em expansão transportava quase 50 mil passageiros na carreira do Atlântico Meridional e em 1925 inovava ao introduzir cruzeiros de lazer em seu programa anual. Graças ao crescente tráfego de emigração registrado na primeira metade dos anos 20, as finanças da empresa mostravam resultados positivos, com lucros e reservas em aumento. Tal quadro permitiu à Hamburg-Süd estabelecer planos de construção para outras unidades de passageiros e de carga.


O luxuoso transatlântico foi construído no estaleiro Blohm & Voss, de Hamburgo, Alemanha

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Antecessor - Assim, em 1926 foi concebido um supertransatlântico de luxo, cujo nome escolhido foi o de Cap Arcona, lembrando um dos primeiros grandes navios de passageiros que a armadora colocara na linha sul-americana em 1907. Este primeiro Cap Arcona, após servir a Rota de Ouro e Prata durante sete anos (1907-1914), fora internado, em 4 de agosto de 1914, no Porto de Villagarcia (Espanha), escapando assim de provável destruição ou apresamento por parte da Royal Navy (Marinha Real) da Grã-Bretanha.

Nesse porto espanhol, o primeiro Cap Arcona permaneceu até 1919, quando foi entregue à Comissão de Transporte Aliada (Allied Shipping Comission), encarregada de todos os assuntos ligados ao transporte marítimo das nações aliadas. Em virtude da cláusula de compensação do Tratado de Versalhes, este vapor foi entregue, em 1921, à armadora francesa Messageries Maritimes (MM), sendo rebatizado Angers e levando em seguida este nome até sua demolição, em 1939.


As instalações do transatlântico alemão eram extremamente luxuosas, como esta varanda

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Estrelas do mar - O ano de 1927 foi um dos mais memoráveis na história da navegação comercial entre a Europa, o Brasil e o Prata. Entraram em serviço naquele ano alguns dos mais famosos transatlânticos que frequentavam a Rota de Ouro e Prata: Saturnia (da Cosulich), Alcantara (da Royal Mail), Almeda, Andalucia, Avila, Avelona e Arandora (da Blue Star), Augustus (da NGI) e Cap Arcona (da Hamburg-Süd).

Tal acontecimento demonstra claramente a importância que havia assumido o tráfego de passageiros entre a América do Sul e a Europa e vice-versa. As décadas de 20 e 30 deste século constituíam a época gloriosa da navegação comercial na Rota de Ouro e Prata.

 

Seu custo de construção foi elevado para a época,

de 32 milhões de marcos-euro

 

Tal como o primeiro, o segundo Cap Arcona foi construído em Hamburgo, na Alemanha, nas rampas e oficinas do renomado Estaleiro Blohm & Voss, já responsável, no passado pré-bélico, pela construção dos supertransatlânticos germânicos Vaterland, Bismarck e Imperator. Sob o casco número 476, o navio teve sua quilha deposta no verão de 1926 e dez meses mais tarde, em 14 de maio de 1927, deslizava pela rampa de lançamento Rio Elba adentro. Outros cinco meses foram necessários para seu aprestamento, sendo finalmente entregue, no decorrer de novembro, ao armador.

Esplêndida realização de arquitetura naval, o Cap Arcona foi um casamento perfeito entre os conceitos de estética e funcionalidade da época. Seu elevado custo de construção (quase 32 milhões de marcos-ouro) reflete o esmero e o capricho empregados na sua concepção de alto nível. Os dados técnicos e de acabamento referentes a este supertransatlântico foram quase todos de ênfase superlativa.


O Cap Arcona tinha instalações para 1.325 passageiros, distribuídos em três classes.

O navio alemão foi concebido com especial atenção para a primeira classe

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Características - Por ocasião de sua entrada em serviço, o Cap Arcona não tinha rivais na Rota de Ouro e Prata em termos de velocidade. Só se lhe aproximava o também novíssimo Saturnia, da Cosulich Triestina di Navigazione, que alcançava velocidade máxima de 21 nós (38,9 quilômetros horários), porém com velocidade de cruzeiro de 19 nós (35,2 quilômetros horários), portanto um nó (1.852 metros) a menos do que o navio da Hamburg-Sud.

Dotado de máquina propulsora com oito turbinas a vapor de combustão interna (diesel), fabricada pelo próprio estaleiro construtor, o Cap Arcona dispunha de 28 mil cavalos-vapor de potência máxima, o que lhe permitia navegação à velocidade de cruzeiro de 20 nós (37 quilômetros horários) e um máximo de 21,5 nós (39,8 quilômetros horários).

Para produzir 24 mil cavalos-vapor (equivalente aos 20 nós de velocidade de cruzeiro), as oito turbinas deviam girar à razão de 2.100 rotações por minuto (rpm). Cada grupo de quatro turbinas estava acoplado a um hélice, que, por sua vez, girava a 125 rpm. As oito turbinas possuíam uma caldeira para cada turbina, caldeira essa que queimava o óleo combustível (diesel) para a alimentação da própria turbina, que, por sua vez, descarregava a energia produzida no aparelho propulsor coligado a dois eixos de hélice.

 

O Cap Arcona foi um casamento perfeito entre estética e funcionalidade

 

Uma nova caldeira, esta a vapor, produzia exclusivamente energia para o consumo diário de bordo, iluminação, água quente e motores auxiliares. Todo esse aparato encontrava-se distribuído em duas salas de máquinas contíguas, que correspondiam às duas chaminés (frontal e média), enquanto a terceira chaminé (a posterior) era falsa e só existia por razões estéticas. Sete, no total, eram os conveses do transatlântico. Destes, quatro corriam paralelos ao casco todo e três eram de superestrutura. Haviam recebido, de alto a baixo, as letras de A até E. Os dois conveses inferiores, destinados aos alojamentos e instalações da tripulação e às máquinas, não dispunham de letra.

Assim sendo, o convés A acomodava os apartamentos de luxo da primeira classe, o jardim de inverno, o grande salão de jantar principal, o salão de festas e os alojamentos dos oficiais de bordo, bem como a ponte de comando. Na área externa a este convés existiam 24 baleeiras (embarcações salva-vidas), 12 de cada lado (em cinco pares sobrepostos e duas individuais), todas pintadas em cor ocre. O convés B (ou do passeio) compreendia a entrada social, o salão de estar principal e o salão para fumantes. Contíguos ao hall de entrada, estavam as lojas de bordo e outros pequenos salões de serviço (barbearia, cabeleireiro, escritórios dos oficiais e comissários etc.).


Rollin foi um dos capitães

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

300 metros de passeio - No exterior de cada lado deste convés B, estendia-se a promenade coberta, que ia deste o ponto abaixo da asa da ponte de comando até a varanda de popa, em um total  superior a 300 metros de passeio em volta do navio.

O convés C alojava as cabinas individuais ou duplas de primeira classe, a cozinha principal de bordo, a padaria, o hospital e os depósitos de víveres, assim como na popa havia algumas cabinas e o restaurante da segunda classe.

O convés D e o convés E eram quase exclusivamente destinados a todas as acomodações da segunda e terceira classes do navio. Os passageiros desta última classe possuíam pequeno espaço de passeio e lazer situado na popa.


A quadra de tênis oficial era uma novidade absoluta na época. Ela tinha revestimento de borracha e redes de proteção de 5 metros de altura

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Sem carga - Sendo o Cap Arcona um transatlântico destinado somente para o transporte de passageiros e de material de correio, não dispunha de porões de carga, exceção feita a um pequeno porão situado na proa (frente), que servia para o depósito de malas e baús, bagagem dos passageiros.

Continuemos nosso passeio imaginário pela área social de luxury liner (luxuoso navio de linha regular) Cap Arcona. Suas acomodações para passageiros permitiam a lotação máxima de 1.325 pessoas, distribuídas assim: 375 em primeira classe, 275 em segunda classe, 465 em terceira classe.

Ao longo de sua carreira, porém, as acomodações do navio sofreram mudanças conforme as necessidades operacionais e, consequentemente, foi muito variado o número de passageiros total e em cada classe. É de se notar, porém, que o Cap Arcona havia sido concebido como um navio de luxo e, consequentemente, as maiores atenções foram dadas para a primeira classe, daí resultando a sua grande capacidade (com todas as cabinas externas) e o grande espaço por ela ocupado em todo o navio (mais de 50% da área). As áreas públicas destinadas a esses privilegiados passageiros eram magníficas e de um luxo equilibrado.


Na época de sua construção, o Cap Arcona era o maior navio construído em estaleiros alemães no período após a Primeira Guerra Mundial

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Bosque da Turíngia - O grande salão de jantar possuía um superfície de 700 metros quadrados, sem colunas centrais, dominado por um grande painel central, representando uma cena de bosque da Turíngia. Sua superfície era toda revestida de um carpete azul com motivos florais entrelaçados, suas mesas eram redondas, para quatro pessoas, com cadeiras estofadas de couro vermelho. Este espaço era iluminado pela luz natural que filtrava pelas 20 grandes janelas verticais que davam vista para o mar.

O menu de bordo era internacional, preparado por três chefs de cuisine cordon bleu e 20 chefes auxiliares, além de um batalhão de ajudantes de cozinha. Ainda hoje podem ser encontrados exemplares dos finos cardápios distribuídos antes das refeições, notando-se a incrível variedade de escolha.

O hall de entrada, também de grandes dimensões, era demarcado por um painel central, colunas de mármore e grandes vasos de cerâmica que abrigavam plantas tropicais. Deste hall partiam duas galerias laterais entrecortadas a cada três metros por grandes janelões encortinados.

O salão de festas (ou festsaal) era decorado de modo relativamente sóbrio, dominado ao centro por uma pista quadrada de dança, sobre a qual se projetava uma coroa de luzes composta por 22 candelabros. Outros ambientes excepcionais eram o jardim de inverno, com poltronas de vime trabalhado e um grande vidro retangular com motivos liberty; o salão de fumantes era dominado por um enorme painel de mármore que emoldurava uma lareira e um quadro artístico acima desta.

As instalações de primeira classe completavam-se com dois pequenos salões-restaurantes para uso reservado, uma sala de jogos para crianças, um departamento de esportes com sala de massagens e ginástica, duchas e piscina interna ladrilhada.


 Hamburgo (Alemanha) era um dos portos de escala do navio. No convés, vê-se a quadra de tênis

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Quadra de tênis - A decoração e a arquitetura interior foram realizadas com projeto da firma alemã C. Friese, em colaboração com o arquiteto H. E. Mieritz. O grande transatlântico tinha também três bibliotecas e era dotado, novidade absoluta na época, de uma quadra de tênis oficial, situada atrás da terceira chaminé, quadra esta com revestimento de piso de borracha e redes de proteção com cerca de cinco metros de altura. Toda esta magnificência era ritmada por uma vida de bordo dentro dos parâmetros de disciplina, educação e rigor bem do caráter germânico, o que dava ao transatlântico um ambiente calmo e ordenado, com uma atmosfera familiar.

O Cap Arcona era um destes gigantes dos mares, cujo desenho e linhas externas o tornaram inconfundível com quaisquer outros. De aspecto clássico, longo e ao mesmo compacto, tinha proa (frente) reta e popa (ré) do tipo cruzador. Seus dois mastros elevavam-se a 60 metros acima do nível do mar e suas três chaminés, brancas com topo vermelho, estavam bem dispostas na superestrutura, tendo 22 metros – uniformes – de distâncias entre elas.

Seus grandes tanques de óleo combustível permitiam ao navio uma autonomia de cruzeiro equivalente a uma viagem redonda entre Hamburgo, Buenos Aires e Hamburgo, viagem esta realizada em cerca de 30 dias e compreendendo as diversas escalas. No Porto de Hamburgo, o transatlântico permanecia de cinco a seis dias antes de iniciar outra viagem.

A estréia - Em 19 de novembro de 1927, o Cap Arcona zarpou pela primeira vez do grande porto hanseático rumo a Buenos Aires via escala nos portos de Boulougne-sur-Mer, Lisboa, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu. Encontrava-se sob o comando do famoso capitão-de-longo-curso Ernst Rollin, comodoro da frota da Hamburg-Süd, e tinha a bordo, além de seu complemento de 600 homens da tripulação, cerca de 1.500 passageiros. Destes, 350 estavam destinados a desembarcar no Rio de Janeiro, 190 em Santos e 1.025 para os portos do Prata.


 O porto de Buenos Aires, na Argentina, era o final da rota do navio de passageiros

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Em Santos - Em 3 de dezembro, aportou pela primeira vez em Santos, entrando barra adentro por volta das 6 horas e atracando ao longo do cais face ao Armazém 14. A firma Theodor Wille & Cia., agente da Hamburg-Süd, havia convidado um seletíssimo número de personalidades para um almoço a bordo durante breve escala, sem a presença de jornalistas. Após a ritual visita das autoridades portuárias, procedeu-se o desembarque dos passageiros em trânsito e daqueles destinados a Santos, uma centena dos quais havia viajado em primeira classe.

A partir desta escala pioneira, o Cap Arcona esteve em Santos dezenas de vezes por ocasião de suas escalas regulares. Foram nove ou dez viagens redondas por ano na Rota de Ouro e Prata, todas registrando um concorrido número de passageiros nos dois sentidos.


 O Cap Arcona em 1936, no porto de Santos, em foto do ex-prático Gérson da Costa Fonseca

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Aeromarítimo - Em 1930, foi iniciado um serviço postal de combinado aeromarítimo, operado na parte aérea pelo Sindicato Condor Ltda., empresa subsidiária da Lufthansa.

Um avião do tipo Condor saía do Rio de Janeiro com destino a Natal (Rio Grande do Norte), realizando várias escalas intermediárias e transportando exclusivamente malas postais. De Natal, o Condor rumava para a Ilha de Fernando de Noronha, na costa do Brasil, onde o correio era transferido para bordo do Cap Arcona, que aí realizava breve escala com essa única finalidade. Em seguida, o transatlântico partia para a travessia oceânica até Las Palmas (Ilhas Canárias), onde as malas postais eram descarregadas e transferidas outras vez para os porões de uma avião anfíbio do tipo Dornier Wal, da Lufthansa, que partia imediatamente para a Europa com escala inicial em Lisboa.

Desta maneira, economizavam-se cerca de sete dias no transporte do correio entre o Rio de Janeiro e a Alemanha. O primeiro deste voos saiu da então capital brasileira (Rio de Janeiro) em 21 de março, sendo seguido por outros efetuados em junho, agosto e novembro. No sentido oposto, este tipo de serviço começou a operar em 25 de março, quando o Dornier levantou voo de Travemunde (Alemanha) para Las Palmas via etapas intermediárias. A entrada em serviço do dirigível Graf Zeppelin na rota aérea sul-americana, no decorrer de 1932, fez com que o transporte aeromarítimo de malas postais deixasse de existir.


Um casal brasileiro a bordo do Cap Arcona na década de 1930

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Viagens de lazer - A partir de 1933, a Hamburg-Sud passou a utilizar o Cap Arcona também na qualidade de navio-cruzeiro, realizando curtas viagens de lazer a partir dos portos de ponta da linha, Hamburgo ou Buenos Aires. Estes minicruzeiros, destinados somente a passageiros de primeira classe, tinham por finalidade incrementar o rendimento financeiro da armadora numa época de crise econômica mundial.

Em dezembro de 1935, por exemplo, o Cap Arcona realizou um desses cruzeiros especiais de 16 dias de duração, entre Hamburgo e a Ilha da Madeira (pertencente a Portugal, no Atlântico), onde seus passageiros, escapando do frio nórdico, passaram a noite de São Silvestre (31 de dezembro).


A piscina do transatlântico era super-luxuosa e requintada

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Crescimento - A partir da segunda metade dos anos 30, a situação econômica global havia melhorado muito e a Hamburg-Süd, como também outras armadoras da época, conheceu um período de crescimento e bons resultados financeiros. Nestes idos, a frota de navios de passageiros da Hamburg-Süd utilizada na Rota de Ouro e Prata era a mais importante de todas as armadoras, pois, além do Cap Arcona, eram empregados nada menos do que outros 13 navios no serviço para a costa leste da América do Sul.

Eram utilizados o Monte Rosa, o Monte Sarmiento, o Monte Pascoal, o Monte Olivia, o Antonio Delfino, o Cap Norte, os afretados e depois adquiridos General Osório, General San Martin e General Artigas, o Madrid (ex-Sierra Nevada), o Vigo, o La Coruña e o España. Tal frota permitia saídas múltiplas mensais de cada porto de escala.


O Cap Arcona tinha 205 metros de comprimento por 25 de boca (largura)

e capacidade para 1.594 passageiros em três classes

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Frota de carga - A Hamburg-Süd utilizava também cerca de 30 navios puramente de carga que escalavam em quase todos os portos da costa Leste brasileira (até mesmo aqueles de pequeno tráfego, como Paranaguá, Ilhéus e Maceió) e do Prata. Carne congelada, café, frutas, cereais e algodão eram as principais mercadorias embarcadas no sentido Sul-Norte, enquanto equipamentos, máquinas e produtos de consumo o eram no sentido inverso.

Os três grandes condutores da armadora no período do entre as guerras foram os doutores Theodor e Herbert Amsinck e John Eggert, homens de grande valor moral e incansáveis líderes de um grande grupo de navegação comercial.

Guerra - Mas, voltemos ao Cap Arcona. Às vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, continuava percorrendo com sucesso a Rota de Ouro e Prata, levando a bordo cerca de um milhar de passageiros a cada viagem. Suas escalas habituais eram então Boulogne-sur-Mer, Southampton, Vigo, Lisboa, Funchal, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires.

O deflagrar do conflito em 3 de setembro de 1939 encontrou o supertransatlântico em águas territoriais alemãs e esta data marcou o fim da época das travessias oceânicas, época em que, como navio-capitânia da frota da Hamburg-Süd, brilhara com todo o esplendor na Rota de Ouro e Prata, grande entre os grandes transatlânticos do seu tempo.

Com a declaração de guerra em setembro de 1939, entre os países aliados de um lado (Inglaterra, França e Alemanha) e a Alemanha sob o jugo nazista de outro, este último país viu desaparecer dos mares o oceanos sua grande frota mercante. A superioridade naval da Grã-Bretanha ainda era tal que permitia a imposição de um bloco efetivo do comércio marítimo por parte de unidades mercantes batendo pavilhão alemão. Aos navios do Reich não restavam senão as possibilidades de refúgio num porto neutro o mais próximo de sua rota quando da abertura das hostilidades ou a arriscada tentativa de retorno a portos da Alemanha.

Ao contrário de muitos outros, o Cap Arcona teve a sorte de não ter que enfrentar nenhuma dessas duas provas, pois em 3 de setembro encontrava-se em águas territoriais alemãs. Nas semanas que se seguiram, sempre atracado em um dos portões do seu porto de registro, Hamburgo, foi desativado como navio de passageiros e requisitado pela Marinha.

 

Os minicruzeiros tinham o objetivo

de aumentar o rendimento da Hamburg-Sud

 

Navio-reserva - Passou em seguida por obras de transformação em navio de transporte de tropas e, aguardando os acontecimentos, foi colocado como navio-reserva na lista naval. Com o início da Campanha da Noruega em 1940, o Cap Arcona participou, com outras unidades, ex-mercantes, de algumas operações de transporte de tropas em águas costeiras do Mar Báltico.

Em finais do ano, a Kriegsmarine (Marinha da Alemanha) decidiu adaptá-lo como navio-hotel para o alojamento de seus homens e o ex-transatlântico foi deslocado para um dos cais do Porto de Gatenhafen (ex-Gdynia, tomado à Polônia). Sobre as cidades costeiras da Polônia conquistada caiu o peso da Armada e do Exército alemão de ocupação, que já se preparavam para o inevitável assalto que as tropas do III Reich fariam ao imenso território da Rússia.


O Cap Arcona

Foto: arquivo do autor - publicada com a matéria

Controle alemão - Os portos de Pillau, Gotenhafen e Danzig (Gdansk, na Polônia) eram pontos estratégicos importantes para exercer o domínio marítimo completo do Báltico, que é um mar quase fechado e cujas portas se encontravam sob controle alemão (os estreitos de Great Belt Kattegat, na Dinamarca, e de Skagerak, na Suécia).

Antes e após a invasão da Rússia por parte dos alemães (em agosto de 1941), esses três portos serviram como ponto focal para a apresentação das tropas teutônicas em território inimigo. Além do Cap Arcona, estavam atracados outros grandes ex-transatlânticos de bandeira alemã, que serviam para a mesma finalidade: acomodação de tropas.

Foram usados nessa condição os seguintes navios, por ordem seqüencial de tonelagem: Robert Ley, Wilhelm Gustloff, Hamburg Hansa, Deutschland, Postdam, Pretoria, Berlin, General Steuben, Monte Rosa, Antonio Delfino e Winrich V. Kniprode.

No início de 1945, o III Reich encontrava-se já militarmente derrotado e a capitulação alemã nada mais era do que um questão de tempo. A Oeste de seu território já haviam penetrado tropas aliadas. A Leste, os batalhões russos conquistavam, dia após dia, zonas até então controladas pela Wermacht.

 

A embarcação, no início de 1945, transportou 25 mil pessoas em três viagens de evacuação

 

Evacuação - Por volta do final de janeiro, estava claro e evidente que os soviéticos conseguiriam, de um  momento para outro, atravessar as águas do Rio Vistúla (Polônia), última barreira natural entre eles e milhares de homens de tropas alemãs, estas últimas com moral abatido e famintas, instaladas e bloqueadas em território polaco.

Ocorria proceder a rápida retirada dessas tropas para a região mais a Oeste e foi assim que o Alto Comando da Alemanha decidiu promover aquela que seria a maior operação de evacuação da história moderna. Esta complexa operação naval foi dirigida pelo almirante Kummetz e nela foram empregados cerca de 40 navios para o transporte de tropas civis, protegidos por cerca de 50 pequenas unidades da Marinha alemã.

Em uma semana de intensa atividade, foram evacuadas cerca de 65 mil pessoas do Porto de Pillau, mas a alto custo da parte alemã.

Em 30 de janeiro, o Wilhelm Gustloff foi torpedeado pelo submarino russo S-13 e, das 6 mil ou 7 mil pessoas a bordo (o número correto nunca pôde ser estabelecido), só se salvaram cerca de 600. No dia seguinte, o Cap Arcona, tendo a bordo cerca de 8 mil pessoas embarcadas em Gotenhaven, escapou por pouco de uma salva de torpedos disparados pelo submarino soviético L-3 e conseguiu alcançar o Porto de Hamburgo. O Cap Arcona realizou ainda mais duas viagens de evacuação entre Gotenhafen, Hella e Hamburgo, transportando ao todo (três viagens) cerca de 25 mil pessoas. Mas o fim da Alemanha nazista e do Cap Arcona estavam próximos.


O luxo das instalações do navio, como a sala de estar, foi deixado de lado com a guerra

Fotos: arquivo do autor - publicada com a matéria

Navio-prisão - A partir do final de abril de 1945, o ex-transatlântico, orgulho da Marinha Mercante alemã, foi utilizado de modo vil, acomodando a bordo cerca de 5 mil prisioneiros políticos do regime hitlerista. Aqueles desgraçados haviam sido evacuados do campo de concentração de Neuengame, nas cercanias de Hamburgo, e colocados a bordo sem destino definido. Saliente-se que nesses dias a Alemanha havia deixado de existir como Estado, a ordem era cada um por si e a confusão, digna do inferno dantesco.

Tendo a bordo esses prisioneiros, seus guardas e sua tripulação, o Cap Arcona ancorou nas proximidades de Neustadt, na Baía de Lubeck (Alemanha), aguardando fantasmáticas ordens que nunca chegariam.

Em vez das ordens, chegaram centenas de aviões bombardeiros do tipo Typhoon, pertencentes às equipes números 83 e 84 do Grupo Tático da Royal Air Force (RAF) que se destinavam a arrasar o Porto de Lubeck e tudo o que se encontrasse nas cercanias.

Atingido por diversas bombas de alto teor explosivo, o Cap Arcona incendiou-se, terminando por adernar em águas rasas, não muito distante das margens da baía. Das 6 mil pessoas a bordo, dezenas conseguiram salvar-se. Terminou assim, em pano de fundo de tragédia, a existência daquele que durante uma dezena de anos foi chamado dignamente de Senhor dos Oceanos.


Porto de Santos - 1937. O luxuoso transatlântico germânico Cap Arcona, em manobra de desatracação, na altura do Armazém de Bagagem da Cia. Docas de Santos (CDS), auxiliada pelo rebocador Saturno da Wilson, Sons. O Cap Arcona era conhecido como o Rei da América do Sul

Foto: acervo do cartofilista e despachante aduneiro Laire José Giraud

Cap Arcona:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: alemã
Armador: Hamburg-Süd
País construtor: Alemanha
Estaleiro construtor: Blohm & Voss

Porto de construção: Hamburgo
Ano da viagem inaugural: 1927

Comprimento: 205 m

Boca (largura): 25 m

Calado máximo: 8,70 m

Tonelagem de arqueação bruta (tab): 27.560 t

Hélices: 2
Velocidade máxima: 21 nós (39 km/h)

Velocidade média: 20 nós
Passageiros: 1.325 (até 1.594)
Classes: 1ª -    375 (           620)
                2ª -    275 (           274)
                3ª -    465 (           700)

Tripulação: 640

Sinal de chamada: DHDL

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 7, 14, 21 e 28/1/1996