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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Monte Cervantes

1928-1954

A partir de 1922, a armadora Hamburg-Sud ou HSDG passou a apresentar excelentes resultados operacionais e financeiros. O restabelecimento do tráfego marítimo entre a Alemanha, o Brasil e os portos do Rio da Prata foi relativamente rápido após o término dos catastróficos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial.
Pela rota sul-americana, voltaram a fluir, de modo relevante, passageiros e carga e, à medida que o mundo avançava pela década de 20, faziam-se necessários novos navios, de maiores dimensões e tonelagem.

A Hamburg-Sud - que no decorrer de 1922 já ordenara dois vapores de capacidade média, o Antonio Delfino e o Cap Norte - resolveu, no ano seguinte, encomendar outros dois transatlânticos de passageiros, de tonelagem quase similar aos dois primeiros mencionados.

Surgiram, desse modo, os navios gêmeos Monte Sarmiento e Monte Olivia, produtos do Estaleiros Blohm & Voss, de Hamburgo, que possuíam linhas de construção e características técnicas derivadas do desenho de prancha do Antonio Delfino e Cap Norte (construídos por A.G. Vulkan, de Hamburgo).

Diferenciavam-se, porém, estes dois pares, por três grandes fatores a favor dos primeiros mencionados:
1 - Maior capacidade de passageiros em duas classes (ao invés de três).
2 - Propulsão por motores a diesel de potência mais elevada (ao invés de propulsão a vapor).
3 - Conseqüente maior velocidade de cruzeiro, cerca de 15 nós (27.7 km/h) - ao invés de 13 nós (24 km/h).


O Monte Cervantes entrando em Veneza, tendo ao fundo a praça São Marcos

Novos navios - O sucesso operacional e comercial destes dois primeiros da rota sulamericana induziu a HSDG a encomendar em 1926 o soberbo (e único em sua classe) Cap Arcona e um terceiro navio do tipo intermediário, o Monte Cervantes. O Cap Arcona e o Monte Cervantes foram construídos contemporaneamente, lado a lado, no mesmo estaleiro da Blohm & Voss, às margens do Rio Elba. O primeiro levou o número de construção 476; o segundo, 478, sendo entregues à armadora respectivamente em 29 de outubro de 1927 e 3 de janeiro de 1928, isto é, com apenas dois meses de intervalo.

Deste modo, ao iniciar-se o ano de 1928, a HSDG contava com bem seis transatlânticos, operando na rota do Atlântico Sul. Um, exclusivamente para passageiros (Cap Arcona) e cinco com capacidades mistas (Antonio Delfino, Cap Norte, Monte Sarmiento, Monte Olivia e Monte Cervantes).

O Monte Cervantes entrou em serviço, zarpando de Hamburgo para Buenos Aires, em 7 de janeiro de 1928, realizando escalas intermediárias em Vigo, Lisboa, Tenerife, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu.

Incidente - Em julho do mesmo ano, no verão do hemisfério setentrional, o transatlântico realizou um cruzeiro de lazer com saída de Hamburgo e com destino aos fiordes noruegueses e águas do Ártico. Navegando ao norte de Bear Island, em latitudes próximas a 75 graus, o Monte Cervantes encontrou blocos de gelo flutuando e por alguns destes teve seu casco danificado. Tal fato obrigou o envio de pedidos de socorro, sinais estes captados por diversas outras embarcações. Socorreu-o o rebocador de alto-mar e quebra gelo Krasin, de bandeira soviética, que o levou para as Ilhas Spitzbergen; nessa localidade, o transatlântico passou por pequenos reparos antes de completar o cruzeiro.

Este pequeno incidente seria o prelúdio de seu fim, não muito distante.
O Monte Cervantes teria vida útil bem breve, de apenas dois anos, alternando, nesse período, viagens regulares de linha na rota sul-americana com cruzeiros de turismo nos meses de verão, seja em águas européias, seja em águas sul-americanas, segundo os meses estivais dos respectivos continentes.


Em 22/1/1930, o Monte Cervantes se chocou com um rochedo submerso no Canal de Beagle

Último cruzeiro - Foi durante a realização de um destes cruzeiros ao cone Sul argentino que se produziu o desastre marítimo que seria fatal ao transatlântico. No dia 15 de janeiro de 1930, o Monte Cervantes saiu de Buenos Aires, tendo a bordo 1.117 passageiros e 331 tripulantes, iniciando um cruzeiro marítimo para o Sul da Argentina.

Dois dias mais tarde, foi realizada a primeira ancoragem ao largo da localidade de Nandryn, para breve visita dos passageiros a terra firme. No dia 20, às 8 horas, o transatlântico escalou em Punta Arenas, ali permanecendo até a hora zero do dia 21. Nessa mesma madrugada, o navio alcançou a costa Oeste da Ilha de Dawson e à tarde dobrou a ponta do Canal de Brecknock, saindo assim do Estreito de Magalhães.

Às 21 horas, o Monte Cervantes fundeou no largo de Ushuaia, onde permaneceu até as 12 horas do dia seguinte, ou seja 22 de janeiro, saindo em seguida, com rumo Leste, em direção da entrada oriental do Canal de Beagle. Levava a bordo um prático (piloto) argentino conhecedor das águas em torno da Terra do Fogo, Hepe.
Faltavam poucas milhas para alcançar mar aberto, quando, cerca de 14 horas, o Monte Cervantes, navegando à imprudente velocidade de 14 nós, sob forte ventania e águas agitadas, foi conduzido para a passagem de um estreito canal situado entre a Ilha de Picton (ao Sul) e a costa da grande ilha da Terra de Fogo (ao Norte, ou bombordo do rumo naquele momento).

Estrondo - Repentinamente, ouviu-se um grande estrondo a bordo, seguido por uma série de pequenos baques e imobilização do navio. O choque do casco com um rochedo submerso em pouca profundidade provocou brusca freada e tremendo pânico a bordo. Vidros se estilhaçaram; mesas, móveis e cadeiras se reviravam, louças e vasilhames voaram por todo lado, pessoas caíram, assim como mil outros objetos.

Passado o primeiro grande susto, iniciou-se o segundo: o navio adernava fortemente de proa. Incontinente, seguiu-se a ordem de abandono geral da embarcação.
Arriaram-se rapidamente os botes salva-vidas e em menos de meia hora todos os passageiros foram postos a salvo. A bordo permaneceram tão somente o comandante Theodoro Dreyer, os oficiais de navegação e de máquinas e alguns poucos tripulantes.

Poucas horas após a evacuação, apareceu em cena o vapor argentino Vicente Fidel Lopes (que conduzia alguns sentenciados para a prisão de Ushuaia), o que permitiu que cerca de mil pessoas fossem recolhidas a bordo. As remanescentes desembarcaram dos botes nas praias próximas, iniciando algumas horas mais tarde, marcha a pé em direção dessa pequena localidade argentina de tão somente 1.200 almas.

Alertadas pelo rádio-telégrafo, as autoridades de Buenos Aires iniciaram as providências de socorro aos náufragos. Contemporaneamente, a Companhia Delfino, agente portenho da HSDG, propôs aos responsáveis desta armadora o envio do Monte Sarmiento (atracado então por feliz coincidência no Porto de Montevidéu) ao local do desastre, para o resgate de passageiros e tripulantes.


Hamburgo foi onde a embarcação foi construída, no estaleiro Blom & Voss

Manobra - Enquanto em Buenos Aires todos se preocupavam com a sorte dos passageiros, no Canal de Beagle o comandante Dreyer pensava em como salvar seu navio. Em vista da profundidade  do mar em torno  do escolho onde o Monte Cervantes viera a encalhar (cerca de 350 metros) e da posição certamente precária do casco aí perfurado, Dreyer decidiu, na manhã do dia  23, executar uma manobra arriscada. Deu ordens para que as máquinas voltassem a funcionar e comandou meia força avante, na tentativa de colocar a parte central do navio por cima dos rochedos submersos.

O transatlântico quase não se moveu, mas em compensação adernou para boreste.
As horas passaram e a situação ficou perceptivelmente grave, pois a água passou a entrar em alguns compartimentos do casco na proa e o navio embicou cada vez mais. Às 21 horas do dia 23, um estrondo anunciou o fim. O Monte Cervantes, em conseqüência do baixo nível das águas, decorrente do estado da maré, oscilou sobre os rochedos e repentinamente, por causa do desequilíbrio de sua volumosa estrutura, tombou completamente por estibordo.

A tripulação de guarda teve apenas o tempo de salvar-se, mas o capitão Dreyer, na melhor tradição dos homens do mar, recusou jogar-se nas águas, sendo tragado pela sucção de seu navio. Poucas milhas distante, a luzes fixas do farol de Les Eclaires iluminaram a cena.

O Monte Cervantes não desapareceu completamente, ficando semi-submerso, deitado sobre o flanco direito sobre os rochedos que lhe haviam sido fatais. Fora da água, tal como um animal ferido, mostrava os hélices e o timão retorcidos. Dois dias mais tarde, o Monte Sarmiento chegou ao local e recolheu todos os náufragos, levando-os de volta à capital da Argentina.

Final adiado - O epílogo desta história acontece anos mais tarde... Em 1951, uma empresa italiana de salvamento, a Savamar, propõe-se a recuperar o que resta do navio. Passam-se três anos de trabalhos e em julho de 1954 o casco é finalmente reerguido e posto a flutuar. A massa estrutural está praticamente intacta e vale uma fortuna no mercado de metais.

A idéia é levar o navio para encalhar numa praia próxima a Ushuaia e em seguida cortar e recuperar aço, ferro, chumbo e outros metais. Procede-se em seguida a vedação de alguns rombos e o reforço de chapas do seu fundo.

Em outubro, tenta-se rebocá-lo até Ushuaia, porém em vão. No dia 14 daquele mês, a poucas milhas do destino, o Monte Cervantes vira sobre si mesmo e desaparece para sempre, nas águas profundas do Canal de Beagle.

Monte Cervantes:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: alemã
Armador: Hamburg-Süd
País construtor: Alemanha
Estaleiro construtor: Blohm & Voss (porto: Hamburgo)
Ano da viagem inaugural: 1928
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 13.913
Comprimento: 160 m
Boca (largura): 20 m
Velocidade máxima: 15 nós
Passageiros: 2.492
Classes: 2ª - 1.354
  emigrante - 1.138

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