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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Chave de Ouro fechava a boca...

Artistas expunham suas obras na zona do meretrício
 


Chave de Ouro, em primeiro plano na esquina da Rua General Câmara,
e os estabelecimentos da Rua João Otávio
Foto: Sérgio Eluf

A Boca de Santos, divertida e triste como todas as bocas. Boca de porto, pitoresca, saudosista, ilusória, até romântica. Citada em obras de escritores famosos, como o baiano Jorge Amado e o santista Plínio Marcos. Boca das tradicionais "El Moroco" e "Casa Blanca", boates que por longos anos deram brilho à noite santista. E das atuais "The Fugitive",  "Marron Glacê",  "A Boneca"; e os bares "Love Story" e "Bier House".

Há quem se recorde de um certo trecho da Rua João Guerra - onde existia sempre um clima de animação - e que hoje foi transformado em dependência portuária. Mas há anos que os últimos quarteirões da Rua General Câmara comandam a vida da Boca, com suas luzes, seus luminosos, o vaivém de gente e o cheiro bom do churrasquinho feito na hora pelo ambulante, na esquina...

Como que centralizando todo o movimento e passagem obrigatória para todos os habitués da noite, o tradicional restaurante Chave de Ouro, que, nos tempos áureos, tinha a característica de possuir uma espécie de galeria de arte nos seus requintados salões.

Os artistas amigos da casa expunham lá suas pinturas e desenhos, comprados geralmente por estrangeiros - muitos, comandantes de navios - e um ou outro marchand em busca de talentos desconhecidos.


Prédio da Diretoria do Tráfego do porto, defronte à boca
Foto: Sérgio Eluf

A história acima foi extraída da publicação Comunidade é onde nos sentimos bem, livrete especial da Mobil Oil do Brasil em comemoração ao 25º aniversário de sua Usina de Lubrificantes em Santos, publicado em 1982, com textos de Sônia Mateu L. de Abreu e fotos de Sérgio Eluf.

O Chave de Ouro funcionou pela última vez em uma quarta-feira, 31/8/1977. O editor de Novo Milênio registrou assim, nas páginas do antigo jornal Cidade de Santos (no dia seguinte, em 1º de setembro de 1977) o fim do famoso restaurante:


O velho Chave de Ouro fechou suas portas definitivamente 
Foto: jornal Cidade de Santos, 1/9/1977

Adeus ao velho Chave de Ouro

Ontem, pela última vez, o santista teve a oportunidade de almoçar ou jantar em um ambiente de início-de-século no tradicional restaurante Chave de Ouro (Golden Key), localizado  no final da Rua General Câmara, fundado em 1912, aquele restaurante conservava em perfeito estado a mobília usada na época de sua fundação, que a partir de hoje está sendo cuidadosamente desmontada e levada para o restaurante do ITA - Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, em São José dos Campos. Foi vendida àquele Instituto por Cr$ 400 mil, apesar da acirrada concorrência feita por um grupo de empresários paulistas e mesmo pela Sectur - Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes de Santos.

Durante os próximos seis meses, o restaurante ficará fechado para reformas, permanecendo aberto o bar anexo, recentemente inaugurado. A área onde o restaurante estava instalado será adaptada para o funcionamento de uma lanchonete em estilo moderno, após a remoção do atual mobiliário, que deverá terminar na próxima segunda-feira.

José Raimundo Alves, proprietário do estabelecimento, diz que "embora gostasse do mobiliário antigo, comercialmente isso estava afugentando a freguesia. Na época de sua fundação, não havia ainda essas boates todas e muitas famílias faziam suas refeições aqui. Depois, a região se modificou e o tipo de freguesia também. Se antes vinham as famílias e os marinheiros, agora só vinham os marinheiros. O pessoal passou a querer algo mais moderno. Além disso, um fator importante da mudança foi o anúncio de que o traçado da Avenida Portuária iria cortar parte da área do restaurante. Então, montamos o bar em julho, na parte da frente (na Rua João Otávio) e agora vamos reformar o restaurante. Um dos problemas também era que o bar recentemente inaugurado estava dando lucro maior que o tradicional restaurante".

José Raimundo diz que a montagem antiga do restaurante afastava a freguesia porque dava a impressão de ser aquele um estabelecimento formal, fechado, que cobrasse preços altos. "Uma aparência mais simples, como uma lanchonete, funciona mais, atualmente. Ainda não escolhi a nova decoração, mas o nome permanecerá o mesmo, e deveremos continuar com os 25 empregados que temos atualmente. Talvez, quando tiver sido montada a lanchonete, precisemos de mais".

O Chave de Ouro era, até ontem, um restaurante muito procurado por marinheiros e turistas, tendo sido também local utilizado para filmagens e comerciais de televisão. As refeições eram servidas com talheres de prata, sendo a especialidade constituída por peixes e frutos do mar, além da cozinha internacional. O proprietário conta ainda que "procurado por oficiais de navios, e mesmo por toda a tripulação, quando os navios americanos aportavam, aquele restaurante era considerado como uma casa de confiança do gringo, que muitas vezes ali deixava seus valores, guardados no cofre".

José Raimundo conta ainda que "todo cuidado está sendo adotado na remoção das instalações, para que nenhum vidro sequer seja quebrado. Inclusive os espelhos existentes nas paredes, que faziam, há 40 anos atrás, a propaganda dos Productos Insuperáveis os da Empresa Águas do Itororó - uma cervejaria que existia junto à subida do Monte Serrat da época".


Cartão-de-visita do Chave de Ouro
Acervo de Novo Milênio

Este jornalista voltou ao tema alguns dias depois, na edição de 5 de setembro de 1977 do mesmo jornal Cidade de Santos:


 O Chave de Ouro abandona o mobiliário tradicional
Foto: jornal Cidade de Santos, 5/9/1977

O fim dos restaurantes tradicionais

Leiteria São João, Bodega, Adega Central, Casa Espéria, Vasco da Gama. Nomes que pertencem ao passado. Como esses, muitos tradicionais restaurantes da cidade estão em vias de fechamento, terminando assim diversos dos tradicionais pontos de encontro de escritores, políticos, advogados e comerciantes, que discutiam suas idéias e acertavam seus negócios ao mesmo tempo em que calmamente faziam as suas refeições.

Enquanto isso, surgem cada vez mais lanchonetes, churrascarias e pizzarias - que ganham a preferência do apressado santista - ou os serviços de buffet, para reuniões mais formais.

Um dos mais antigos restaurantes da cidade é a Churrascaria São Paulo, no final da Avenida Washington Luiz, fundado há 45 anos com o nome de Bar São Paulo. Quando foi adquirido por seus atuais proprietários, além do novo nome, o estabelecimento ganhou também a condição de restaurante Classe A, como se mantém até hoje.

Roberto Gonzalez, co-proprietário do restaurante, diz que ali vão geralmente pessoas de classes mais altas economicamente. Geralmente, como em todos os restaurantes da orla da praia, o maior movimento é registrado nos fins de semana, sendo que o prato mais procurado é a paella, de origem espanhola, que consiste em arroz com todos os frutos do mar, filé mignon, frango e lombo de porco (custa Cr$ 70,00 a porção, que dá para duas pessoas). Ali, o prato mais caro é a lagosta, que custa Cr$ 150,00 a porção, havendo pratos mais populares, como a sopa de ervilhas ou tomate, ao preço de Cr$ 25,00.

Roberto Gonzalez conta que esteve na Europa recentemente e pôde observar que também lá os restaurantes tradicionais estão desaparecendo: "Na Europa, o que mais existe é lanchonete, principalmente em Barcelona. Lanchonete serve pratos mais rápidos, mais simples e baratos. A pessoa vai, come um sanduíche. Restaurante é para pessoa que tem mais tempo, que pode comer descansada".


Cartão-de-visita do Restaurante São Paulo
Acervo de Novo Milênio

"Está tudo caríssimo" - Há aproximadamente 15 anos, funciona na Avenida Bernardino de Campos, esquina com a Rua Joaquim Távora, o restaurante Casca Arame. Álvaro Alvarez, um dos proprietários, conta que um dos motivos por que os restaurantes estão cedendo seus lugares às lanchonetes é o custo de vida:

"Está tudo caríssimo. O restaurante não está suportando mais a despesa. O maior movimento é nos fins de semana, quando as famílias vêm almoçar ou jantar, embora antigamente houvesse muito mais gente. Para o atendimento, temos que ter diversos garçons, cozinheiros, todos sob contrato de trabalho, enquanto na lanchonete não é necessário tanta gente. Também agora as pessoas não têm mais condições de reformar os restaurantes, para mantê-los funcionando e atrair a freguesia. As pessoas estão montando mais lanchonetes para atender o público, por isso a tendência é os restaurantes irem fechando, serem cada vez menos. Aqui o prato mais caro é o camarão à grega, custando Cr$ 85,00 a porção, enquanto que a pescadinha frita ou grelhada custa apenas Cr$ 25,00. O prato preferido é o filé à francesa ou à cubana, embora todos sejam procurados, inclusive nossa variedade de pizzas. Camarão antigamente vendia muito, hoje é mais difícil".

Estes mudaram - Com o término do mês de agosto, veio também o fim do tradicional Golden Key (Chave de Ouro), que agora ficará fechado durante seis meses para reformas, quando todo seu mobiliário, conservado desde a inauguração em 1912, será trocado por instalações modernas, passando o Golden Key a funcionar como bar-lanchonete.

Preparando-se para a mudança nas instalações, a direção montou na parte da frente do estabelecimento (na Rua João Otávio, 8 - esquina com Rua General Câmara) um moderno bar, que já está dando lucro muito superior ao proporcionado pelo restaurante. Agora, tendo a mobília sido vendida para o restaurante do ITA - Instituto de Tecnologia da Aeronáutica de São José dos Campos - será feita a reforma, instalando-se uma decoração mais moderna.

No antigo Chave de Ouro, em meio a um ambiente que lembrava o início do século, jantavam representantes de todas as classes sociais e profissionais: advogados, delegados, estivadores, turistas, juízes e políticos. Comerciais de televisão e outras filmagens já foram ali realizadas. Muito procurado por famílias inteiras, que ali faziam suas refeições utilizando talheres de prata, ultimamente era mais procurado por marinheiros.

"O movimento caiu muito, as pessoas querem mais coisas modernas, preferem lanchonete. Recentemente, montamos um bar na frente que está faturando muito mais. Além disso, as obras da avenida Portuária deverão tomar parte da área do estabelecimento, diminuindo o espaço", diz Ruth, que há muitos anos trabalha na caixa do Chave de Ouro.


Cartão-de-visita do Roma
Acervo de Novo Milênio

Já o tradicional restaurante Roma, situado na Rua Frei Gaspar, 49, em pleno centro cafeeiro e bancário, após funcionar durante mais de 35 anos como restaurante apenas, passou a atuar também no setor de buffet, devendo brevemente inaugurar um salão para esse fim na Avenida Ana Costa, 148.

Lino Marques Pereira, atual proprietário, conta que "em 1970, quando eu comprei o restaurante, o proprietário anterior vendeu por não ter serviço. Reformei a casa ao comprar e com isso a freguesia aumentou, também devido ao atendimento, que foi aprimorado, sendo em 1974 montado o Buffet Roma. O restaurante é procurado mais pela Classe A, embora os pratos mais preferidos sejam as massas, a feijoada. O prato mais caro é o camarão à grega (Cr$ 100,00), sendo o mais barato o prato do dia (Cr$ 30,00). Não servimos refeição comercial. De qualquer forma, o que costumam sair mais são sempre os melhores pratos.

"Não acredito que os restaurantes estejam no caminho da extinção. Pessoal de lanchonete vai freqüentar lanchonete. Entretanto, pessoal que gosta de sentar a uma mesa, e pedir o que quer, vai manter a tradição. Com a idade, a pessoa vai querendo restaurantes melhores. Os restaurantes podem ir diminuindo, mas os que se aprimorarem continuarão. O que vai haver é uma tendência do aumento do número de lanchonetes.

"Durante todos esses anos, devido à pressa dos fregueses, passaram a surgir os pratos do dia, para facilitar ao freguês. De uns 10 anos para cá, quase todos os restaurantes passaram a manter dois pratos, como sendo principais no dia. Não que esses pratos sejam inferiores, são pratos comuns, escolhidos do cardápio, que recebem então essa denominação, para que o atendimento seja mais rápido.

"Outra modificação na sistemática dos restaurantes foi na cozinha. Antes, para se preparar um prato, todos os molhos eram feitos na hora, hoje eles são conservados prontos. Se antes um prato difícil demorava uma hora para ser feito, atualmente o mais difícil fica pronto em vinte minutos. Aqui o maior movimento, como nos restaurantes do centro da cidade, ocorre na hora do almoço; fora desse horário o movimento é só no balcão, na parte de lanches. Por isso, não costumamos colocar música, já que a maioria dos fregueses quer mesmo é conversar. Música só funciona nos restaurantes da praia".

Lino Marques diz ainda: "Para melhorar o movimento, um restaurante deve cuidar da aparência e do atendimento, só a tradição não basta. A tradição é importante porque, se o restaurante é conhecido, acaba sendo visitado. Mas se não agradar, o freguês não volta. Uma saída para a diminuição do movimento é os restaurantes trabalharem mais na parte de churrascaria e pizzaria, ou criarem serviços de buffet, se tiverem gabarito para isso".

Enquanto outros restaurantes enfrentam tristes perspectivas, o Café Paulista, na Rua do Comércio, recebe grande movimento constituído principalmente por políticos e advogados, sendo por isso conhecido como "Senadinho Santista". Fundado em 25 de março de 1911, seu atual dono tem a mesma idade do estabelecimento. Os pratos mais caros são o camarão à grega (Cr$ 100,00) e o estrogonofe (Cr$ 110,00), sendo as massas os pratos mais baratos. Peixes e carnes são os preferidos, sendo também muito conhecido o cuscuz à paulista.

Segundo os responsáveis pelo restaurante, os costumes mudaram muito pouco, com relação à comida: "Quanto às bebidas, o vinho vem sendo popularizado, embora a preferência seja ainda por águas minerais e cerveja. Na praia é mais vendido vinho. Um dos motivos da queda de movimento nos restaurantes em geral é o desvio do turismo, que antes passava por Santos, a caminho de Guarujá, e agora vai por Piaçagüera. O que sobra em Santos é o farofeiro, enquanto em Guarujá os restaurantes estão se expandindo.

"Em Santos, o que vem aumentando é o número de lanchonetes. Outro motivo é o surgimento recente das pizzarias e churrascarias, que também vêm se expandindo, por ser um serviço muito mais barato e econômico. Apesar de tudo, entretanto, muitos tradicionais restaurantes continuarão se mantendo, como o Marreiro, do início do século, na Avenida Bernardino de Campos; o Almeida, na Vila Mathias; o Roky, na Praça dos Andradas; o Café D'Oeste, também muito antigo, na Praça José Bonifácio, e alguns outros".


 O Marreiro, restaurante do início do século XX, era um dos poucos 
que ainda se mantinham em 1977, na Avenida Bernardino de Campos
Foto: jornal Cidade de Santos, 5/9/1977

Bastante sentido na época foi o fechamento do restaurante Don Fabrizio, em conseqüência da demolição do antigo edifício Lutécia - na esquina da Avenida Ana Costa com a Rua Claudio Doneux -, em cujo andar térreo estava instalado.

Registrou o jornal A Tribuna em 12/3/1980 o lamento do Sindicato de Hotéis e Similares de Santos: "Não foi só uma grande perda para a nossa coletividade como para nossa Santos, o fechamento de um estabelecimento do mais alto gabarito, que mantinha através dos seus proprietários, como ponto de honra, um atendimento aprimorado e irrepreensível à sua seleta clientela".

De fato, o estabelecimento de Fabrizio Tatini e seus filhos, também com instalações em São Paulo, era ponto de referência para encontros com autoridades e outras personalidades que visitavam a cidade.


Cartão de visita do Don Fabrizio
Acervo de Novo Milênio


Restaurante Almeida, "o que nunca fecha", não abriu em 11/8/2006, no Dia do Pindura anual dos estudantes de Direito. Também costuma fechar nos feriados de Natal e Ano Novo
Foto: Carlos Marques, publicada no jornal A Tribuna em 12 de agosto de 2006

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