O Chave de Ouro abandona o mobiliário tradicional
Foto: jornal Cidade de Santos, 5/9/1977
O fim dos restaurantes tradicionais
Leiteria São João, Bodega, Adega Central, Casa Espéria,
Vasco da Gama. Nomes que pertencem ao passado. Como esses, muitos tradicionais restaurantes da cidade estão em vias de fechamento, terminando assim
diversos dos tradicionais pontos de encontro de escritores, políticos, advogados e comerciantes, que discutiam suas idéias e acertavam seus negócios
ao mesmo tempo em que calmamente faziam as suas refeições.
Enquanto isso, surgem cada vez mais lanchonetes, churrascarias e pizzarias - que
ganham a preferência do apressado santista - ou os serviços de buffet, para reuniões mais formais.
Um dos mais antigos restaurantes da cidade é a Churrascaria São Paulo, no final da
Avenida Washington Luiz, fundado há 45 anos com o nome de Bar São Paulo. Quando foi adquirido por seus atuais proprietários, além do novo nome, o
estabelecimento ganhou também a condição de restaurante Classe A, como se mantém até hoje.
Roberto Gonzalez, co-proprietário do restaurante, diz que ali vão geralmente pessoas
de classes mais altas economicamente. Geralmente, como em todos os restaurantes da orla da praia, o maior movimento é registrado nos fins de semana,
sendo que o prato mais procurado é a paella, de origem espanhola, que consiste em arroz com todos os frutos do mar, filé mignon,
frango e lombo de porco (custa Cr$ 70,00 a porção, que dá para duas pessoas). Ali, o prato mais caro é a lagosta, que custa Cr$ 150,00 a porção,
havendo pratos mais populares, como a sopa de ervilhas ou tomate, ao preço de Cr$ 25,00.
Roberto Gonzalez conta que esteve na Europa recentemente e pôde observar que também lá
os restaurantes tradicionais estão desaparecendo: "Na Europa, o que mais existe é lanchonete, principalmente em Barcelona. Lanchonete serve pratos
mais rápidos, mais simples e baratos. A pessoa vai, come um sanduíche. Restaurante é para pessoa que tem mais tempo, que pode comer descansada".
Cartão-de-visita do Restaurante São Paulo
Acervo de Novo Milênio
"Está tudo caríssimo" - Há aproximadamente 15 anos, funciona na Avenida
Bernardino de Campos, esquina com a Rua Joaquim Távora, o restaurante Casca Arame. Álvaro Alvarez, um dos proprietários, conta que um dos motivos
por que os restaurantes estão cedendo seus lugares às lanchonetes é o custo de vida:
"Está tudo caríssimo. O restaurante não está suportando mais a despesa. O maior
movimento é nos fins de semana, quando as famílias vêm almoçar ou jantar, embora antigamente houvesse muito mais gente. Para o atendimento, temos
que ter diversos garçons, cozinheiros, todos sob contrato de trabalho, enquanto na lanchonete não é necessário tanta gente. Também agora as pessoas
não têm mais condições de reformar os restaurantes, para mantê-los funcionando e atrair a freguesia. As pessoas estão montando mais lanchonetes para
atender o público, por isso a tendência é os restaurantes irem fechando, serem cada vez menos. Aqui o prato mais caro é o camarão à grega, custando
Cr$ 85,00 a porção, enquanto que a pescadinha frita ou grelhada custa apenas Cr$ 25,00. O prato preferido é o filé à francesa ou à cubana, embora
todos sejam procurados, inclusive nossa variedade de pizzas. Camarão antigamente vendia muito, hoje é mais difícil".
Estes mudaram - Com o término do mês de agosto, veio também o fim do
tradicional Golden Key (Chave de Ouro), que agora ficará fechado durante seis meses para reformas, quando todo seu mobiliário, conservado desde a
inauguração em 1912, será trocado por instalações modernas, passando o Golden Key a funcionar como bar-lanchonete.
Preparando-se para a mudança nas instalações, a direção montou na parte da frente do
estabelecimento (na Rua João Otávio, 8 - esquina com Rua General Câmara) um moderno bar, que já está dando lucro muito superior ao proporcionado
pelo restaurante. Agora, tendo a mobília sido vendida para o restaurante do ITA - Instituto de Tecnologia da Aeronáutica de São José dos Campos -
será feita a reforma, instalando-se uma decoração mais moderna.
No antigo Chave de Ouro, em meio a um ambiente que lembrava o início do século,
jantavam representantes de todas as classes sociais e profissionais: advogados, delegados, estivadores, turistas, juízes e políticos. Comerciais de
televisão e outras filmagens já foram ali realizadas. Muito procurado por famílias inteiras, que ali faziam suas refeições utilizando talheres de
prata, ultimamente era mais procurado por marinheiros.
"O movimento caiu muito, as pessoas querem mais coisas modernas, preferem lanchonete.
Recentemente, montamos um bar na frente que está faturando muito mais. Além disso, as obras da avenida Portuária deverão tomar parte da área do
estabelecimento, diminuindo o espaço", diz Ruth, que há muitos anos trabalha na caixa do Chave de Ouro.
Cartão-de-visita do Roma
Acervo de Novo Milênio
Já o tradicional restaurante Roma, situado na Rua Frei Gaspar, 49, em pleno centro
cafeeiro e bancário, após funcionar durante mais de 35 anos como restaurante apenas, passou a atuar também no setor de buffet, devendo
brevemente inaugurar um salão para esse fim na Avenida Ana Costa, 148.
Lino Marques Pereira, atual proprietário, conta que "em 1970, quando eu comprei o
restaurante, o proprietário anterior vendeu por não ter serviço. Reformei a casa ao comprar e com isso a freguesia aumentou, também devido ao
atendimento, que foi aprimorado, sendo em 1974 montado o Buffet Roma. O restaurante é procurado mais pela Classe A, embora os pratos mais preferidos
sejam as massas, a feijoada. O prato mais caro é o camarão à grega (Cr$ 100,00), sendo o mais barato o prato do dia (Cr$ 30,00). Não servimos
refeição comercial. De qualquer forma, o que costumam sair mais são sempre os melhores pratos.
"Não acredito que os restaurantes estejam no caminho da extinção. Pessoal de
lanchonete vai freqüentar lanchonete. Entretanto, pessoal que gosta de sentar a uma mesa, e pedir o que quer, vai manter a tradição. Com a idade, a
pessoa vai querendo restaurantes melhores. Os restaurantes podem ir diminuindo, mas os que se aprimorarem continuarão. O que vai haver é uma
tendência do aumento do número de lanchonetes.
"Durante todos esses anos, devido à pressa dos fregueses, passaram a surgir os pratos
do dia, para facilitar ao freguês. De uns 10 anos para cá, quase todos os restaurantes passaram a manter dois pratos, como sendo principais no dia.
Não que esses pratos sejam inferiores, são pratos comuns, escolhidos do cardápio, que recebem então essa denominação, para que o atendimento seja
mais rápido.
"Outra modificação na sistemática dos restaurantes foi na cozinha. Antes, para se
preparar um prato, todos os molhos eram feitos na hora, hoje eles são conservados prontos. Se antes um prato difícil demorava uma hora para ser
feito, atualmente o mais difícil fica pronto em vinte minutos. Aqui o maior movimento, como nos restaurantes do centro da cidade, ocorre na hora do
almoço; fora desse horário o movimento é só no balcão, na parte de lanches. Por isso, não costumamos colocar música, já que a maioria dos fregueses
quer mesmo é conversar. Música só funciona nos restaurantes da praia".
Lino Marques diz ainda: "Para melhorar o movimento, um restaurante deve cuidar da
aparência e do atendimento, só a tradição não basta. A tradição é importante porque, se o restaurante é conhecido, acaba sendo visitado. Mas se não
agradar, o freguês não volta. Uma saída para a diminuição do movimento é os restaurantes trabalharem mais na parte de churrascaria e pizzaria, ou
criarem serviços de buffet, se tiverem gabarito para isso".
Enquanto outros restaurantes enfrentam tristes perspectivas, o
Café Paulista, na Rua do Comércio, recebe grande movimento constituído principalmente por políticos e advogados, sendo
por isso conhecido como "Senadinho Santista". Fundado em 25 de março de 1911, seu atual dono tem a mesma idade do estabelecimento. Os pratos
mais caros são o camarão à grega (Cr$ 100,00) e o estrogonofe (Cr$ 110,00), sendo as massas os pratos mais baratos. Peixes e carnes são os
preferidos, sendo também muito conhecido o cuscuz à paulista.
Segundo os responsáveis pelo restaurante, os costumes mudaram muito pouco, com relação
à comida: "Quanto às bebidas, o vinho vem sendo popularizado, embora a preferência seja ainda por águas minerais e cerveja. Na praia é mais vendido
vinho. Um dos motivos da queda de movimento nos restaurantes em geral é o desvio do turismo, que antes passava por Santos, a caminho de Guarujá, e
agora vai por Piaçagüera. O que sobra em Santos é o farofeiro, enquanto em Guarujá os restaurantes estão se expandindo.
"Em Santos, o que vem aumentando é o número de lanchonetes. Outro motivo é o
surgimento recente das pizzarias e churrascarias, que também vêm se expandindo, por ser um serviço muito mais barato e econômico. Apesar de tudo,
entretanto, muitos tradicionais restaurantes continuarão se mantendo, como o Marreiro, do início do século, na Avenida Bernardino de Campos; o
Almeida, na Vila Mathias; o Roky, na Praça dos Andradas; o Café D'Oeste, também muito antigo, na Praça José Bonifácio, e alguns outros".
O Marreiro, restaurante do início do século XX, era um dos poucos
que ainda se mantinham em 1977, na Avenida Bernardino de Campos
Foto: jornal Cidade de Santos, 5/9/1977
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