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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Das casinhas ao primeiro supermercado

Texto recompilado do Almanaque da Baixada Santista - 1976, de Olao Rodrigues, Prodesan Gráfica, Santos/SP, páginas 12 a 17, e de Santos Noutros Tempos, de Costa e Silva Sobrinho (1953, Santos/SP), páginas 616 a 624:

"...Na praia, a poucos metros da água, um como mercado pantopolista: sobre mesas de mármore, estendem-se alinhados, com reflexos de aço, de prata, de ouro, os peixes admiráveis do lagamar e do alto - as tainhas gordas, de focinho rombo; os paratis que são diminutivos deles; as corvinas corcovadas, pardas; os galos espalmados, magros; os pargos de dentes e de beiço redondo, carnudos; as pescadas do alto, fulvas, enormes; os linguados vesgos, delicados; as solhas, linguados gigantescos, macias, chatas; as garoupas atarracadas, escondendo sob formas brutas um mundo de delícias gastronômicas; as pescadinhas rancas, argênteas, com um fio de ouro e verde a sulcar-lhe os flancos; os bagres lisos, visguentos, feios; os camarões brancos, arroxeados, com longas barbas, em rodas, sobre tampos de vime; os caranguejos peludos, morosos, batendo uns nos outros a couraça sonora; os siris azulados".


Mercado Provisório em 1887, em tela de Benedito Calixto de Jesus
Imagem fotografada originalmente com técnicas especiais para o Calendário de 1978 editado pela Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A. (Prodesan), com o tema Quadros de Benedito Calixto

Começa assim, na obra naturalista A Carne, a curiosa descrição do Mercado Provisório de Santos, inaugurado em 1880 pela Câmara de Santos no Pátio dos Gusmões (que depois corresponderia a um trecho da Rua Dr. Antonio Prado defronte ao armazém 2 da Companhia Docas). O autor, Júlio Ribeiro, prossegue na descrição desse mercado:

"Em torno à casa sob beirais do telhado, sob toldos de pano ao ar aberto, pilhas de laranjas, de ananases, de melancias, de goiabas, de cocos, de cachos de bananas, de mil espécies de frutas em uma abundância fastidiosa, desanimadora, com cheiro enjoativo de madureza passada; grãos, legumes, hortaliças, raízes, ervas de tempero, tomates, pimentas; quadrúpedes e aves, domésticos e selvagens, leitões, quatis, perus, tucanos; conchas, caramujos; esteiras, cordas, quinquilharias, uma babel, um bric-a-brac infernal".

As Casinhas - O primeiro mercado santista destinado à venda de alimentos foi conhecido como As Casinhas e ocupava, desde 1800, velho prédio entre as vias Setentrional e Meridional, que hoje forma o canteiro central da Praça da República (entre as ruas Martim Afonso e Senador Feijó). A construção estava situada no lado mais próximo da atual Rua Martim Afonso.

As Casinhas, próximas ao então prédio da Câmara e Cadeia, comunicavam-se por portas abertas naquelas duas vias. Num terreiro comprido havia de um lado fila de compartimentos, cujos ocupantes atendiam pelo nome de casinheiros. Esses compartimentos tinham uma porta e um muro baixo, do qual se erguiam balaustres que os fechavam até o telhado. Dentro havia um mostrador, como era então denominado o atual balcão. O povo aglomerava-se ali todos os dias, apesar - como assinalou o historiador Costa e Silva Sobrinho - de não haver asseio nem ordem.

...de si próprio - Ele relata, em sua obra Santos Noutros Tempos, "um caso curioso em 1800, quando Antonio José da Cruz era rendeiro das casinhas e do açougue, e Romão Martins arrematante das aferições. O primeiro devia a este último a quantia de 2$500 da aferição dos pesos e medidas das casinhas e do açougue. Mas recusava-se a pagá-la, alegando que, sendo ambos subrogados nos direitos do fisco, não podia um cobrar impostos do outro, porque equivaleria a cobrar o fisco impostos de si próprio.

"Romão Martins tomou o argumento como sofisteria grossa. Gozava ele, a bem da sua arrematação, do direito de cobrar os impostos por ação executiva. Muniu-se logo do competente mandado e fez citar o devedor. Este, não podendo pagar em continente, nomeou à penhora 'um par de fivelas de prata de sapatos, com o peso de 63 oitavas, e com as suas charneiras'. Avaliou-as José Gonçalves Bandeira, então contraste do ouro e prata da vila, em 6$300. Depois, um termo de quitação encerrou melancolicamente a demanda. Sacudidas do velho pó dos cartórios, aqui ficam ao menos, como um detalhe anedótico, essas fivelas de prata... Que chancas teriam elas enfeitado?..."

A Banca, em foto de 1865, atual Praça Azevedo Júnior

Foi nesse mercado que a soldadesca revoltada, sob o comando do célebre Chaguinhas (Francisco José das Chagas) se abasteceu de carne e víveres na madrugada de São Pedro de 1821). Com a demolição das Casinhas, por volta de 1855, houve uma improvisação de mercado na célebre Banca do Peixe (atual Praça Azevedo Júnior), bem à beira do Estuário.

Em 1880, foi inaugurado o Mercado Provisório, construído pelo mestre Tomás (Tomás Antonio de Azevedo) no Pátio ou Largo dos Gusmões. Segundo edital da Câmara Municipal de 26/5/1880, a obra foi orçada em 12:000$000. O contrato assinado por mestre Tomás foi apresentado na sessão da Câmara de 29/7/1880, e no prazo previsto, de apenas quatro meses, a obra foi concluída.

Por ser provisório, esse mercado não foi muito bem cuidado, razão pela qual, oito anos depois, já se apresentava bastante ruinoso, como assinalou o repórter Alfredo Moreira Pinto: "...O Mercado é um telheiro imundo e que, para honra de tão importante cidade, deve ser demolido e removido do mal escolhido lugar em que se acha colocado."


Prédio original de 1902 do Mercado Municipal, no bairro Vila Nova
Foto: Almanaque da Baixada Santista, 1976, de Olao Rodrigues, Prodesan Gráfica, Santos/SP

Municipal - Em 1900, o Mercado Provisório já não existia, estando as autoridades santistas empenhadas em construir um novo e definitivo, na Vila Nova, que era então o bairro mais elegante de Santos. Inaugurado em 1902, o Mercado Municipal, da Praça Iguatemi Martins, foi reconstruído em 1947, ampliado em 1955 (ganhando o segundo andar e o pavilhão de pescado), e terminou o século XX ainda em funcionamento.


Mercado Municipal de 1902, construído no bairro Vila Nova, visto do Canal do Mercado
Foto enviada a Novo Milênio por Ary O. Céllio

Com a expansão da cidade, foram criados os chamados Mercadinhos em bairros como a Vila Mathias (extinto anos depois), o Marapé e Macuco, ainda em funcionamento no início do século XXI.

Em outubro de 1972, foi instalado em Santos o primeiro supermercado, o Eldorado  (depois vendido à rede francesa Carrefour, na Av. Conselheiro Nébias) no bairro do Boqueirão, e os novos hábitos de consumo provocaram a diminuição da afluência do público ao Mercado Municipal, que aos poucos vai sendo transformado internamente para abrigar repartições municipais e outras atividades.


Supermercados Luiz XV
Anúncio publicado em 22 de dezembro de 1960 no jornal santista A Tribuna - página 3

N.E.: Em 23/10/2005, o internauta A. C. Damy enviou mensagem eletrônica a Novo Milênio informando que, na verdade, "o primeiro supermercado de Santos funcionou na Rua Braz Cubas, esquina da 7 de setembro, e se chamava supermercados Luiz XV S/A. de propriedade da familia Flores, herdeiros da Leoneza de Conservas. Portanto um supermercado 100 por cento santista".

Televisão Luiz ZV, produzida pela empresa e vendida em sua loja
Anúncio publicado no jornal santista A Tribuna em 27 de abril de 1952


Supermercados Peralta
Anúncio publicado no jornal Cidade de Santos de 8 de julho de 1973, página 19

 Em 22/2/2007, o advogado Antonio Carlos Bley Pizarro complementou a informação: "O primeiro supermercado de Santos foi o Pão de Açúcar na Avenida Ana Costa, onde hoje funciona a loja da Kalunga, inaugurado na segunda metade da década de 60 (entre 1966 e 1968). O mercado Luiz XV S/A foi o primeiro estabelecimento de varejo alimentício, em Santos, que adotou o sistema pegue e pague, usando fileira de caixas registradoras para o processo de contabilização de mercadoria e pagamento. Inclusive, após o expediente comercial, a empresa fabricante das máquinas oferecia às senhoras um curso para seu manejo, o que chamaríamos hoje de um curso de capacitação. Quanto ao Eldorado, ele foi inaugurado no final de 1974 e era codinominado hipermercado".


Hipermercado Eldorado
Anúncio publicado em 4 de fevereiro de 1995 no jornal santista A Tribuna

Nota publicada na revista santista A Fita nº 30, de 13 de novembro de 1913 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial de página de A Fita nº 30

Exemplar no acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC) de Santos

O passageiro, o turista que desembarca nas Docas na parte que fica aos fundos da Alfândega do lado da Rua Senador Feijó, aprecia uma coisa que já foi interessante em outros tempos, quando os nossos antepassados iam para a escola de camisola e tamanquinhos: uma espécie de feira de frutas.

Mas o tal mercadinho por si só não passaria de um vestígio dos nossos antigos costumes, se não tivesse para atestar a impropriedade do local e a inconveniência da sua permanência ou ajuntamento de malandraços adoradores das quitandeiras, num contínuo palavreado obsceno de galanterias à sua moda.

E os passeios, as proximidades do local ficam imundos, com cascas de frutas espalhadas, numa armadilha perigosa, num verdadeiro escorregadouro.

Um bom movimento, por parte dos srs. fiscais ou da polícia mesmo, livrar-nos-ia desse sistema de comércio aldeão misturado com sujeira e idílios de capadócio.

E o passageiro e o turista não dirão que logo à chegada viram coisas... selvagens no nosso país.

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