"...Na praia, a poucos metros da água, um como mercado pantopolista: sobre mesas de mármore, estendem-se alinhados, com reflexos de aço, de prata, de ouro, os peixes admiráveis do
lagamar e do alto - as tainhas gordas, de focinho rombo; os paratis que são diminutivos deles; as corvinas corcovadas, pardas; os galos espalmados, magros; os pargos de dentes e de beiço redondo, carnudos; as pescadas do alto, fulvas, enormes; os
linguados vesgos, delicados; as solhas, linguados gigantescos, macias, chatas; as garoupas atarracadas, escondendo sob formas brutas um mundo de delícias gastronômicas; as pescadinhas rancas, argênteas, com um fio de ouro e verde a sulcar-lhe os
flancos; os bagres lisos, visguentos, feios; os camarões brancos, arroxeados, com longas barbas, em rodas, sobre tampos de vime; os caranguejos peludos, morosos, batendo uns nos outros a couraça sonora; os siris azulados".
Mercado Provisório em 1887, em tela de Benedito Calixto de Jesus
Imagem fotografada originalmente com técnicas especiais para o Calendário de 1978 editado pela Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A. (Prodesan), com o tema Quadros de Benedito
Calixto
Começa assim, na obra naturalista A Carne, a curiosa descrição do Mercado Provisório de Santos, inaugurado em 1880 pela Câmara de Santos no Pátio dos Gusmões
(que depois corresponderia a um trecho da Rua Dr. Antonio Prado defronte ao armazém 2 da Companhia Docas). O autor, Júlio Ribeiro, prossegue na descrição desse mercado:
"Em torno à casa sob beirais do telhado, sob toldos de pano ao ar aberto, pilhas de laranjas, de ananases, de melancias, de goiabas, de cocos, de cachos de bananas, de mil espécies de
frutas em uma abundância fastidiosa, desanimadora, com cheiro enjoativo de madureza passada; grãos, legumes, hortaliças, raízes, ervas de tempero, tomates, pimentas; quadrúpedes e aves, domésticos e selvagens, leitões, quatis, perus, tucanos;
conchas, caramujos; esteiras, cordas, quinquilharias, uma babel, um bric-a-brac infernal".
As Casinhas - O primeiro mercado santista destinado à venda de alimentos foi conhecido como As Casinhas e ocupava, desde 1800, velho prédio entre
as vias Setentrional e Meridional, que hoje forma o canteiro central da Praça da República (entre as ruas Martim Afonso e Senador Feijó). A construção estava situada no lado mais próximo da atual Rua Martim Afonso.
As Casinhas, próximas ao então prédio da Câmara e Cadeia, comunicavam-se por portas abertas naquelas duas vias. Num terreiro comprido havia de um lado
fila de compartimentos, cujos ocupantes atendiam pelo nome de casinheiros. Esses compartimentos tinham uma porta e um muro baixo, do qual se erguiam balaustres que os fechavam até o telhado. Dentro havia um mostrador, como era então denominado o
atual balcão. O povo aglomerava-se ali todos os dias, apesar - como assinalou o historiador Costa e Silva Sobrinho - de não haver asseio nem ordem.
...de si próprio - Ele relata, em sua obra Santos Noutros Tempos, "um caso curioso em 1800, quando Antonio José da Cruz era rendeiro das
casinhas e do açougue, e Romão Martins arrematante das aferições. O primeiro devia a este último a quantia de 2$500 da aferição dos pesos e medidas das casinhas e do açougue. Mas recusava-se a pagá-la, alegando que, sendo ambos subrogados nos
direitos do fisco, não podia um cobrar impostos do outro, porque equivaleria a cobrar o fisco impostos de si próprio.
"Romão Martins tomou o argumento como sofisteria grossa. Gozava ele, a bem da sua arrematação, do direito de cobrar os impostos por ação executiva. Muniu-se logo do competente mandado e
fez citar o devedor. Este, não podendo pagar em continente, nomeou à penhora 'um par de fivelas de prata de sapatos, com o peso de 63 oitavas, e com as suas charneiras'. Avaliou-as José Gonçalves Bandeira, então contraste do ouro e prata da
vila, em 6$300. Depois, um termo de quitação encerrou melancolicamente a demanda. Sacudidas do velho pó dos cartórios, aqui ficam ao menos, como um detalhe anedótico, essas fivelas de prata... Que chancas teriam elas enfeitado?..."
A Banca, em foto de 1865, atual Praça Azevedo Júnior
Foi nesse mercado que a soldadesca
revoltada, sob o comando do célebre Chaguinhas (Francisco José das Chagas) se abasteceu de carne e víveres na madrugada de São Pedro de 1821). Com a demolição das Casinhas, por volta de 1855, houve uma
improvisação de mercado na célebre Banca do Peixe (atual Praça Azevedo Júnior), bem à beira do Estuário.
Em 1880, foi inaugurado o Mercado Provisório, construído pelo mestre Tomás (Tomás Antonio de Azevedo) no Pátio ou Largo
dos Gusmões. Segundo edital da Câmara Municipal de 26/5/1880, a obra foi orçada em 12:000$000. O contrato assinado por mestre Tomás foi apresentado na sessão da Câmara de 29/7/1880, e no prazo previsto, de apenas quatro meses, a obra foi
concluída.
Por ser provisório, esse mercado não foi muito bem cuidado, razão pela qual, oito anos depois, já se apresentava bastante ruinoso, como assinalou o repórter Alfredo Moreira Pinto: "...O Mercado é um telheiro imundo e que, para honra de tão importante cidade, deve ser demolido e removido do mal escolhido lugar em que se acha colocado."
Prédio original de 1902 do Mercado Municipal, no bairro Vila Nova
Foto: Almanaque da Baixada Santista, 1976, de Olao Rodrigues, Prodesan Gráfica, Santos/SP
Municipal - Em 1900, o Mercado Provisório já não existia, estando as autoridades santistas empenhadas em construir um novo e definitivo, na Vila Nova,
que era então o bairro mais elegante de Santos. Inaugurado em 1902, o Mercado Municipal, da Praça Iguatemi Martins, foi reconstruído em 1947, ampliado em 1955 (ganhando o segundo andar e o pavilhão de pescado), e terminou
o século XX ainda em funcionamento.
Mercado Municipal de 1902, construído no bairro Vila Nova, visto do Canal do Mercado
Foto enviada a Novo Milênio por Ary O. Céllio
Com a expansão da cidade, foram criados os chamados Mercadinhos em bairros como a Vila Mathias (extinto anos depois), o Marapé e Macuco, ainda em funcionamento no início do século XXI.
Em outubro de 1972, foi instalado em Santos o primeiro supermercado, o Eldorado (depois vendido à rede francesa Carrefour, na Av. Conselheiro Nébias) no bairro do Boqueirão, e os
novos hábitos de consumo provocaram a diminuição da afluência do público ao Mercado Municipal, que aos poucos vai sendo transformado internamente para abrigar repartições municipais e outras atividades. |