CASAMENTOS
O uso de salões para
recepções de casamento, e de serviço de bufê, surgiu somente na quinta década (1941/50) do século passado.
Antes disso, as festas de aniversários e dos casamentos realizavam-se na própria casa
dos nubentes ou aniversariantes, naturalmente quando as famílias moravam em casas grandes e confortáveis, o que permitia todo tipo de comemoração.
Contavam com muitos serviçais aptos a atender os convidados com certo requinte. Sempre
houve doceiras e quituteiras que aceitavam encomendas de tudo o que pudesse constituir uma mesa farta, atendendo às mais variadas preferências.
Ocorre-me o nome de algumas: dona Marcionilia, que morava próximo ao colégio Stella
Maris, as irmãs Freire, residentes na Vila Nova, e madame Hummel, grande especialista em bolos confeitados, e saborosas
torres de fios de ovos.
As famílias costumavam ter uma toalha ricamente bordada que era usada em todos os
casamentos. Uma tradição comovente. Eu, por ter sido a última a casar, recebi a toalha que serviu em todos os enlaces matrimoniais da minha família.
É uma obra de arte, encomendada por Nicácio Costillas, de acordo com nossa grande mesa
oval feita pelas habilidosas mãos de freiras da Itália. Logo ela poderá ser apreciada por todos que visitarem a Pinacoteca
Benedito Calixto, entre alguns objetos que pertenceram à família Pires. Um espaço para reverenciar o criador de toda beleza daquele monumento de
arquitetura.
Nos casamentos, o bolo de noiva era uma tradição, tendo como enfeite uma miniatura de
um casal de noivos, como ainda acontece atualmente.
Grande parte das tradições foi sendo esquecida, desde que se passou a organizar a
festa em salões devidamente preparados para receberem muitos convidados. Conforme o número de convidados, são colocadas mesas suficientes para que
todos fiquem bem acomodados. E sempre servidos por garçons eficientes e treinados.
Não resta dúvida que esse hábito tirou uma enorme responsabilidade das donas-de-casa,
que não precisam preocupar-se com os detalhes.
Também era costume, naquela época, a cerimônia religiosa ser realizada na casa da
noiva. Para isso era armado um altar na sala principal da residência, serviço feito por firma especializada.
Não podia faltar uma almofada retangular, em cetim branco, com motivos bordados ou
pintados artisticamente, onde os noivos se ajoelhavam para receber a bênção do celebrante, em geral um sacerdote amigo da família. Embora não
houvesse o cortejo formado pelas damas de honra, pais e padrinhos, a cerimônia não deixava de ser emocionante e requintada.
Quatro das minhas irmãs casaram-se no casarão branco e eu, ainda uma criança,
acompanhava exultante esses preparativos. Só em 1927 ocorreram dois casamentos com intervalo de três meses.
É fácil imaginar o trabalho de nossa mãe, preparando dois enxovais ao mesmo tempo e
providenciando tudo para as cerimônias civil e religiosa em sua própria casa.
Entre eu e minhas outras irmãs havia um espaço de tempo grande, em que nasceram três
dos meus irmãos. É fácil imaginar como eu era mimada por elas. Era como uma boneca que elas gostavam de vestir com capricho, prendendo o cabelo com
enormes laços de fita.
Eu servi de "elefante" em todos os noivados! Elefante era o nome dado à pessoa que
ficava junto aos noivos, como vigilante.
Não é preciso dizer que os então futuros cunhados agradavam-me muito, com presentes e
caixas de bombons. Todos eles só me deixaram boas recordações, mas não posso deixar de citar o Clóvis (dr. Clóvis Galvão de Moura Lacerda), que
tinha por mim um carinho enorme.
Eu tinha apenas seis anos quando ele e Beatriz se casaram. Como já tocava piano de
ouvido, ele fazia questão de levar-me em casa de amigos para que eu exibisse meus pretensos dotes de pianista que, lamentavelmente, ficaram apenas
nisso. Eu o considerei sempre como um segundo pai, a quem abria meu coração, encontrando sempre respostas para minhas dúvidas e consolo para minhas
frustrações.
Antes de prosseguir no assunto "casamentos", preciso fazer referência a uma coisa que
me aconteceu há poucos dias.
Falando em noivados, veio-me à lembrança um fato muito longínquo. Era um livro, cujo
título, "Livro das Noivas", mamãe recebera de meu pai, alguns dias antes de se unirem pelo matrimônio. Esse livro era conservado por mamãe
como algo sagrado. Jamais nós o tivemos nas mãos. Hoje imagino o que representava para ela esse presente do noivo, pois eram duas crianças. Ela com
16 anos e ele com 17... Passaram-se os anos, eles se foram e eu já nem lembrava do referido livro. Mas agora que decidi discorrer sobre os
casamentos, veio-me novamente a doce lembrança desse misterioso livro. E recebi uma grata inspiração. Quem sabe estivesse com minha sobrinha
Heloísa, filha de minha irmã Odette, a mais velha, que deu destino aos guardados de minha mãe.
Inspiração divina! Liguei para Sorocaba e falei sobre o livro com minha sobrinha. Ele
estava lá, entre as coisas que ela deixara com a filha. Prontamente ela me enviou pelo correio a desejada preciosidade. Quando lhe agradeci o régio
presente, falei da enorme emoção que senti ao tê-lo em mãos, a qual ela bondosamente comparou à alegria que sentiu ao me atender.
A autora desse livro foi Júlia Lopes de Almeida, notável escritora do século XIX, mãe
da declamadora Margarida Lopes de Almeida, que foi uma grande embaixatriz do Brasil, levando a sua arte a todos os continentes. Foi editado em 1896,
no mesmo ano em que meus pais se casaram, pela Typographia da Companhia Nacional Editora - no Largo do Conde Barão 50, Lisboa. dedicatória, "A
meu marido", que faço questão de transcrever, respeitando a ortografia da época, é esta:
Meu Filinto
"Lês na minh'alma como em um livro aberto.
Não tenho pensamento que te não communique,
desejo ou sonho que te não exprima.
Ninguém, pois, melhor que tu,
conhecerá a sinceridade d'estas páginas
sinceras,
onde de vez emquando os nossos filhos
apparecem,
e que te entrego, certa de que serão
queridas ao teu
coração.
Não te dou um livro litterário, mas dou-te
um livro sentido,
a que segredei todas as minhas alegrias e
tristezas.
Tu, que tens, com egual carinho e bom
conselho,
comparticipado de umas e outras, acolhe-o
bem, que vai
nelle todo o amor da tua
Júlia".
Esse livro dá conselhos às noivas, desde o preparo do enxoval, sobre a vida a dois,
criação de filhos, educação, sobre a casa, da sala à cozinha e demais dependências. Isso na vida daquela época!
Perdoem-me, caros leitores, esse capítulo que não fora planejado, mas que de repente
surgiu e, romântica como sou, apesar da frieza do mundo, vi-me impedida a dividi-lo com vocês. final trata-se de um livro que tem quase 110 anos e
está perfeito, sem uma folha solta. Uma obra centenária que foi e continuará sendo preservada pelo amor.
É evidente que terei de pensar qual será o seu destino depois que eu me transferir
para outras dimensões. Deus há de iluminar-me e o Livro das Noivas certamente completará outros centenários.
Acredito que ele não chegou às minhas mãos por acaso. Esse era o seu destino, que
custou a se realizar, mas não perdeu o encanto que sempre o envolveu, mesmo não o conhecendo.
Existem forças superiores à nossa compreensão, que no momento exato entram em ação.
ANIVERSÁRIOS
Da mesma maneira que os
casamentos, os aniversários, antes comemorados nas residências, à medida que as famílias foram optando por residir em apartamentos, passaram a
ocorrer em lugares mais compatíveis.
Existem hoje bufês apropriados para festas infantis, com espaço suficiente para as
crianças brincarem. Ali são colocados brinquedos que proporcionam alegria a todos, tanto meninos como meninas. Mais uma vez tenho de admitir que
isso trouxe uma despreocupação total para os pais. Festa de criança em apartamento, nem pensar!
Até os doces antigos foram sendo substituídos. Antes, não faltavam bons bocados, as
brevidades, os canudinhos recheados, as ameixas e tâmaras recheadas, as mães-bentas, o manjar branco. Nem os bem-casados, os vienenses, a
baba-de-moça, os camafeus e muitos outros que eu assistia minha mãe e avó fazerem com capricho e até mesmo com muito amor, e certo prazer. As
donas-de-casa tinham orgulho em apresentar uma mesa onde seus dotes de doceira eram reconhecidos e apreciados.
Uma lembrança muito viva que conservo dessas festas era a boneca cuja saia era feita
com balas envolvidas em papel-de-seda. Esse era cortado de forma retangular e dividido em tiras de um centímetro, restando apenas o pedaço destinado
a enrolar as balas. Os menores se sentavam em algum lugar e, com o auxílio de uma agulha de crochê, pressionavam sobre cada tira, puxando-a para
cima, e formando uma tira crespa.
Para esse trabalho tínhamos de usar, como apoio, uma almofada bem dura. Adorávamos
essa tarefa, para nós um divertimento. Depois de enroladas as balas, elas iam sendo colocadas numa fruteira de madeira de quatro andares, sendo que
o primeiro prato era pequeno e os demais iam se tornando maiores.
No topo, mamãe adaptava um meio corpo de boneca vestida com capricho. Sua saia era
formada pelas balas que lotavam todos os pratos. Só no final da festa podíamos tirá-las, destruindo a vestimenta que tanto trabalho nos dera.
Mas o prazer de desnudar a boneca era imenso. O mais engraçado era que embora esse
detalhe se repetisse a cada aniversário comemorado, sentíamos um prazer sempre renovado. Mas como tantas outras coisas, que fizeram parte de minha
infância, não sei que fim teve a famosa fruteira!
Chegamos à era dos brigadeiros, das "mousses" e das tortas, dos sorvetes cada vez mais
sofisticados. O champanhe, os licores, os vinhos, sempre existiram. Mas os refrigerantes, no início do século XX, eram o guaraná e a água tônica.
Hoje há uma variedade enorme deles e muitas vezes ficamos indecisos na hora de escolhê-los.
Da mesma maneira que as cervejas, a princípio eram da marca
Antarctica, a pioneira, e hoje temos uma infinidade de marcas. Tudo em nome do progresso, da evolução, de um bem-estar e conforto cada vez
maiores. Apesar de todas essas mudanças, é sempre gratificante participar de casamentos e aniversários. É quando as famílias e amigos se unem pelo
mesmo objetivo. Um encanto que não desaparecerá nunca.
A amizade entre parentes e entre amigos é um sentimento que deve ser valorizado em
todas as oportunidades e preservado contra qualquer coisa que possa atingir a sua integridade. Deus tem colocado em meu caminho muitos amigos e eu
valorizo cada momento passado ao lado deles. Eles me estimulam e me compreendem, e tenho procurado retribuir o que deles recebo.
Ser amiga é doar-se inteiramente. É o sublime milagre da multiplicação de sentimentos.
A amizade é como a fé. Ela nos levanta quando o desalento nos derruba. Nem as distâncias, nem os problemas que nos afligem, fazem com que esqueçamos
os amigos.
Tanto nos momentos de dor, quanto nos de felicidade, os verdadeiros amigos estão
presentes, ora nos consolando, ora participando de nossa alegria. |