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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O declínio das casas importadoras

Se no Brasil-Colônia era proibida a manufatura, e praticamente tudo tinha que ser importado de Portugal (ou da Inglaterra), e mesmo até meados do século XX os produtos nacionais não tinham lá muito prestígio entre os consumidores, a restrição às importações e ao crédito, aliada à melhoria crescente na qualidade da produção brasileira e à proliferação de supermercados, foi aos poucos levando tradicionais casas importadoras ao fechamento ou à mudança de atividades.

Em Santos, onde surgiram as primeiras casas de comércio do Brasil, resta uma que, no início do século XXI, já é a mais antiga do País em funcionamento e operação contínua, pois surgiu em 1912: a F. Vallejo e Cia. Ltda.. Nomes tradicionais nesse comércio, como Ferreira Laje, Martins Pimenta, Mercearia Royal, Casa Haia e Mercearia Natal, já fecharam, e outros, como a Casa Aymoré e a Mercearia Monte Castelo, mudaram de atividade.

A matéria a seguir, publicada em 21 de abril de 1977 no jornal santista Cidade de Santos, registra esse momento de mudança de comportamentos - encontrando ainda aberto o Ao Anjo Barateiro (que encerrou as atividades na década seguinte) e citando o supermercado Eldorado, que anos depois foi comprado pela rede francesa Carrefour.

1977 era um momento em que se fazia novo esforço pela integração sul-americana  (antes de surgir o nome Mercosul); as telecomunicações eram precárias, a Internet apenas uma utopia. Uma época anterior à globalização das economias, em que as fronteiras apenas começavam a ser abertas, as barreiras alfandegárias conseguiam definir o mercado interno, muitas empresas começavam a internacionalizar a sua produção e os supermercados ainda enfrentavam alguma concorrência efetiva de tradicionais mercearias, quitandas e empórios:


Nos balcões do Ao Anjo Barateiro, a exposição de delicatesses
Foto: Cidade de Santos, publicada em 21/4/1977

Importados,
um ramo do comércio em extinção

Encostada a uma parede, atrás da caixa registradora, uma velha placa metálica, de quase metro e meio de comprimento, já enegrecida pelo tempo, onde se lê: Ao Anjo Barateiro. Atendendo aos fregueses, conversando com todos, ao mesmo tempo sério e jovial, Fernando Martins, o dono daquela loja da Rua Itororó, fala dos velhos bons tempos, quando mais de metade do estoque da loja era de produtos importados.

Quarenta anos de Brasil, começou no ramo de secos e molhados ao comprar aquela loja, que ele nem sabe quando foi fundada. "Deve ter sido há mais de 50 anos". Naquela época, a importação era fácil, e ele podia trabalhar com um bom estoque de vinhos, azeites e conservas vindas do estrangeiro, não esquecendo o tradicional bacalhau. Depois, a vida foi se tornando difícil, o vinho, o azeite e o bacalhau ficaram mais caros.

Apenas as classes mais favorecidas podiam se dar a esse luxo, e como essas classes estavam se tornando cada vez menores, o consumo foi caindo. Com o incentivo à industrialização nacional, o produto brasileiro foi se tornando mais sofisticado, e hoje se iguala e até supera o importado. Também muitas indústrias vieram se instalar no Brasil, e marcas famosas começaram a ser produzidas em nosso país, extinguindo-se a importação de muitos uísques, licores, vinhos, conservas, latarias e biscoitos.

"O que vem de fora não é melhor" - A popular idéia de que os produtos importados são melhores que os nacionais começou a mudar quando o Brasil passou a colocar dificuldades nas importações. Vendo-se obrigado a aderir ao produto nacional, o povo começou a perceber que muita coisa feita no país era igual ou melhor que a importada. E o produto nacional tornou-se popular. Cinzano, Drurys, Martini e recentemente os licores da Bols passaram a ser procurados mesmo pelas classes mais ricas, como as frutas tropicais, conservas, latarias, biscoitos, queijos, e a linha de delicatesses (produtos para aperitivos) que o Brasil já produz, de boa qualidade.

Surgiram os supermercados, que deram mais um golpe no comércio varejista, e muitas casas fecharam. Mercearia Royal, Casa Haia e Mercearia Natal, por exemplo, tradicionais casas que trabalhavam com produtos importados, foram fechando. Outras, como a Casa Aymoré, na Rua Frei Caneca, mudaram seu ramo de atividades. Esta última, conhecida importadora, se retraiu, e passou a ser fornecedora de navios. Resta ainda, funcionando como antigamente, aquela casa da Rua Itororó, que agora ostenta um anúncio luminoso: Ao Anjo Barateiro.

Golpe final - Com as restrições impostas há três anos, obrigando o importador ao depósito compulsório por um ano, sem juros nem correção monetária, o golpe final contrra as pequenas casas importadoras foi assestado. Poucos tinham condições de continuar na praça. Os custos se elevaram, pois era preciso deduzir no preço do produto o valor da desvalorização da moeda, e o preço final aumentava. Tradicionais firmas como a Vicente J. Tavares tiveram que reduzir seus estoques de produtos importados de 30 para 3 por cento de seu volume de negócios, pois não era mais possível se manter um alto estoque.

Também devido à falta de continuadores, os velhos proprietários eram obrigados a fechar suas firmas, ao se aposentarem, pois os filhos preferem seguir a profissão que aprenderam na faculdade, a continuar no ramo dos pais. Também é muito difícil vendê-las, devido ao grande empate de capital com o volumoso estoque que é necessário para se manter uma empresa como essa em funcionamento. E fecharam a Ferreira Laje, a Martins Pimenta, a F. Monteiro, a Osório Domingues, a C. Costa Fontes, entre outras.

A tendência é desaparecer - Francisco Gonçalves, repositor de produtos importados do Supermercado Eldorado, diz que está tendo um grande movimento, mas que a tendência é de os produtos importados desaparecerem das lojas, dando seu lugar aos nacionais. "O movimento que estamos tendo está sendo maior devido a que os produtos estão começando a desaparecer. Da Europa praticamente não vem mais nada. A queda talvez seja devido à falta de mercadorias. Hoje, o que está vindo mais é vinho. Latarias, biscoitos, foi tudo proibido. Ainda chega alguma coisa da Argentina, Chile, e quase nada da Itália e de Portugal. Nosso estoque é bom e ainda estamos agüentando, mas virá uma época de crise, em que sentiremos também o problema, como estão sentindo atualmente os importadores.

Francisco Gonçalves, do Supermercado Eldorado
"Atualmente há maior procura que oferta. Todos sabem que os produtos importados vão desaparecer, e por isso atualmente está havendo uma grande procura, antes que eles desapareçam do mercado. Está vindo uma variedade enorme de vinhos importados, do Chile e da Argentina, em bastante escala, mas com valor estimativo alto, mais caros que os europeus".

"Estamos vendendo o vinho Chateau Sebercaseaux, argentino, a Cr$ 69,80, enquanto que o Siglo de Oro, de procedência espanhola, custa Cr$ 69,50. O vinho português Casa do Campo é vendido a Cr$ 53,00, e o Mateus Rosé, o mais tradicional dos vinhos portugueses, custa Cr$ 68,00. Sabemos que a qualidade dos vinhos europeus é um pouco melhor que a dos argentinos e chilenos; entretanto, os preços destes vinhos são ainda maiores que os da Europa. Mas recebemos geléias argentinas a preço relativamente baixo, dentro do mesmo paralelo das nacionais, na mesma faixa de preços". E existem certos chocolates suíços mais baratos que os nacionais, bem como geléias argentinas de preços melhores que os nossos".

"De qualquer forma, a tendência é esse comércio desaparecer. Tomara que isto nunca aconteça, pois eu vivo disto aqui, trabalhei uma grande parte da minha vida nesse setor. Nesta época, triplicamos o movimento devido à procura. Vendemos agora uma média de uma caixa (12 garrafas) de vinho Adriano Ramos Pinto por dia, quando antes a média era uma venda de 3 a 4 garrafas por dia. Possuímos uns 25 itens de vinho do Porto. Grande variedade, desde Cr$ 105,00 a Cr$ 545,00. Somos os únicos da região que possuímos ainda o Licor Mandarinetto, e na área de licores somos os líderes do mercado, devido ao grande estoque que temos, possuímos licores alemães que não se encontram mais por aí".

Continuando, Francisco Gonçalves diz que "o máximo que a linha de produtos importados atinge numa loja do setor é 30 a 35 por cento de seu volume de espaço para exposição. Acredito que as casas não fecharam devido propriamente às restrições na importação, mas a outros fatores, pois uma casa que trabalha com produtos importados não vive somente desses produtos, mantém paralelamente uma linha muito maior de produtos nacionais.

"Aquela idéia de que tudo o que vem de fora é melhor, eu acredito que está mudando, o povo. O brasileiro já começou a pensar diferente e reconhecer a qualidade de nossos produtos. Nossa linha de licores já satisfaz ao brasileiro, e muitas fábricas de bebidas começaram a se instalar no Brasil. Vieram para nosso país marcas tradicionais, como o Cointreau, o Grand Marnier, famosos licores que antes tínhamos que importar da França".

"Enquanto marcas famosas se instalam no Brasil, as marcas que aqui existiam ganharam fama, e se igualaram aos produtos importados. Vem muita gente de fora comprar nossas aguardentes. Os licores da Bols são também muito procurados. Nossa linha hoje está bastante sofisticada, também em conservas. Cogumelos (champignons), aspargos, azeitonas e cebolinhas recheadas, fundos de alcachofra, que antigamente só eram conhecidos através do produto importado da Espanha, França, Portugal e Inglaterra, hoje temos produtos nacionais de excelente qualidade, alguns feitos inclusive em Santos".

"Outra linha de grande procura, a dos delicatesses, já é produzida no Brasil, onde temos o amendoim, preparado de diversas formas, por exemplo. Queijo, temos o Faixa Azul, e acredito que no mundo todo não haja necessidade de se fazer um queijo melhor que esse, devido à sua alta qualidade. Nossos provolones também têm excelentes paladares".

"Na linha de frutas tropicais, acredito que o abacaxi, o caju, a manga, a goiaba rosa, entre outros produtos nacionais, sejam melhores inclusive que os similares importados. Mesmo gente rica, classe A, não compra mais produtos importados para aparecer, demonstrar sofisticação, quem compra [o produto nacional passa a] conhecê-lo e a gostar mais dele".

Uma nova tendência - "O interesse por produtos importados está caindo. Atualmente, quem compra produtos importados é a classe mais favorecida, que entretanto está diminuindo, pois é preciso haver um certo padrão aquisitivo para isso. Uma série de fatores está contribuindo para essa crise. A nacionalização dos produtos, as dificuldades com a importação, a falta de grande número de produtos, cada vez maior, e até uma pequena mudança de hábitos do brasileiro, estariam gerando o problema que obriga tradicionais casas a fecharem suas portas".

Quem compra bebidas importadas é o homem, mas quem compra queijos, biscoitos, lataria e delicatesses é a mulher. No supermercado ela encontra tudo isso, juntamente com verduras, carnes e muitas coisas mais. Então, a tendência é a mulher se dirigir ao supermercado para comprar os artigos importados, relegando a segundo plano as tradicionais casas do ramo."

"Trabalho há 17 anos nesse ramo, comecei em 1960, tendo começado na Mercearia Monte Castelo, instalada na Rua Frei Gaspar, 72, onde hoje é uma lanchonete. Na época em que saí, ela se transferiu para outro endereço, pois a Frei Gaspar foi alargada, mas já com outro ramo. Foi a primeira a fechar, na linha de importados, segundo o que me lembro foi entre 1963 e 1964. Depois foram fechando as outras.

Está desaparecendo o intermediário - Fernando dos Santos Gouveia, gerente geral de Vicente J. Tavares e Cia., diz que a real causa do fechamento das casas atacadistas de material importado é que, no setor de produtos nacionais dessas firmas, as fábricas estão procurando eliminar o elemento intermediário entre elas e o comércio varejista, que é o atacadista.

"Não há um motivo definido, um fator que esteja levando ao fechamento de tradicionais casas, como a F. Vallejo, a Ferreira Laje, a Martins Pimenta e outras. Possivelmente seria por falta de continuidade na administração das mesmas. A maioria dos proprietários, quando se aposenta, não tem a quem deixar o negócio, pois os filhos não estão interessados, e ninguém quer comprar, devido ao grande empate de capital necessário. No meu caso, fechei a Casa Haia e a Mercearia Natal: fecharam por falta de compradores".

No atacado, segundo Fernando Gouveia, o supermercado não influi, pois o atacadista vende a pequenas casas do ramo, os varejistas. O problema é que as fábricas estão entrando no varejo muito mais do que antes, e isso está forçando a eliminação do intermediário. Antes também se podia comprar a crédito, agora as fábricas querem o pagamento adiantado. E o varejista continua comprando fiado, pois não tem condição de comprar três caixas de uísque e pagar na hora, por exemplo.

Três capitais - Para o atacadista sobreviver no mercado, precisa ter atualmente três capitais, um para compra de mercadoria, um para o depósito compulsório sobre o valor da mesma, e o terceiro para suportar as vendas a prazo ao varejo, servir como capital de giro. "Temos também que descontar no preço do produto a desvalorização da importância depositada que encarece o preço final. Em conseqüência, o consumo caiu assustadoramente. Além disso, enquanto vendemos ao varejo, o supermercado compra grandes quantidades e põe à venda na própria loja, sem intermediários, possibilitando um lucro maior. Por isso, o volume de produtos importados, que antes era de até 40 por cento dos produtos vendidos, agora caiu para apenas 3 a 4 por cento".

Mas não desaparecerá ainda - Para Fernando Gouveia, de Vicente J. Tavares, "há muitas coisas insubstituíveis, como o azeite de oliveira, que aqui não existe, o bacalhau, nativo das águas geladas, cereja, e outras frutas, que nosso clima não permite reprodução. Há coisas que são nativas de um lugar, e que não podemos produzir aqui, e que continuarão sendo importadas. Além disso, os produtos da Argentina não estão abrangidos por essas restrições, como também outros produtos sul-americanos. Mas na América Latina não é produzida toda a linha que importávamos da Europa, que continuará a ser importada.

"E algumas casas continuarão no ramo. Apesar de a Casa Haia, fundada quando Rui Barbosa pronunciava seus famosos discursos naquela cidade holandesa - e vendendo 90 por cento de artigos importados e apenas 10% nacionais -, hoje ter desaparecido, e a Mercearia Natal, fundada em 1934, ter fechado em outubro passado. Porque há um tipo de clientela que não se adaptou ao supermercado, e que continuará a comprar nessas pequenas casas de varejo".

Artigos natalinos e bacalhau continuam com sua venda normal, como nos outros anos, e ele não considera seus preços muito altos, dizendo que "o aumento havido foi apenas pra compensar a desvalorização da moeda. Mas existem os peixes ling e zarbo, que são vendidos como se fossem bacalhau, por serem da mesma família, embora sejam baratos. De qualquer forma, o bacalhau está fora do alcance da maioria das pessoas, e o consumo poderia ter sido maior. Embora o poder aquisitivo seja cada vez mais baixo, existe uma classe que considera a mercadoria estrangeira melhor. É a classe mais elevada, que entretanto está desaparecendo, ou se conformando em comprar o produto nacional".

Fernando Martins, do Ao Anjo Barateiro

Varejo sumindo - Fernando Martins, proprietário do "Ao Anjo Barateiro", também sente os efeitos que o supermercado causou, mas está otimista. "O povo vai se cansar de ser enganado pelos supermercados, que oferecem dez produtos em promoção e descontam o prejuízo nos demais, enganando o comprador. Conservo meu sistema tradicional de vendas, sem ofertas nem nada, e os clientes tradicionais continuam a ser atendidos da mesma forma.

"Sei de casos de clientes que se afastaram por um tempo, para irem ao supermercado, e depois voltaram. Se você ficar olhando por algum tempo a movimentação dos compradores no supermercado, próximo às caixas, verá que de vez em quando alguém chega com o carrinho lotado. Quando a caixa diz o valor total da compra, o cliente pede para ela esperar enquanto preenche um cheque, e deixa tudo lá, por não ter condições de pagar por tudo o que comprou".

Para ele, "a própria guerra entre os supermercados vai abrir os olhos do povo. E, se antes tínhamos 50 por cento ou mais de produtos importados, hoje nosso volume máximo é de 4 a 5 por cento. E nos produtos nacionais, estamos tendo prejuízo com açúcar, arroz e café. Para podermos trabalhar sem prejuízo, a margem teria que ser de 12 por cento, e ainda assim não teríamos lucro. Estamos trabalhando com três e meio por cento no açúcar e menos de oito por cento no café. Se mantemos esses produtos na linha, é mais por um favor ao freguês".

"Muitas firmas deixaram de trabalhar com produtos importados devido aos constantes roubos nas Docas, que a gente sabia acontecerem, mas não podia denunciar, vivia sob ameaças. Com os prejuízos, não interessava continuar. Por isso eu quase parei. Continuo ainda com um pouco de bacalhau, azeite argentino e alguns vinhos. O resto, deixei de importar".

"A qualidade dos produtos brasileiros já é regular, e o povo já está se acostumando a eles. Nosso vinho branco é muito bom, mas o vinho tinto, segundo me disse um produtor do Rio Grande do Sul, ainda não conseguimos igualar aos importados".

Após quarenta anos dirigindo a casa, Fernando Martins pensa no que fará nos próximos anos: "Talvez quando eu deixar a direção da casa, meus filhos queiram continuar. Mas vender eu acho que não vou conseguir, poucos se interessariam em continuar o negócio".

Francisco Gonçalves, do Supermercado Eldorado, lembra que, "pessoalmente, embora trabalhe há muitos anos no setor de produtos importados, quando compro para mim escolho os nacionais, que têm um padrão semelhante e são mais baratos".


Ao Anjo Barateiro, que funcionava na Rua Itororó, 104
Foto: reprodução de A Tribuna de Santos, de 13/6/1982

O comentário de Fernando Gouveia, citando a casa importadora santista F. Vallejo como não mais em atividade, mereceu resposta dessa empresa, em carta ao jornal, publicada em 27 de abril de 1977:

Importados: explicações

Prezados senhores: Foi com inusitada surpresa que vimos na edição de 21 do corrente deste conceituado matutino santista, na reportagem "Importados: um ramo de comércio em extinção", a inclusão do nome de nossa firma entre aquelas que já encerraram suas atividades em nossa cidade. F. Vallejo e Cia. Ltda., fundada em 1912, desde aquela época vem operando continuamente sob a mesma razão social, encontrando-se estabelecida desde 1929 à Rua General Câmara, 220/222.

Podemos afirmar com segurança que somos os importadores, do ramo de líquidos e comestíveis, mais antigos do Estado de São Paulo e talvez até mesmo do Brasil, uma vez que as tradicionais casas, contemporâneas da nossa, estabelecidas no Rio de Janeiro, encerram suas atividades, todas elas, pelos mesmos motivos apontados na reportagem quando do fechamento de suas congêneres em nossa cidade.

Em Santos somos, atualmente, os únicos importadores do ramo, já que todas as firmas ouvidas pela reportagem compram as mercadorias de procedência estrangeira disponíveis no mercado interno.

E é como importador que vimos emitir nossa opinião em relação à reportagem em questão, de cujo título discordamos, uma vez que não comungamos com a idéia de que extinguir-se-á a importação dos produtos citados.

Em primeiro lugar, gostaríamos de relembrar que até 1975, a importação de todos os produtos descritos na Tarifa Aduaneira Brasileira era livre, muito embora fossem altamente taxados pelas alíquotas do imposto de importação todos os produtos considerados supérfluos.

Mesmo quando foi instituído o depósito compulsório pelo prazo de 360 dias para a importação daquelas mercadorias, ainda que ficassem por preços bem mais altos, elas continuaram a entrar em nosso País. Foi em fevereiro de 1976, quando proibidas as emissões de guias de importação para todos os produtos considerados supérfluos, que deixaram de ser importados os licores, os vermutes, os amargos, as conservas e, posteriormente, queijos e caviar procedentes dos países europeus.

Contudo, como foram respeitados os acordos da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), aquelas mercadorias proibidas foram substituídas por aquelas fabricadas nos países-membros da Alalc.

Produtos de renome internacional continuaram a ser importados de filiais estabelecidas na América Latina. Cujo exemplo podemos citar o conhecido licor espanhol Anis del Mono, cuja marca representamos no Brasil desde 1947, importado agora, por nossa firma, do Peru. Também peruana é a procedência de variada linha de licores que iremos receber da marca Bardinet, francesa, fabricados no Peru sob licença da matriz na França.

A par disso tudo, gostaríamos de lembrar que todas as medidas restritivas tomadas até agora pelo governo, tais como: depósito compulsório, proibição de emissão de guias de importação, estabelecimento de preços de referência ou pauta mínima e mesmo o aumento de 100 pontos de porcentagem nas alíquotas ad-valorem do imposto de importação, vigoram até 31 de dezembro do corrente, podendo, no entanto, ser prorrogadas por mais um ano.

É importante ressaltar que os produtos estrangeiros, mesmo aqueles considerados supérfluos, sempre foram reguladores dos preços dos produtos nacionais a eles eqüivalentes, impedindo-os que aumentassem desenfreadamente. De uma maneira geral, todos os produtos em suas origens são bem mais baratos que os nacionais em virtude de seu avanço tecnológico, assim como da quantidade fabricada e também dos incentivos que recebem nas exportações. Pelos motivos acima expostos é que discordamos do título da matéria "Importados, um ramo do comércio em extinção", e se, nas firmas citadas - e entre elas nos incluímos -, a quantidade de itens de produtos nacionais é maior, primeiro deve-se levar em consideração em [primeiro] lugar a situação restritiva que ora atravessamos e em segundo lugar o estágio de qualidade [em] que se encontra o produto nacional.

Sendo esta a nossa opinião sobre o assunto, não queremos de maneira nenhuma estabelecer polêmica sobre o mesmo. Agradecendo pela atenção, solicitamos que Vv. Ss. retifiquem o lapso sobre o encerramento de nossas atividades; reiteremos nossa maior admiração por este Jornal e subscrevemo-nos;

Atenciosamente,

Octavio Fernandes Vallejo.

Em plena Segunda Guerra Mundial, mesmo com os navios cargueiros sendo comboiados por belonaves no Atlântico, os negócios de importação continuavam. Em 26 de março de 1944, na edição comemorativa de seu cinqüentenário (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), o jornal santista A Tribuna publicou este anúncio (grafia atualizada nesta transcrição):

Ferreira Lage & Cia. Ltda.
uma tradição do comércio importador santista

Entre as firmas importadoras de que tanto se orgulha o comércio local, ocupa lugar de destaque, sem dúvida alguma, Ferreira Lage & Cia. Ltda., cujas tradições de honestidade são o alicerce de sua crescente prosperidade. Fugindo aos velhos processos comerciais e dando provas de modernos e mais avançados conceitos, os componentes da firma imprimiram-lhe uma orientação firme e segura, baseada numa perfeita comunhão de vistas e de interesses recíprocos em suas trocas mercantis. Tanto assim é que seu movimento de vendas, malgrado os tempos difíceis que atravessamos, teve sempre uma curva ascendente, satisfazendo plenamente a clientela pela excelência dos produtos e pelas facilidades das transações, realizadas dentro da mais sadia ética comercial.

Com uma existência já longa de oito lustros, a firma Ferreira Lage & Cia. Ltda. tem-se imposto à consideração e simpatia não só do comércio desta praça, mas sim também do de praças de diferentes pontos do país e do estrangeiro, que sempre encontraram da parte de Ferreira Lage & Cia. Ltda. toda a boa vontade peculiar aos que negociam com objetivos elevados e sãos. Cooperando em todos os movimentos de caráter social e patriótico, assim como em todos os empreendimentos beneméritos de nossa terra, os sócios da firma gozam da estima e da consideração de nossa sociedade, que neles enxergam amigos devotados da terra em que exercem sua profícua atividade.

***

Ferreira Lage & Cia. Ltda. são sucessores de Ferreira Lage & Cia., firma fundada em Santos em junho de 1903, por José de Azevedo Lage, José Ferreira Lage, ambos já falecidos, e Antônio de Azevedo Ferreira Lage. Com o decorrer do tempo e diante da expansão de seus negócios, ingressaram para a firma os srs. Manoel e Narciso de Azevedo Lage.

Atualmente, organizada em sociedade por quotas de responsabilidade limitada, fazem parte da firma os srs. comendador Antônio de Azevedo Ferreira Lage, Manoel de Azevedo Lage, Narciso de Azevedo Lage e os antigos auxiliares da firma, em número de dezenove.

***

Digamos agora, nesta síntese a respeito das atividades e trabalhos da conceituada firma, alguma coisa a respeito dos seus objetos de comércio. São importadores em larga escala de vinhos e azeites de Portugal e de outros artigos comestíveis. Mantêm amplas relações comerciais com a Inglaterra, Estados Unidos e Argentina, bem como com outros países, para a importação dos principais produtos de seu ramo de comércio.

Trabalha a firma, por grosso, com cereais e outros gêneros comestíveis de produção nacional, mantendo relações com as principais cidades do Estado de São Paulo e com as grandes praças do Sul do País.

É de se ressaltar ainda as especialidades em vinhos de seu engarrafamento, como sejam: Vinho Clarete Rosado, Vinho Branco Bucellas, Vinho Alcobaça J.S. P., Vinho Douro Clarete, Vinho Verde Flor de Liz, Vinho Nacional "Patriarca Extra", Branco e Tinto e outros vinhos de reputadas marcas do Rio Grande do Sul.


Ferreira Lage & Cia. Ltda.

Matriz em Santos
Rua Amador Bueno, 131
Fones 2625 e 3058
Caixa Postal 248

Filial em São Paulo - 
Rua Paula Souza, 29

Fone 4-5814
Caixa Postal 4023


O edifício onde funcionam os Escritórios e Armazéns da firma Ferreira Lage & Cia. Ltda.

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